Política

Intercept reaviva maior embate de 2018: partido da Lava Jato x lulismo

Opinião é de um dos autores do livro “A eleição disruptiva”, para quem Bolsonaro encarnou ódio pré-existente

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As últimas revelações do Intercept sobre Sérgio Moro e a Operação Lava Jato mostraram uma procuradora, Monique Cheker, a comentar com colegas no dia que o ex-juiz aceitou ser ministro da Justiça, quatro após a eleição: “Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e achar natural”.

Monique enganou-se, a julgar pelo livro recém lançado “A eleição disruptiva – Por que Bolsonaro venceu”. A entrada de Moro no governo foi natural. Consequência até certo ponto óbvia do que foi a eleição.

“O antipetismo mostrou-se, na campanha de 2018, uma força social muito mais mobilizada, e o ‘partido da Lava Jato’, maior que o lulismo. Esse foi o verdadeiro embate dessa eleição, a disputa entre lulismo e o ‘partido da Lava Jato’”, afirma a obra. “Jair Bolsonaro soube se posicionar para ser esse postulante [do partido da Lava Jato]”.

Os autores do livro são o economista e cientista social Mauricio Moura, dono do instituto de pesquisas Idea Big Data, e o consultor em marketing eleitoral Juliano Corbelinni. A CartaCapital, Moura diz que o discurso “partido da Lava Jato x lulismo” permeou os seis primeiros meses do governo Bolsonaro. E foi potencializada pelas revelações do Intercept. “A polarização ganhou gasolina. Enquanto a situação jurídica do ex-presidente Lula não for resolvida, será assim.”

Para saber como os brasileiros encaram as revelações, o Idea Big Data fez uma pesquisa, em 26 de junho. As conversas entre Moro e a força-tarefa de Curitiba foram consideradas impróprias por 33% dos entrevistados, mas para 32%, não. Quase um empate. Apesar disso, bem mais gente (48%) acha que Moro e os procuradores agiram corretamente, do que pensa o contrário (31%).

A explicação para impropriedade ser tratada com mão na cabeça talvez seja desconhecimento. O público não compreende que um magistrado deve manter distância das partes antes de julgar. Moro sempre foi visto como chefe das investigações, papel que cabia ao Ministério Público Federal (MPF). Pela lei, um juiz com atuação suspeita pode ter suas sentenças anuladas.

Ou talvez a explicação seja um fenômeno apontado em “A eleição disruptiva”. “Não foi um plebiscito contra o PT nem economia. O que se viu, particularmente nas redes sociais, foi um autêntico estado de frenesi contra os políticos (e a política) em geral e o PT em particular”, afirma o livro. “Foi a eleição dos indignados, uma manifestação de ira contra ‘tudo o que está aí’.”

Quer dizer, um certo espírito de linchamento, de “fins justificam os meios” triunfou na eleição. E talvez sirva para a sociedade tratar, por ora, Moro com complacência. “Sejamos francos. Não há diferenças de opinião sobre a parcialidade de Moro. Todos sabem que ele é parcial, mas para os minions esta é sua principal virtude”, escreveu no Twitter o petista Fernando Haddad.

Como “foi a eleição dos indignados”, diz o livro de Moura e Corbellini, o eleitorado aceitou passar por cima “de preconceitos, de intolerâncias e de antissentimentos” expressos por Bolsonaro. Sabia quem era e o que pensava o ex-capitão mas votou nele assim mesmo. A raiva da política era maior.

“A campanha de Jair Bolsonaro não se preocupou em apresentar um projeto de país, mas em se expressar de maneira a refletir o que as pessoas sentiam. Em épocas de crise, o ódio também fala ao coração”, afirma o livro. No caso, ódio contra a política tradicional, a corrupção, a violência, contra as ameaças aos valores da família cristã, o ‘socialismo’ de FHC e do PT.

Pesquisas com pequenos grupos de pessoas, as chamadas qualitativas, feitas pelo Idea Big Data e citadas no livro dão uma ideia do tamanho do ódio na eleição.

Um eleitor do Rio de Janeiro, de 35 anos e da classe D disse numa dessas pesquisas: “Dia de campanha devia ser 1o de abril, o dia da mentira”. Uma de Pernambuco, de 45 anos, da classe C: “A política é suja. Não deveria nem existir.” Um de Minas, de 28 anos, da classe C: “Esse ano eu vou dar o troco neles. Vou anular tudo os meus votos, menos o de presidente. É Bolsonaro na cabeça”.

O risco de um governo autoritário reside aí, conforme o livro, ao citar a visão do historiador inglês Eric Hobsbawn, já falecido, sobre o avanço da extrema-direita após a I Guerra Mundial, fenômeno que levaria ao fascismo italiano, ao nazismo alemão e à II Guerra Mundial.

“As pessoas de classe média escolhiam sua política de acordo com os seus temores”, escreveu Hobsbawn em “A Era dos Extremos”. “As condições ideais para o triunfo da ultradireita alucinada eram um Estado velho, com seus mecanismos dirigentes não mais funcionando, uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não mais sabendo a quem ser leais.”

O ex-capitão soube cativar os indignados apesar de o noticiário e os adversários políticos venderem ao eleitorado uma outra imagem dele. É como se ele tivesse usado um “apito de cachorro”, que não é ouvido pelos humanos. Seus apoiadores ouviam e entendiam o que dizia.

Agora que Bolsonaro está no governo, diz Mauricio Moura, a estratégia do “apito do cachorro” pode não funcionar, pois campanha é uma coisa, tocar o País, outra. “Ajudou a ampliar o número de apoiadores na campanha, mas no governo essa atitude é excludente”, afirma.

Não é à toa que a popularidade do presidente estava em 32% em junho, conforme a última pesquisa Ibope, queda de 17 pontos desde janeiro. E que a desaprovação subiu de 11% para 32% nesse mesmo período.

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