Política

Freixo: “Precisamos olhar para a polícia enquanto classe trabalhadora”

Deputado estadual do PSOL do Rio de Janeiro apoia adesão de policiais ao partido para debater uma “perspectiva de segurança pela esquerda”

"O Rio não precisa de sensação de segurança. O Rio precisa de uma política de segurança pública"
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A fim de aproximar a polícia do debate de um modelo de segurança pela esquerda, o deputado estadual Marcelo Freixo (RJ) está apoiando a adesão de um grupo de policiais progressistas ao seu partido, o PSOL. A filiação dos agentes, que fazem parte de uma organização autointitulada “Policiais Antifascismo”, deve ser concretizada em setembro.

“No Rio de Janeiro, que vive uma situação muito singular da violência em 2017, já são mais de 90 policiais mortos e uma média de três pessoas mortas por dia pela polícia”, afirma Freixo. “É muito importante aproximar a polícia do debate sobre a garantia dos direitos humanos, a começar pelos direitos da própria corporação e por entender que os policiais têm de ser garantidores de direitos.”

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Em entrevista a CartaCapital, o deputado faz uma crítica à esquerda, que “nunca se aproximou” do debate sobre segurança. Ele afirma ainda que, em um momento de grave crise, o avanço do pensamento conservador encontra ressonância nas instituições. “Isso tem apelo junto às forças militares, porque traz um debate muito calcado na ideia da segurança pública como instrumento da ordem, que se alimenta do medo e da intolerância e criminaliza os setores pobres.”

CartaCapital: Como surgiu a ideia da filiação do grupo de policiais ao PSOL? O senhor teve participação?
Marcelo Freixo: Existe um trabalho sendo feito há muitos anos na Comissão de Direitos Humanos [da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] para mostrar que o debate de direitos humanos é também um debate de segurança pública. Nós não podemos permitir que o senso comum cristalize a ideia de que os direitos humanos são contra os agentes da segurança. É uma luta pedagógica que a gente precisa vencer.

No Rio de Janeiro, que vive uma situação muito singular da violência em 2017, por exemplo, já são mais de 90 policiais mortos e uma média de três pessoas mortas por dia pela polícia. Em lugar nenhum do mundo existe isso.

Então há três anos a gente vem fazendo um trabalho de atendimento aos familiares de policiais vítimas de violência, porque é muito importante aproximar a polícia do debate sobre a garantia dos direitos humanos, a começar pelos direitos da própria corporação e por entender que os policiais tem de ser garantidores de direitos.

Esse é um instrumento de enfrentamento da lógica da guerra, porque a lógica é a do pobre matando pobre. Isso faz das favelas o território do conflito, da eliminação de direitos. Uma tragédia social. Então essa aproximação com vários setores da polícia já vem de longa data, e existem setores progressistas na polícia.

Nós sempre nos posicionamos de forma favorável às reivindicações dos policias enquanto categoria do funcionalismo público, e recentemente fomos procurados por um grupo da Polícia Civil. Essa crise do funcionalismo também nos aproximou, e esse grupo já estava reunido nessa pauta antifascista. Então eles nos procuraram querendo se filiar ao PSOL para fazer um debate sobre segurança pública e direitos humanos dentro do partido, o que é ótimo.

CC: Serão quantos filiados?
MF: Não sabemos ainda. Eu fui procurado por um grupo de aproximadamente dez [agentes], mas esse grupo pode crescer. É o começo de um debate dentro de uma categoria fundamental para debater uma perspectiva de segurança pela esquerda.

A esquerda perdeu muito tempo ao não debater segurança pública, sempre deixou essa discussão para a direita. A esquerda entendeu a importância do debate da educação, da terra, da saúde, da questão indígena, mas sempre entendeu que o debate da segurança é um debate autoritário, repressor, mas na verdade não é. Qual é o nosso projeto de segurança pública? Que relação existe entre democracia e segurança? Qual é o modelo de polícia que a esquerda defende? Nós temos que ter respostas para isso.

Precisamos olhar para a polícia enquanto classe trabalhadora e chamá-la para o debate de uma sociedade mais justa. Acho que é um grande avanço essa perspectiva de esquerda no debate com os agentes de segurança.

CC: A ideia é que os policiais lancem candidaturas próprias?
MF: Eu torço para que sim, falei isso para eles. Seria muito bom se o grupo lançasse um candidato a deputado estadual, por exemplo, já que a lógica deles não é federal, é estadual. Seria ótimo se o PSOL tivesse um policial civil candidato a deputado defendendo o programa do partido, defendendo uma perspectiva de segurança pela esquerda.

CC: O senhor disse, no início da entrevista, que o Rio vive uma situação singular da violência. Isso pode ter estimulado a mobilização do grupo?
MF: Não tenha dúvidas. Eu acho que nós vivemos uma situação-limite. Esse debate vem sendo feito há um tempo, é verdade, mas nós chegamos a uma situação-limite, de um desgoverno completo, de violações estruturais dos direitos dos servidores públicos.

Na segurança pública as condições estão precárias. Não tem papel nas delegacias, não tem gasolina. As condições de trabalho estão aviltantes, isso afeta a vida e o bem-estar dessas pessoas. Não há governo, não há perspectiva, é uma crise muito profunda. Então sem dúvida alguma isso contribui para que queiram dar um passo a mais. E é uma bela reação. Uma reação organizada, pensada e com proposta é sempre bom.

CC: Como o senhor avalia o momento atual das polícias?
MF: Desde a época dos integralistas [movimento da década de 1930] que nós não temos no Brasil uma direita orgânica com projeto nacional. Eu não estou falando da direita liberal, que defende o Estado mínimo. Eu estou falando da direita que namora com o fascismo.

É uma direita fascista, que fala em tortura e defende a ditadura civil-militar, que diz que quilombola tem que acabar e fala em extinção das terras indígenas. Não há dúvida de que se trata de fascismo. Não é uma interpretação, é algo exposto.

Isso tem apelo junto às forças militares porque traz um debate muito calcado na ideia da segurança pública como instrumento da ordem, que se alimenta do medo e da intolerância e criminaliza os setores pobres. Então há uma estratégia política de direita.

Mas nem todo agente de segurança pensa assim, nem todo agente de segurança namora com o fascismo. Então tem que haver disputa, e eu acho que a esquerda precisa entender isso. Porque se há algo que o [Donald] Trump nos deixa é que o esdrúxulo não é piada.

CC: Por que a esquerda se distanciou do debate da segurança pública?
MF: Se distanciou, não. A esquerda nunca se aproximou desse debate. Depois do período de ditadura, da luta pelas Diretas e da Constituinte, os setores mais avançados eram aqueles que priorizavam o debate da educação, da saúde. E o mesmo aconteceu de lá para cá, no período de redemocratização. São muito recentes essas pesquisas, mestrados e doutorados com algum perfil de esquerda na área da segurança pública.

Então é por isso que eu acho, e falo como presidente da Comissão de Direitos Humanos, que é muito importante que a militância de direitos humanos assuma também o debate da segurança pública. Não podemos pensar que o debate de segurança pública é um assunto da polícia. Debate segurança pública quem precisa de segurança, ou seja, toda a sociedade.

CC: Como o senhor observa o comportamento da sociedade diante da crise do Rio?
MF: A falência do projeto das UPPs tensionou muito a malha urbana. A guerra pelo domínio territorial do varejo da droga está muito mais tensa e muito mais armada. A polícia está desmotivada, é violenta e é violentada como há anos não se observava.

E nós temos um ex-governador em exercício, que é o Pezão. Não há política pública. É um somatório de coisas, o tecido social está rasgado. Isso alimenta o medo. Quando o medo está tão presente na vida social, a sociedade namora com a intolerância, namora com a permissividade das violações cometidas pelo Estado, e isso, sem dúvida alguma, é um palanque para uma direita fascista. É por isso que a esquerda precisa responder com mais compromisso e competência.

CC: Que análise o senhor faz a respeito do Exército nas ruas?
MF: Você sabe qual foi a primeira vez que eu participei de um debate sobre a presença do Exército nas ruas do Rio de Janeiro? Foi na Eco 92. Então desde 1992 a gente debate o papel do Exército enquanto papel de polícia como algo ineficaz. Nunca, de 1992 para cá, a presença do Exército trouxe qualquer resultado positivo.

A experiência de agora na Maré é uma catástrofe. Foram gastos mais de 500 milhões de reais, e o resultado qual foi? Olhe para a Maré hoje. Se esse dinheiro tivesse sido investido em qualquer outra coisa, o resultado hoje em dia seria muito melhor. Eu estou dando um exemplo absolutamente concreto, material, para mostrar a ineficácia disso. Qualquer investimento nas crianças, na educação ou na saúde traria um resultado muito melhor para a segurança.

O Rio não precisa de sensação de segurança. O que o Rio precisa é de uma política de segurança pública.

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