Política

Intercept: “Jornalista que vaza não comete crime”, defendia Dallagnol

Novas mensagens mostram que Dallagnol era defensor da publicação de materiais obtidos via ilegais se beneficiavam a Lava-Jato

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

O site The Intercept soltou neste sábado 22, via newsletter, novos trechos de mensagens trocadas pelos integrantes da Força-Tarefa da Lava-Jato. Segundo o veículo, a publicação é uma resposta à tentativa de criminalizar o jornalismo e a atuação do veículo, que vem sendo associado a grupos de hackers criminosos por apoiadores da operação e pelo próprio ministro da Justiça, Sérgio Moro.

“Hoje, nós decidimos publicar na nossa newsletter alguns trechos inéditos do arquivo da #VazaJato para mostrar como, antes de serem alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a democracia”, cita o veículo em um trecho da newsletter.

O veículo afirma que o coordenador da força tarefa Deltan Dallagnol era um dos maiores entusiastas dessas publicações. “O apreço de Deltan pela liberdade de imprensa se deve, possivelmente, ao fato de que a Lava Jato se valeu, por anos, de vazamentos de trechos de delações premiadas e outros materiais confidenciais contidos nos autos das investigações como ferramenta de pressão contra políticos e empresários alvos da força-tarefa”.

|

O site revela uma conversa de novembro de 2015, num chat chamado PF-MPF Lava Jato 2. Os procuradores discutiam medidas para coibir vazamentos de informações da força-tarefa – “alguns vazamentos tem sido muito prejudiciais”. Deltan foi um dos alertar aos colegas que utilizar o poder processual para investigar jornalistas que tenham publicado material vazado não seria apenas difícil mas “praticamente impossível”, porque “jornalista que vaza não comete crime”.

O The Intercept recorreu à  decisão judicial da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região para mostrar que Deltan estava certo. “O jornalista que divulga trechos de investigação policial que corre em sigilo não comete nenhum crime.” A decisão diz ainda que “Não se trata, por certo, de pretender punir a pena e a boca que, no exercício de nobre profissão, revelam, mas a mão de quem, detentor de dever de preservação do sigilo de informações, a usa para reduzir a nada a autoridade da decisão judicial e as garantias constitucionais.” Ou seja: cometem crime os funcionários públicos que vazam informações que deveriam eles mesmos proteger – policiais, procuradores, juízes… – e não os jornalistas que as publicam”.

O veículo também publicou trechos de uma outra conversa tida em um chat do Telegram entre Deltan e os procuradores, há cerca de um ano atrás. Os integrantes debatiam a proteção de um dos procuradores que estava sendo ameaçado de punição por ter publicado um artigo com duras críticas à Justiça Eleitoral. À época, Deltan e seu time chegaram a redigir e a publicar um manifesto em defesa das virtudes da liberdade de expressão.

Deltan escreveu na conversa: “Autoridades Públicas estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor do que o cidadão que não é pessoa pública.” Ponto sobre o qual o Intercept concentra a sua crítica. “O argumento de Deltan é precisamente correto – ainda que para o procurador ele deixe de valer quando a autoridade pública em questão é ele próprio”.

“Cidadãos privados têm direito à privacidade absoluta. Mas aquelas pessoas que detém o poder  – como juizes, procuradores e ministros –  “estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor.” Esse é um princípio no qual acreditamos enfaticamente e que vem norteando nossa reportagem desde que começamos a trabalhar nesse arquivo”, se defende o veículo.

O site também se remete ao caso envolvendo o ex-presidente Lula em 2016. Na época, Deltan apoiou a decisão do então juiz Sérgio Moro de publicar as gravações telefônicas do ex-presidente Lula. “Em defesa do então juiz, Deltan argumentou corretamente que o direito à privacidade das autoridades não se sobrepõe ao interesse do público de saber o que aqueles que detém o poder fazem e dizem em situações privadas – isso que ele estava defendendo um juiz que divulgou um grampo ilegal, algo muito mais sério do que a atitude de whistleblowers”.

O veículo ainda afirma que, antes da publicação da série de reportagens envolvendo o vazamento das mensagens entre os integrantes da Lava-Jato, outros membros compartilhavam do entusiasmo de Deltan pelo vazamento de documentos governamentais secretos que expõem o comportamento das autoridades. “Os procuradores expressaram também sua admiração pelos whistleblowers, como Daniel Ellsberg e Edward Snowden, que tornam públicos documentos secretos comprovando irregularidades ou corrupção por parte das autoridades”.

Em outra conversa publicada pelo site, de janeiro de 2017, os procuradores lamentavam o fato do Brasil ter perdido posições no ranking de percepção da corrupção publicado pela Transparência Internacional, e expressaram admiração pela Dinamarca, que lidera o ranking. Após publicar um link para o ranking num chat no Telegram chamado “BD”, a procuradora Monique Chequer (que não pertence à Lava Jato em Curitiba) explicou que o sucesso dos esforços de combate a corrupção na Dinamarca se devem porque o país – ao contrário do Brasil – valoriza e protege as fontes que expõe corrupção (os whistle-blowers).

O The Intercept coloca que, na Dinamarca, a mídia tem um papel fundamental no sistema de integridade e é muitas vezes chamada de ‘o quarto poder do estado’, com o papel de fiscalizar os outros três, garantindo que eles se comportem da forma correta.

“Nós concordamos em absoluto com os princípios defendidos, em ambientes privados no Telegram, por Deltan e seus colegas: jornalistas não cometem crimes ao apurar e publicar reportagens baseadas em informações obtidas ilegalmente, mas sim contribuem para o fortalecimento das instituições e da cultura democrática; aqueles que detêm poder público sacrificam sua privacidade em nome da transparência; e a ação dos whistleblowers (o vazamento ilegal de informações demonstrando corrupção por parte de autoridades) é de importância vital para o bom funcionamento das instituições. São esses os princípios que norteiam o trabalho do Intercept e nossas reportagens”, declarou o veículo.

Que emendou: “Não importa o que Deltan, Moro e seus colegas digam sobre isso hoje. Eles estão apenas virando a mesa para defender seus próprios interesses. Isso não anula ou diminui a validade dos princípios fundamentais nos quais acreditamos – os mesmo que eles, hoje, querem destruir.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.