Política

Entenda o projeto de privatização dos Correios aprovado pela Câmara

O plano elaborado por Paulo Guedes prevê a venda de 100% da estatal – e a versão aprovada pelos deputados vai ao encontro dessa obsessão

Foto: Marcelo Camargo/Agência Camargo
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A Câmara aprovou na tarde desta quinta-feira 5 o projeto de lei que abre caminho para a privatização dos Correios. Após a votação do texto-base, os deputados rejeitaram todos os destaques, ou seja, as propostas de modificação na redação. Agora, o PL segue para o Senado.

Foram 286 votos a favor e 173 contra o PL, relatado pelo deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA). A fim de o governo de Jair Bolsonaro atingir seu objetivo de privatizar a estatal nos primeiros três meses de 2022, a análise do projeto pelo Congresso Nacional tem de ser finalizada nas próximas semanas.

O plano elaborado pelo Ministério da Economia, sob a batuta de Paulo Guedes, prevê a venda de 100% da estatal. A versão aprovada na Câmara vai ao encontro dessa obsessão.

O substitutivo aprovado prevê, entre outros pontos, estabilidade de 18 meses aos servidores, contados a partir do momento da privatização, e um plano de demissão voluntária. Os empregados que aderirem ao PDV terão direito a uma indenização equivalente a 12 meses de remuneração, manutenção do plano de saúde por 12 meses e acesso a um programa de requalificação profissional.

No parecer avalizado pela maioria do plenário, o relator assegura que a empresa que adquirir os Correios terá exclusividade mínima de cinco anos sobre os serviços postais — carta, cartão postal, telegrama e outras correspondências. O contrato de concessão, no entanto, poderá definir um prazo maior.

Conforme o texto aprovado, a regra de reajuste das tarifas do serviço postal universal terá periodicidade e índice “previstos no contrato de concessão, podendo incluir um fator de desconto, inspirado no sistema price-cap, que foi criado na Inglaterra e requer que a taxa de crescimento das tarifas reguladas seja limitado à taxa de variação do índice previsto no contrato de concessão, menos um fator ‘X'”.

O projeto ainda diz que caberá à Anatel “a implementação e fiscalização do novo marco regulatório da área
postal” e prevê a criação de uma “tarifa social”, com o suposto objetivo de garantir o “atendimento dos usuários que não tenham condições econômicas de pagar pelo serviço”. Não há, no entanto, detalhes sobre esse mecanismo.

Os riscos da privatização

O discurso do governo em favor da privatização dos Correios é similar ao das campanhas pela venda da Eletrobras e por reformas recentes aprovadas no Congresso, como a trabalhista: pode diminuir o desemprego, atrair empresários e melhorar a economia. Há uma série de especialistas, contudo, que rechaçam essas teses.

No caso dos Correios, estatal que existe há mais de 350 anos, há a possibilidade de que cidades do interior percam acesso aos serviços postais. Atendê-las seria muito caro e, portanto, pouco interessante para uma empresa privada. Na versão final do texto, Cutrim estabeleceu como diretrizes para o processo de desestatização veto ao fechamento de agências que “garantam a prestação do serviço postal universal em áreas remotas do País”.

Os únicos partidos que orientaram o voto ‘não’ ao projeto de privatização são PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede. Nesta quinta, o PT, que possui a maior bancada da Câmara, divulgou um documento em que apresenta dez razões pelas quais os Correios não deveriam ser privatizados.

São elas:

“1. Os Correios geraram lucro de R$ 1,5 bilhão em 2020

2. As 15 mil unidades dos Correios estão em todos os 5.570 municípios do Brasil

3. Os Correios garantem as menores tarifas do mercado, beneficiando cidadãos, pequenos e médios produtores

4. Os Correios empregam cerca de 100 mil trabalhadores

5. São 4 vezes ganhadores do Oscar dos Correios (World Post & Parcel Awards)

6. Os Correios entregam 15,2 milhões de objetos por dia, com 25 mil veículos, 1500 linhas terrestres e 11 linhas aéreas operando

7. 97% das entregas são feitas dentro do prazo

8. Os Correios favorecem a inclusão bancária da população, especialmente nas 2 mil cidades que não contam com agências bancárias. O Banco Postal permite a realização de pagamentos, saques e depósitos.

9. Os Correios entregam 197 milhões de livros didáticos nas escolas públicas dos 5.570 municípios. Além disso, a logística dos Correios possibilita a realização do Enem, entregando as provas em 15 mil locais no prazo de 3 horas

10. As demais privatizações realizadas no Brasil nos ensinam que privatizar vai encarecer os preços e provocar apagão postal, principalmente no interior”.

Diante da privatização iminente, servidores públicos prometem uma paralisação geral para o dia 18 de agosto como forma de protesto. Em nota divulgada na última segunda-feira 2, a Associação dos Profissionais dos Correios argumenta que “o projeto vai na contramão do restante do mundo, pois nenhum dos 20 maiores países do mundo em território possuem correio privado”. A Adcap diz ainda que o nível de universalização e o grau de modicidade tarifária estão em índices bem razoáveis, com taxas inferiores à média mundial.

Segundo a associação, além de inconstitucional, o projeto traz “graves riscos para os cidadãos e empresas brasileiras, que podem se ver mais à frente reféns de um modelo de serviço postal mais oneroso e menos presente que o atual”.

A Adcap é autora de uma representação contra a privatização dos Correios que está sob análise no Supremo Tribunal Federal. Recentemente, no âmbito desse processo, a Procuradoria-Geral da República reconheceu a inconstitucionalidade em parcela da operação de venda, porque a Constituição Federal não permitiria a “prestação indireta” dos serviços postais e do correio aéreo nacional.

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