Política

Flávio Bolsonaro: Quem critica milícia é porque se beneficia do crime

Senador eleito pelo PSL coleciona uma ficha de serviços prestados a policiais que vieram a integrar milícias e seus familiares

Flávio Bolsonaro deixou a Santa Casa aos gritos de “Brasil” e “Primeiro turno”
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Com reportagem de Peu Araújo

O ano era 2008. O então deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL) era autor da PR626/2008, que visava criar a chamada CPI das Milícias. Seu objetivo: investigar a ação dos grupos armados formados por policiais e ex-policiais que já disputavam com traficantes “tradicionais” a hegemonia do poder paralelo nas comunidades pobres do Rio.

Flávio Bolsonaro, aquele mesmo, também era parlamentar na Assembleia, então pelo PSC. O dia da votação em que foi aprovada a já histórica comissão parlamentar de inquérito foi marcado por um discurso do ex-chefe de Fabrício Queiroz.

O agora senador questionou se a CPI teria efeito de melhoria sob a violência do Rio de Janeiro – achava que não!  Sugeriu que “as milícias são consequências do descaso do Estado”, não causa da violência que assola os moradores das favelas. O filho do agora presidente Jair Bolsonaro disse também que as milícias “são consequências do salário de fome que recebe nosso policial”. Por fim, em tom de agradecimento aos valentes milicianos, escudou que tais grupos armados são apenas um caso de segurança privada feito pelos servidores cariocas. Àqueles a que se submete tal serviço, o povo pobre do Rio, não cabe a liberdade de optar ou não por contratá-lo, mas o então deputado, à época, não desceu a este tipo de detalhe.

Não fora a primeira vez , naquele 2008, que Flávio Bolsonaro, este que agora se diz atacado pela imprensa quando lhe acusam de ter contratado familiares de milicianos em seu gabinete, sendo que ele mesmo já explicou que tais contratações foram feitas pelo seu ex-motorista Fabrício Queiroz sem que ele nada soubesse, saíra em defesa dos valorosos policiais que se ocupam da segurança e do achaque de cidadãos miseráveis do Rio de Janeiro.

O ano era 2007. Em entrevista a um portal de internet, o então deputado fluminense, que havia acabado de integrar a Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), explicou a qual tipo de direitos humanos era ele tributário.  “Direitos Humanos não são para todos os humanos! Porque algumas pessoas não podem nem ser chamadas de seres humanos!”, lecionou o parlamentar.

Mas a primeira vez mesmo que o ex-chefe e ex-amigo de churrasco e pescaria de Fabrício Queiroz falou publicamente sobre as patrióticas milícias do Rio de Janeiro ainda não fora aquela vez.

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O ano era o mesmo de 2007, mas alguns meses antes.  Subiu ao púlpito da casa legislativa e não usou de meias palavras para colocar em seu devido lugar os políticos e defensores dos ditos Direitos Humanos (daqueles para todos os humanos), que impunham uma injusta e cruel perseguição aos irretocáveis milicianos do Rio de Janeiro. Consta tudo nos anais da Alerj, documentos públicos à espera dos que tiverem curiosidade de ler. Sim, esclareceu Bolsonaro, o 01, defensores dos Direitos Humanos são contra as milícias porque têm medo delas, morrem de medo delas. Assim falou Flávio:

Eles (defensores de Direitos Humanos) se sentem apavorados com as milícias porque vivem da miséria, da desgraça e da violência nas comunidades. Se não houver morte, bala perdida, violência, eles não terão o que fazer lá

Assim, nos idos de 2007, o primogênito do presidente da República desmascarou os defensores dos Direitos Humanos e, de quebra, explicou porque acredita que as milícias cariocas só fazem bem para as comunidades do Rio. Assim explicou Flávio Bolsonaro porque acredita que os milicianos são uma dávida para todo e qualquer carioca pobre vivente nas favelas.

Foi no mesmo ano de 2007 que o ex-assessor parlamentar e ex-policial militar Fabrício Queiroz convidou a integrar o gabinete de Flávio (sem que o deputado estivesse sabendo, veja bem!) a jovem Daniela da Costa Mendonça Nóbrega, esposa de Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-policial militar, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio), atual principal investigado pela Polícia Civil na “Operação Intocáveis” em razão de sua atuação em grupos milicianos em bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, também passou a integrar o gabinete do deputado, isso já em 2015, mas novamente em uma ação subterrânea de Queiroz, feita às costas de Flávio Bolsonaro, como o agora senador explica, quando se vê obrigado a responder os infundados ataques que a imprensa lhe imputa, sempre com o objetivo de atingir a imagem de seu pai, o presidente, o mito.

Apesar de ter se referido a Adriano Magalhães como “foragido”, Flávio Bolsonaro já o conhece há mais de uma década. Em outubro de 2003, quando o então deputado ainda acreditava que milicianos nada mais eram que heróis sem farda, benfeitores dos pobres do Rio de Janeiro, Flávio prestou solene homenagem a Adriano, que, nas palavras de Flávio, desenvolvia “sua função com dedicação, brilhantismo e galhardia, com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades”.

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Alguns anos depois, em 2014, o ex-capitão do Bope homenageado por Flávio foi expulso da Polícia Militar. Na época, já tinha uma ficha corrida que incluía agressão, extorsão e envolvimento com a máfia de caça-níqueis.

Flávio Bolsonaro e o ex-assessor, ex-amigo, ex-morista e ex-policial Fabrício Queiroz. Ele contratava familiares de milicianos para trabalhar no gabinete do Flávio, mas este não sabia de nada. (Crédito: Reprodução)

Paixão antiga e recorrente

Como se nota, a ligação de Flávio Bolsonaro com milicianos e seus parentes não é aventura passageira em sua vida. Ele já os defendeu dos oportunistas defensores dos Direitos Humanos, já os homenageou no parlamento, já os empregou em seu gabinete. Apenas agora que é senador que não se recorda bem das homenagens que fez, ou então foi levado a fazer, por Queiroz, este ex-amigo.

De qualquer forma, Adriano, o capitão do Bope e empresário dos caça-níqueis, não foi o único miliciano a ser homenageado por Flávio. Ronald Paulo Alves Pereira, major da Polícia Militar e apontado como chefe da milícia da Muzema, ali do lado de Rio das Pedras, onde Queiroz gosta de ir para descansar, recebeu do então deputado Flávio, em março de 2004, uma moção de louvor e congratulações pelos importantes serviços que prestava ao Estado do Rio de Janeiro.

A homenagem de Flávio não foi assim, sem qualquer motivo. Foi em virtude de uma operação ocorrida em 22 de janeiro daquele ano, no Conjunto Esperança, que resultou na morte de três pessoas, ou três vagabundos, a quem não se aplicam os Direitos Humanos.

Um ano antes, em 2003, ocorreu a chacina do Viashow, quando quatro jovens que saíam de uma casa de shows na Baixada Fluminense desapareceram. Três dias depois, foram encontrados mortos a tiros de fuzil. Ronald é um dos quatros policiais militares acusados pela própria polícia de ser um dos autores da chacina.

Este mesmo major Ronald foi preso agora, agorinha, na última quarta-feira, dia 23. É investigado na chamada “Operação Intocáveis”, do Ministério Público do Rio de Janeiro. Por que agora Ronald está sendo investigado? É suspeito de estar envolvido na morte da vereadora Marielle Franco. Mas que ninguém se engane. Flávio Bolsonaro já disse, já explicou novamente: não tem nada a ver com essa história, é coisa da imprensa, que quer atingir, ao acusá-lo, a imagem de seu pai, Jair Bolsonaro, o presidente, o mito.

De um lado, defensores de Direitos Humanos e toda a imprensa. Do outro, Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, as milícias, os policiais foragidos acusados de crimes. Como diz Eduardo Bolsonaro, outro filho do Jair, ex-policial federal, atual deputado federal, “tá na cara quem está mentindo nessa história, pessoal”.

Está mesmo.

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