Política

Márcio França não se opõe a aliança do PSB com Lula em 2022, mas pede ‘reciprocidade’

A CartaCapital, o provável candidato da sigla ao governo paulista também avalia a busca pela 3ª via e diz ter ‘simpatia’ por Ciro Gomes

O ex-governador de São Paulo Márcio França. Foto: Reprodução/TV Globo
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Para o ex-governador de São Paulo Márcio França, do PSB, não há qualquer empecilho para o apoio ao ex-presidente Lula nas eleições de 2022, desde que haja uma ‘reciprocidade’. Ex-deputado federal e ex-prefeito de São Vicente, no litoral paulista, França também vê sua candidatura ao Palácio dos Bandeirantes no ano que vem como o cenário mais provável.

Em entrevista a CartaCapital nesta segunda-feira 26, ele ainda confirmou que o ex-governador Geraldo Alckmin — de quem foi vice —  deve deixar o PSDB, reforçou suas críticas ao governador João Doria e minimizou o risco das ameaças feitas por membros do governo de Jair Bolsonaro – e pelo próprio presidente – à democracia no Brasil.

Em 2018, França foi derrotado por Doria no pleito estadual em São Paulo em uma disputa apertada: 51,75% a 48,25%. O pessebista havia assumido o governo paulista em abril daquele ano, quando Alckmin renunciou ao cargo para se lançar à Presidência.

Sobre a corrida presidencial de 2022, apesar de abrir caminho para um endosso do PSB a uma chapa encabeçada por Lula, França elogiou o ‘amigo’ Ciro Gomes, por quem disse ter ‘simpatia’. Frisou, porém, que o principal desejo de seu partido seria lançar um nome próprio ao Planalto, embora reconheça que, para as eleições do ano que vem, isso não será possível.

No fim de junho, em entrevista a CartaCapital, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, destacou que Lula “tem a menor rejeição”, que “a polarização contra Bolsonaro está dada e dificilmente será alterada” e que “o PSB apoiará aquele que tiver condições de liderar essa Frente Ampla – e tudo indica que seja o Lula”. Na ocasião, completou Siqueira: “Se for, estaremos lá”.

Leia, abaixo, os principais pontos da entrevista com Márcio França:

CartaCapital: O senhor será candidato ao governo de São Paulo em 2022?

Márcio França: Provavelmente. É o cargo que disputei [em 2018]. A eleição foi muito polarizada entre mim e o Doria. Como alguém que acha que o Doria frustrou muita gente por conta do jeito e das ações que tomou, é natural que eu dispute as eleições.

CC: E Alckmin, de quem o senhor foi vice? Ele deve sair do PSDB para também disputar o governo de São Paulo?

MF: Alckmin é um dos homens mais experientes do Brasil. Foi governador quatro vezes, disputou duas vezes a Presidência. É um nome maior que São Paulo, é um nome nacional, porque já esteve no 2º turno nacional. E vejo que lá no PSDB as pessoas não acham isso dele. Então, verifico a possibilidade de ele sair do PSDB. Se ele sair, que é o que eu imagino, abrirá todo um leque de opções. Neste instante, diria que a alma de Alckmin já saiu do PSDB.

O Doria está transformando [o PSDB] em outra coisa. Ele chama de social-democracia de direita, como se isso fosse possível. É como se fosse um pudim de linguiça.

São expressões antagônicas. Ficou sem espaço para o Alckmin, acho que ele reconhece isso e a saída dele do PSDB será um marco para a história política de São Paulo e talvez do Brasil.

CC: O PSB deve apoiar a candidatura de Lula à Presidência?

MF: Todo partido tem o desejo de ter o seu próprio candidato, é natural. Nós trabalhamos durante anos para que Eduardo [Campos] fosse esse nome, mas veio o acidente e ficamos sem um nome natural para essa disputa presidencial. Já estivemos com o Lula em duas ou três eleições direta ou indiretamente.

Então, não vejo nenhum problema em estarmos apoiando o PT, desde que haja uma reciprocidade de entendimentos. Sempre foi em torno da reciprocidade dos interesses que os estados têm. Que aquilo que seja bom para um possa ser bom para o outro.

Mas nós continuamos entendendo que o ideal é que tivéssemos alternativas, não ficássemos tão limitados a apenas um nome. Até porque acho que nem para o próprio Lula é boa essa maneira como se só ele pudesse ser a solução. Se um dia ele faltar, como vamos fazer? Precisamos ter alternativas e, eventualmente, podemos estar com ele, porque já estivemos em outro momento.

CC: Doria também se apresenta para a eleição presidencial. Ele será competitivo?

MF: Todo governador de São Paulo é sempre competitivo. O estado representa 25% dos votos do País. Ele tem qualidades, ninguém chega ao cargo de governador se não tiver qualidades. Está hoje com a prefeitura e o governo na mão, foi vitorioso em duas eleições seguidas. Dependendo do quadro lá na frente, ele pode se tornar um ‘pós-Bolsonaro’, tipo um Bolsonaro com um verniz. Porque ele tem uns traços autoritários, só que ele é lapidado, então acaba disfarçando melhor.

Para o Brasil seria muito ruim, porque ele é muito insensível. No caso do Doria, o que me incomoda é uma sensação de tudo sintético, nunca consigo entender qual de fato é o sentimento dele. Não me parece autêntico. Diria que se ele ganhar a prévia do PSDB e, com a ausência de outros nomes, se amanhã o Bolsonaro por exemplo anunciar que não será candidato, passa a ser ele uma alternativa, embora tenha muita rejeição.

São Paulo tem os piores números do Brasil na pandemia, aumentou todos os impostos, acabou de fazer renovações de contratos de concessão de rodovias sem licitação, mas ele tem uma capacidade de mídia importante, porque, como Bolsonaro fez os cortes nacionais de mídia, a segunda grande anunciadora brasileira é o governo do estado [de São Paulo]. Então ele acaba sendo um cara influente. É uma pessoa competitiva.

CC: Existe, então, espaço para essa chamada ‘3ª via’?

MF: A expressão está errada. O que existe é que alguém que fique forte passa a ser a 2ª via. Se amanhã Bolsonaro resolver não ser candidato ou cair totalmente. Provavelmente uma vaga será ocupada pelo Lula, pelo que ele representa, liderança popular de grande expressão, foi presidente duas vezes, o homem mais famoso do País, então é natural que ele ocupe esse espaço, depois de tudo o que passou. Qualquer outra coisa não é 3ª via, é a 2ª via que vai na verdade tirar o Bolsonaro.

O nome consolidado no Brasil que existe efetivamente é o do Ciro [Gomes], que já disputou mais de uma vez a Presidência, é um nome nacional, ocupou o cargo de prefeito e governador, deputado. É meu amigo, então é natural que eu tenha simpatia pelo Ciro. Agora, ele está no PDT e nós somos do PSB. Claro que cada um pode ter a sua simpatia, mas você tem mais simpatia pelo seu partido. Então, nós gostaríamos que tivesse um nome do PSB.

Se fosse um corte hoje na eleição, é evidente que os espaços estão demarcados. Você tem Lula e Bolsonaro. Mas, um ano e meio antes da última eleição, se alguém me desse uma chance de chutar, eu não teria colocado o Bolsonaro. Ainda há muita água para passar sob a ponte.

CC: Há uma possibilidade real de Bolsonaro não chegar ao 2º turno?

MF: É possível, porque o cargo de presidente é sempre desgastante. Houve uma pandemia grave, que afetou muita gente economicamente e na saúde. Ele tem de trabalhar com 50%, porque para 50% já seria impossível voltar a votar nele. Então, para esses 50% que ele tem aqui, tem de entregar alguma coisa nesse período, em especial na parte econômica.

Não sei quais são as ideias, mas ele está fazendo um movimento mais da política que da economia. A ida da parte política para o governo, o Centrão, é uma questão política, não da economia. Se ele ficar abaixo de 15 ou 18 pontos, começa a ser ameaçado por uma 3ª força que poderia ter mais que isso. Ele tem uma base de sustentação, mas é muito inferior à que ele imaginava. A base de sustentação, aquele bolsonarista raiz, eu diria que é em torno de 8 ou 10 pontos.

Agora, é preciso lembrar uma coisa: ele não foi nomeado, foi eleito. Algumas pessoas fizeram campanha para ele, entre elas o Doria. Então, simplesmente pedir desculpas não é suficiente.

Houve consequências. Estamos com 550 mil mortes, mas temos uma infinidade de pessoas que estão tendo consequências dos erros administrativos do governo federal e de vários governos estaduais. Só na educação, praticamente são dois anos de atraso que essas crianças estão tendo. E eu não enxergo um ‘pós’.

CC: O senhor teme as ameaças de Bolsonaro e de militares de seu governo à democracia?

MF: O maior problema que temos de ameaça real é a da incompetência generalizada na tratativa do futuro. Por exemplo: não preparar os jovens por dois anos é uma ameaça à democracia, porque vamos ter uma geração inteira com muito menos conhecimento. Também aqueles todos que não se trataram na Saúde, porque têm medo de ir ao hospital ou porque não tem uma vaga.

Do ponto de vista de ‘golpe’, acho que o exemplo americano serviu para dar o tom que cada coisa tem. O cara dá o grito lá, mas acaba a eleição, o TSE dá a posse para quem foi eleito e ponto final.

Não vejo nenhum problema com relação a isso. No caso de Forças Armadas, elas tiveram todos os expedientes do passado para ensiná-las que, no fim, o ônus sobra todo para elas. Elas levaram anos para reconstruir uma imagem. Tirando um ou outro que pode ter o pensamento equivocado, como na área civil, os militares sabem de sua função e de sua importância.

O desafio é de devolver a esperança. Eleição é basicamente esperança. As pessoas precisam de esperança.

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