Política

As promessas da PEC 241 e o desmonte do Estado

Com o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, o Brasil retornará ao modelo concentrador de renda e de exclusão social

Apoie Siga-nos no

A Proposta de Emenda Constitucional 241 estabelece uma regra de teto para os gastos primários do governo federal. A regra é simples: os gastos primários (saúde, educação, saneamento básico etc.) de cada ano somente poderão aumentar de acordo com a inflação passada (medida pela variação do IPCA acumulada em 12 meses até junho do ano anterior).

A regra valerá pelos próximos 20 anos e sugere que poderá realizar mudanças econômicas benéficas. Mas, trará, de fato, muitas dificuldades para a sociedade. Desmontará o Estado brasileiro em todas as áreas. Vejamos algumas das promessas, a partir de trechos extraídos do texto da PEC:

1) “Reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal”.
O déficit público orçamentário (ou nominal), desde 2004, sempre esteve em patamar aceitável. O que houve foi um aumento preocupante desse déficit no ano de 2014 (para 6,07% do PIB). Contudo, suas causas são conhecidas: o pagamento exorbitante de juros da dívida pública devido às elevadas taxas Selic (311 bilhões de reais), as exageradas desonerações tributárias das atividades empresariais (perda de mais de 100 bilhões) e a fraca arrecadação em decorrência do baixo crescimento (aumento do PIB de apenas 0,1%).

O quadro fiscal de desequilíbrio agudo ocorreu somente no ano de 2015 quando foram adotadas medidas severas de cortes de gastos públicos (que provocaram uma grave recessão de 3,8% do PIB, com queda da receita de 3% em termos reais). Em 2015, sob uma política de austeridade fiscal conjugada com gastos descontrolados de juros referentes à dívida pública (aumento dessas despesas foi de 62% em relação à 2014 enquanto a inflação do ano foi de 10,67%), o déficit orçamentário saltou, então, para um patamar inaceitável de 10,34% do PIB.

Nossas dificuldades fiscais advêm dos exagerados pagamentos de juros da dívida pública que decorrem das elevadas taxas Selic que são praticadas pelo Banco Central. E para conter esse desperdício de recursos públicos, a PEC nada propõe. Muito pelo contrário, esse é único gasto do governo que não está limitado pelas regras da PEC 241.

2) “Recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos” ou “numa perspectiva social, a implementação dessa medida alavancará a capacidade da economia de gerar empregos e renda…”.
Não é explicado COMO a economia pode crescer a partir de um freio nos gastos públicos do governo federal. O crescimento de uma economia tem que ocorrer necessariamente pelo crescimento do consumo ou do investimento privado ou das exportações (menos às importações) ou dos gastos do governo (inclusive seus investimentos).

Qualquer desses canais pode influenciar os demais. As exportações estão se enfraquecendo porque o Banco Central está deixando o câmbio se valorizar. E a contenção de gastos públicos indicado na PEC terá efeito negativo sobre o consumo e o investimento privado. Portanto, não há nexo com a teoria econômica nem com a realidade entre a contenção de gastos públicos (proposta na PEC) e uma possível trajetória de crescimento da economia (prometida na PEC).

3) A PEC 241 objetiva eliminar a suposta raiz do problema fiscal: “a raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária”.
O crescimento de gastos públicos acima ou abaixo da inflação não significa absolutamente nada. O aumento real dos gastos públicos não implica necessariamente piora dos resultados das contas públicas ou melhoria na qualidade de vida da população. Bem-estar social e organização fiscal dependem de outros fatores, por exemplo, aumento da arrecadação, crescimento populacional, despesas com o pagamento de juros da dívida pública e demandas sociais.

Gastos públicos devem crescer (ou decrescer) em função da arrecadação do governo, de sua capacidade de endividamento saudável e das necessidades da sociedade. A raiz do déficit público brasileiro, ou seja, a sua principal causa é o pagamento de juros da dívida pública devido às altas taxas Selic praticadas pelo Banco Central. E não o excesso de gastos primários. Nos últimos cinco anos (2011-2015), a despesa com o pagamento de juros cresceu 111,8%, enquanto a inflação do período foi de 39,4%.

4) A PEC 241 pretende criar as condições para a redução das taxas de juros: “certamente a contenção do crescimento do gasto primário, em uma perspectiva de médio prazo, abrirá espaço para a redução das taxas de juros, seja porque a política monetária não precisará ser tão restritiva, seja porque cairá o risco de insolvência do setor público”.
Diferentemente do que é argumentado, o Banco Central não alega que não reduz a taxa de juros Selic devido à política de gastos do governo federal. O argumento do BC é a necessidade do controle da inflação. É o que é dito nos documentos oficiais.

O outro argumento lunático é que a taxa de juros Selic poderá cair porque haverá redução do risco de insolvência do setor público. Entretanto, não há nenhuma relação entre taxa de juros Selic e grau de insolvência do setor público (considerando os atuais patamares da Selic).

Os credores do governo federal sabem que o risco de insolvência do setor público é desprezível, que o governo sempre honra com os seus compromissos – em detrimento inclusive de áreas sensíveis como saúde e educação.

Os credores aceitam os atuais 14,25% ao ano de juros como remuneração para a aquisição de mais títulos, mas aceitariam 13,25%, 12,25%, 11,25% etc. Nós não sabemos qual é o piso de taxa de juros capaz de rolar (ou não) a dívida pública porque nunca arriscamos conhece-lo. Se tivéssemos realizado uma redução significativa da taxa de juros Selic, poderíamos conhecer a relação entre piso de juros e risco de carregamento de títulos públicos.

Mesmo quando a presidente Dilma decidiu reduzir a taxa Selic no ano de 2012, os “gritos” não eram que títulos não seriam comprados àquela taxa devido ao risco de insolvência do setor público, mas sim que a inflação era alta e descontrolada (associado ao blá-blá-blá que “taxa de juros não se reduz por decreto”).

O desmonte do Estado brasileiro
Para além das promessas, de certo, temos: haverá um desmonte geral do Estado brasileiro e, especialmente, de suas políticas e programas sociais. A defesa da PEC 241 de que haverá uma queda na relação dos gastos primários do governo como proporção do PIB é vazia. Isso em si pode não melhorar nem piorar os resultados fiscais. E mais ainda, essa proporção (gastos primários do governo/PIB) quando varia (para mais ou para menos) não necessariamente melhora ou piora a vida do cidadão.

A relação gastos primários/PIB mostra tão somente a capacidade que o governo tem de minimizar desacelerações e de evitar booms da economia. Quanto maior essa razão maior é capacidade do governo de regular as variações do ciclo econômico.

O que é decisivo para a vida do cidadão é o gasto público real per capita em cada área de atuação do Estado. Afora o desperdício de qualquer natureza, quanto maior o gasto real por cada indivíduo (ou para cada cidadão) maior será a qualidade potencial do benefício de cada área de atuação do Estado.

Esse é o pecado letal da PEC 241. Não é que ela possibilita a redução da razão gasto primário/PIB. Aliás, essa relação poderá até aumentar se houver, como é provável, prolongamento do ciclo recessivo ou estagnacionista.

A PEC obrigatoriamente reduzirá o gasto real per capita porque tais gastos estão congelados por 20 anos. E projeções do IBGE indicam que haverá crescimento populacional nas próximas décadas. Sendo assim, vale a seguinte comparação.

O gasto per capita real aumentou, nos últimos 10 anos, 44% na área da saúde e 102%, na educação. Com a PEC 241, teremos nos próximos 10 anos uma queda de 6% nesses gastos tanto na saúde quanto na educação.

Outros números merecem ser enfatizados. Se a PEC 241 estivesse em vigor nos últimos dez anos, o investimento federal em educação teria sido de 31,5 bilhões de reais, em 2015, mas foi de 103,8 bilhões. Na saúde, teria sido de 65,2 bilhões de reais, mas foi de 102,1 bilhões.

Além disso, o orçamento da Previdência teria sido comprimido nos últimos anos. O resultado teria sido que o valor do benefício médio seria aproximadamente 40% menor do que é hoje. E, portanto, teria sido impossível ter tido o valor do salário mínimo como piso dos benefícios da Previdência, já que 70% dos beneficiários do sistema recebem o piso.

Esta é a PEC do desmonte do Estado brasileiro em todas as áreas. Saúde e educação são exemplos bem ilustrativos, mas todas as áreas serão atingidas: segurança pública, saneamento básico, cultura, defesa nacional, assistência social etc. Sobrarão recursos apenas para o governo fazer o chamado superávit primário, isto é, dinheiro poupado para ser transferido para banqueiros e rentistas pela via do pagamento de juros da dívida pública.

O Brasil retornará ao modelo concentrador de renda e de exclusão social.

*Lindbergh Farias é senador pelo PT do Rio de Janeiro.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar