Política

Jean Wyllys: “Temo que Lula morra na prisão”

O ex-deputado federal promete transformar a temporada no exterior em uma trincheira de resistência

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Depois de uma calculada reclusão, o ex-deputado federal Jean Wyllys deu as caras em Berlim para prestigiar a estreia de Marighella, filme dirigido pelo amigo Wagner Moura, no festival de cinema da cidade. O novo corte de cabelo e o bigode aparado transparecem a leveza de quem recuperou a liberdade, sem abandonar o ativismo, propósito da renúncia ao mandato na Câmara e do autoexílio na Europa. “A causa que defendo precisa não de um mártir, mas de um ativista vivo”, resume Wyllys nesta entrevista exclusiva. O militante dos direitos humanos promete transformar a temporada no exterior em uma trincheira de resistência e de denúncia dos ataques às liberdades individuais durante o governo Bolsonaro. “Farei o possível para que os olhos das instituições, indivíduos e países democráticos estejam sobre o Brasil.”

CartaCapital: Como se sente diante das mentiras sobre a sua decisão pelo autoexílio?
Jean Wyllys: Não me surpreende. Quem me calunia, quem reproduz e divulga mentiras a meu respeito não tem escrúpulos. São criminosos. Tudo isso começou em 2011, quando assumi meu primeiro mandato. Só não fui destruído pelas fake news porque eu e os assessores que trabalhavam comigo desenvolvemos um know-how para lidar com a situação. Acusaram-me de participação na facada em Bolsonaro, fato que ainda está sob investigação. Quem inventa e compartilha essas mentiras deveria explicar o motivo de o Adélio Bispo de Oliveira ter sido proibido pela Justiça de falar.

CC: O que precisaria ser investigado?
JW: A Polícia Federal não leva em conta um vídeo de peritos independentes que analisa a sequência do atentado e mostra relações suspeitíssimas entre o acusado e gente ligada à campanha do Bolsonaro. Por que a PF e a mídia nada dizem sobre esse vídeo? Por que ele incomoda tanto? Eles deveriam buscar entender as recentes declarações da jornalista Eliane Cantanhêde, que se referiu a uma quimioterapia de Bolsonaro. Desde quando uma facada exige quimioterapia? O que o presidente tinha antes do ataque? Na verdade, eles foram pegos de surpresa com a minha decisão, que gerou uma comoção no País e uma intensa repercussão internacional. Diante do fenômeno, eles só conseguiram repetir mais do mesmo: mentir, caluniar.

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CC: O que achou da reação do ministro da Justiça, Sérgio Moro, ao requerimento que solicita investigação das ameaças contra a sua família?
JW: Estranhei a resposta. Ela contesta a afirmação de que o Estado pouco fez ou nada fez para preservar a minha vida. A declaração dele é suspeitíssima, intenta minimizar a gravidade da violência contra mim. As novas ameaças são contra a minha família. Ameaçam matar minha mãe e meus irmãos.

CC: Como é possível resistir, fazer oposição, longe do Brasil?
JW: É possível fazer política fora do Parlamento. Sou um ativista de direitos humanos, intelectual, escritor. Minha voz será propagada dessa maneira. Vou estar atento, denunciar, escrever sobre o que acontece no Brasil. Irei focar nas instituições que defendem a democracia em todo o mundo, comprometidas com os direitos humanos. Farei o possível para que os olhos dessas instituições, dos indivíduos e países democráticos estejam sobre o Brasil para proteger os vulneráveis, os milhões que não votaram nesse sujeito e que agora são tratados como inimigos, sobretudo as populações mais vulneráveis, entre elas a comunidade LGBT, os pretos, os pobres vítimas da violência estatal. E não me esqueço dos praticantes de religiões minoritárias, alvos de intolerância religiosa por parte de fundamentalistas cristãos. Vou conciliar a militância com o exercício de uma vida livre, que eu não tinha. Era obrigado a andar de carro blindado.

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“Vou conciliar a militância com o exercício de uma vida livre, que eu não tinha”

CC: O que tem a dizer aos eleitores que o levaram ao Parlamento e assistiram à sua renúncia?
JW: A causa que defendo precisa não de um mártir, mas de um ativista vivo. A minha atitude foi em defesa da minha vida e em defesa da minha família. Sacrificar a vida em nome de uma causa é típica de fanáticos e eu não sou um. Para defender a minha integridade, tive de sair, mas ao sair eu não vou me resignar a uma vida de estudos e investigação acadêmica tão somente. Continuarei a ser uma voz da comunidade.

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CC: Quem o substituiu na Câmara dos Deputados foi David Miranda. O que espera da atuação dele?
JW: Nós dois somos gays, pertencemos à comunidade LGBT, mas somos diferentes, elaboramos de maneiras diferentes e temos relações diferentes com o partido. Acho, de qualquer forma, que ele cumprirá um excelente mandato.

CC: Por que optou por não aparecer no tapete vermelho ao lado da equipe do filme Marighella?
JW: Era um momento de Wagner Moura e dos atores. Eu sou só amigo do Wagner e do Bruno Gagliasso. Eu queria ver o filme como um cidadão comum. E consegui. Queria também prestigiar meu amigo. É o primeiro longa-metragem dele. O filme me emocionou profundamente. O primeiro filme de Wagner é inesquecível, uma obra-prima.

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CC: E como foi a experiência de estar na plateia?
JW: De imensa felicidade. Por estar livre, seguro, em uma cidade inclusiva, libertária, apesar dos focos de neonazismo e homofobia. Berlim é uma cidade acolhedora, no sentido plural, cosmopolita. Em contrapartida, chorei muito durante o filme. Os personagens me tocaram profundamente. Marighella reflete parte do que vivemos agora no Brasil. Não é uma ditadura que durou por 21 anos, mas é uma nova forma.

CC: Os ataques à classe artística são parte deste contexto, não?
JW: Não é novidade a investida contra a educação e a cultura, que promovem o espírito crítico dos cidadãos. Foi feito antes. Mesmo a parte burra da sociedade brasileira, que só se interessa por compras em shoppings e não aproveita as oportunidades e privilégios para ampliar seu repertório, vai sair derrotada dessa história. Os artistas são responsáveis por colocar espelhos diante de nós, nos mostrar quão doente estamos. Mas acho que os artistas, no fim das contas, vão triunfar.

CC: Acredita que Lula será libertado em algum momento?
JW: Gostaria muito. Lamentavelmente, não sei se algum tipo de pressão internacional vá funcionar. Temo que ele morra na prisão, mas onde eu estiver nunca deixarei de dizer a verdade: Lula foi o melhor presidente do Brasil de todos os tempos.

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