Opinião

Lula está de volta. É o mesmo da vitória de 2002?

Ou os tormentosos anos precipitados pela Lava Jato são responsáveis por uma uma mudança significativa?

Ex-presidente Lula. Créditos: EBC Ex-presidente Lula. Créditos: EBC
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Vamos à leitura do vetusto órgão da casa-grande:

“Desse modo o sr. Lula da Silva pode até subir nos palanques dos grotões miseráveis, onde ainda é rei, para pedir votos e, eventualmente, voltar ao poder, mas ainda assim, para todos os efeitos – morais e políticos ‒, terá seu nome indelevelmente vinculado a múltiplos escândalos de corrupção que nenhuma chicana será capaz de apagar. (…) a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que beneficiou o sr. Lula da Silva, adotada na segunda-feira, não entrou no mérito das condenações e, portanto, não considerou o chefão petista inocente de nada”.

Trata-se do editorial da edição do Estadão de terça-feira 9 de março, enfeitado pelo ex-libris que eu mesmo tive a oportunidade de usar pela primeira vez quando diretor da redação do Jornal da Tarde. Fico pasmo com o mau uso de um vernáculo que veta duas negações na mesma frase para não cair no diabólico engodo de afirmar. Parece-me, em todo caso, que temos aqui a perfeita interpretação da postura da casa-grande em relação aos fatos precipitados pela decisão de Fachin. Para os senhores que mandam na terra, coisa alguma mudou em função da decisão do magistrado. O significado do texto envolve claramente o próprio juiz do STF, alçado a uma função similar àquela de Pilatos.

É uma forma de, segundo as melhores tradições nativas, deixar tudo como está para ver como fica, sem exclusão da intenção de salvar Sergio Moro, juiz de uma Operação Lava Jato capaz de gerar o maior golpe de Estado em um país tão afeito a histórias parecidas. A fala de Lula já na quarta-feira 10 é a de um candidato à espera de seu momento e consciente da indispensável necessidade de um imponente processo para provar o crime cometido contra a lei e as evidências históricas pela República de Curitiba.

O Lula de hoje não iria ao enterro de Roberto Marinho e demitiria sem pestanejar o General Villas Bôas

Por este caminho, os nós serão desatados e esta é uma perspectiva destinada à satisfação do povo brasileiro e desta revista. Sempre houve de nossa parte a maior firmeza na denúncia de toda a trama ao lado de Lula. Tenho por ele uma amizade sólida de 44 anos, vem desde os tempos das grandes greves do ABC, bem maiores do que qualquer reivindicação trabalhista para assumir a feição de resistência contra a ditadura fardada. Nem sempre percebi em Lula a capacidade de identificar seus verdadeiros inimigos, e não me refiro, evidentemente, aos donos das montadoras ou mesmo aos generais ditadores.

Há por trás de tudo uma misteriosa entidade que chamamos de casa-grande, cujos contornos e alcances não são perfeitamente nítidos. Mas aí estão os adversários de qualquer mudança, de qualquer passo adiante no sentido da contemporaneidade do mundo, determinados a combatê-los e impedi-los a qualquer custo. O Lula chegado ao poder na eleição de 2002 não tinha esta visão que hoje a situação lhe impõe. Como dizia Raymundo Faoro, a reação no Brasil sempre leva vantagem, mesmo porque é mais competente do que a esquerda. Aquele Lula de 19 anos atrás não partilhava desta crença, vítima como tantos outros de uma forma de emoliência que dobra naturalmente as mentes de muitos, para obrigá-los a pensar como à casa-grande convém.

Neste engodo do destino caíram até mesmo os ministros do STF, aos quais caberia interromper o processo precipitado pela Lava Jato desde o começo e impedir o impeachment de Dilma Rousseff. Nota-se agora não faltarem arrependidos, inclusive aquele Gilmar Mendes disposto a autorizar a divulgação da conversa de Dilma com Lula, quando da tentativa de levá-lo ao comando da Casa Civil. É bom sublinhar que neste exato instante o mesmo Fachin, tão douto nas argumentações, não convence no seu mal explicado ensaio de voltar atrás. Creio mesmo que não se tenha dado conta das consequências da sua decisão, as quais são alvissareiras no entendimento de CartaCapital.

Percebida a presença do verdadeiro inimigo, no momento tão bem representado pelos fâmulos Sergio Moro e Deltan Dallagnol, bem como pelo demente Bolsonaro e pelas Organizações Globo, sem esquecer o editorialista do Estadão, e tantos outros merecedores de figurar no rol, Lula está devidamente armado para voltar ao comando e conduzir, em outro patamar, o trabalho interrompido pela prepotência da Lava Jato e dos seus mandantes, sempre os mesmos, incluídos os estrategistas do Departamento de Estado.

O novo Lula não iria ao enterro de Roberto Marinho para extrair o lenço do bolso ao lado do ataúde. Não hesitaria um único, escasso segundo para exonerar o general Eduardo Villas Bôas. Enquanto os generais de pijama do Clube Militar deblateram contra Fachin em tom audível a quilômetros de distância, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, faz o elogio da soberania popular, pela qual será eleito quem ela bem entender. Lula está de volta e CartaCapital está confiante.

Publicado na edição nº 1148 de CartaCapital, em 11 de março de 2021

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