Política

Glenn Greenwald e Globo: um duelo no escândalo da Lava Jato

A força-tarefa está no meio do embate entre o jornalista independente que revelou o escândalo e a maior empresa de comunicação do Brasil

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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A mais recente polêmica envolvendo a divulgação de trechos de conversas privadas entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, entre eles Deltan Dallagnol, pelo site The Intercept Brasil, deu início a um duelo entre o jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do site, e a Rede Globo.

Em entrevista concedida à Agência Pública de Jornalismo Investigativo publicada na terça-feira 11, o jornalista, coautor das reportagens do site, comenta a reação dos envolvidos e critica a cobertura da imprensa sobre a Lava Jato. “Quando a grande mídia transforma Moro e a força-tarefa em deuses ou super-heróis, se torna inevitável o que aconteceu. Os jornalistas pararam de investigar e questionar a Lava Jato e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando e ajudando”, declarou Greenwald.

O jornalista condenou a postura da Globo após a repercussão do caso e alegou que o grupo foi uma exceção dentre os veículos de imprensa. Ele cita que até o Estadão, em sua análise um dos maiores fãs do ex-juiz e atual ministro da Justiça, publicou um editorial falando sobre a renúncia de Moro e o afastamento de Dallagnol.

“A única exceção é a Globo, mas essa é uma exceção enorme por causa do poder do Jornal Nacional, que está quase tratando a história somente como um crime — e o único crime que interessa é o da nossa fonte, que eles acham que ela cometeu. Eles não têm quase nenhum interesse nas gravações e no comportamento do Moro, do Deltan. Eles estão falando sobre o comportamento da fonte e, na realidade, eles não sabem nada. Mas é interessante por que isso é comportamento de governo”, declarou em outro trecho da entrevista.

O jornalista afirma que a Globo é parceira da Lava Jato e que isso justifica a estratégia adotada pelos veículos de comunicação do grupo. “Quando você denuncia ações de corruptos ou trata de problemas sobre o governo, ele sempre tenta distrair falando somente sobre quem revelou essa corrupção, quem divulgou esses crimes para criminalizar pessoas, jornalistas ou fontes que revelaram o material. Essa estratégia, não dos jornalistas, é o que a Globo está usando. Porque a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras. E os documentos mostram isso, né? Não é só eu que estou falando isso por causa da Globo. Os documentos mostram como Moro e Deltan estão trabalhando juntos com a Globo e nós vamos reportar, então eu sei disso já e a reportagem está mostrando. Mas o resto da grande mídia está tratando a história com a gravidade que merece. É impossível para todo mundo que está lendo esse material defender o que Moro fez. Impossível!”.

O jornalista também criticou a emissora em posts feitos em sua conta no Twitter:


Embora não faça uma afirmação categórica sobre a participação aparente do grupo nos materiais que ainda não foram divulgados pelo The Intercept Brasil, Greenwald crava que a “Globo é aliada, amiga, parceira e sócia da força-tarefa da Lava Jato”.

A resposta da Globo

As declarações do jornalista foram prontamente rebatidas pela Globo, que se posicionou via nota no dia seguinte à publicação da entrevista com Glenn Greenwald pela Pública, na quarta-feira 12. No texto, a emissora fala de parceria feita entre o grupo e o jornalista em outras coberturas jornalísticas e, sobre o caso específico da Lava Jato, declara que o jornalista demonstrou interesse inicial de dividir as informações de furo jornalístico com a emissora e que foi feito um encontro nesse sentido (veja a nota na íntegra encaminhada à Pública).

“Segue esclarecimento da Comunicação da Globo sobre a entrevista de Glenn Greenwald, publicada por seu veículo.

Glenn Greenwald procurou a Globo por e-mail no último dia 29 de maio para propor uma nova parceria de trabalho. Em 2013, a emissora já havia dividido com ele o trabalho sobre os documentos secretos da NSA referentes ao Brasil. Uma parceria que mereceu elogios dele pela forma como foi conduzido o trabalho.

Greenwald ficou ainda mais agradecido por um gesto da Globo. Nas reportagens que a emissora divulgou, em algumas frações de segundo era possível ver nomes de funcionários da agência americana, que não trabalhavam em campo, mas em escritório. Mesmo assim, tal exposição poderia levá-lo a responder a um processo em seu país natal, os Estados Unidos. A Globo, então, assumiu sozinha a culpa, declarando que, durante a realização da reportagem, Greenwald se preocupava sobremaneira com a segurança de seus compatriotas. Tal atitude o livrou de qualquer risco.

Ao e-mail do dia 29 de maio seguiram-se alguns telefonemas na tentativa de conciliar agendas (ele estava viajando) para um encontro, finalmente marcado. Ele ocorreu na redação do Fantástico no dia 5 de junho. Na conversa, insistindo em não revelar o tema, ele disse que tinha uma grande “bomba a explodir” e repetiu que queria voltar a dividir o trabalho com a Globo, pelo seu profissionalismo. Mas, antes, gostaria de saber se a emissora tinha algo contra ele, sem especificar claramente os motivos da pergunta, apenas dizendo que falara mal da Globo em algumas ocasiões. Provavelmente se referia a um artigo que seu marido, o deputado David Miranda, do PSOL, tinha publicado no Guardian com mentiras em relação à cobertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O artigo foi rebatido por João Roberto Marinho, presidente do Conselho Editorial do Grupo Globo, fato que deu origem a comentários desairosos do próprio Greenwald.

Na conversa de 5 de junho, ele afirmou que “tudo estava no passado”. Prontamente, ouviu que jamais houve restrição (de fato, David Miranda já foi inclusive convidado para entrevista em programa da GloboNews). Greenwald ouviu também, com insistência, por três vezes, que a Globo só poderia aceitar a parceria se soubesse antes o conteúdo da tal “bomba” e sua origem, procedimento óbvio. Greenwald se despediu depois de ouvir essa ponderação.”

Glenn Greenwald rebate a emissora

O jornalista voltou a se posicionar diante da nota divulgada pela emissora. Em um texto divulgado em suas redes sociais, o jornalista alega que o texto publicado contém acusações e falsidades sobre ele. “O objetivo é claro e é o mesmo que aparece em toda a cobertura da Globo sobre esse assunto: distrair a atenção da substância das reportagens que expõe sérios desvios na conduta de Moro, Deltan e a força-tarefa da Lava Jato. Não ajudarei nesse esforço”, escreveu.

O jornalista reconhece que atuou junto a jornalistas da emissora na cobertura do Caso Snowden, mas não amacia para a emissora. “Mantenho, entretanto, minhas críticas às decisões corporativas da empresa e ao que considero que sejam os efeitos negativos da influência da Globo no País (obviamente incluindo o apoio dela à ditadura militar, para o qual pediram desculpas apenas em 2013, quando forçados a fazê-lo, mas que ainda é responsável pelos bilhões de reais em riqueza desfrutados pela família Marinho, mas muito mais danos além disso. Incluo agora entre minhas críticas a cobertura que tem feito da #VazaJato, e o que ser um esforço para diminuir sua repercussão e proteger o ministro Moro e a força-tarefa Lava Jato”, declara em outro trecho do texto.

O jornal O Globo criticou o site The Intercept Brasil em artigo de opinião publicado nesta quinta-feira 13 pelo jornalista Carlos Alberto Sardenberg. No texto chamado “Há uma campanha aberta contra a Lava Jato”, o autor declara que “o pessoal do site Intercept não faz jornalismo. É pura militância”.

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