Política

Em Fux, eles confiam: Lava Jato ganha reforço no Supremo

Operação ganha aliado em posto estratégico em meio ao cerco que sofre de alguns integrantes da Corte

Luiz Fux
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Em 5 de julho de 2019, Luiz Fux, lutador de jiu-jítsu, guitarrista e dono de um implante capilar, discursou ao “mercado” a convite da corretora XP. Uma aparição pública, não o papo secreto de 14 meses antes com a mesma anfitriã, quando era do Tribunal Superior Eleitoral e se aproximava a eleição. “Quero garantir aos senhores que a Lava Jato vai continuar”, disse no fim da palestra. “Essa palavra é de quem, no ano que vem, assume a presidência do Supremo Tribunal Federal. Os senhores podem me cobrar.” Aplausos.

 

Aos 67 anos, o carioca próximo à família Marinho, da Globo, onde relatos dizem que pedido seu é ordem, comanda o Supremo desde a quinta-feira 10. A Lava Jato, de fato, ganha um aliado em um posto estratégico, em meio ao cerco que sofre de alguns integrantes da corte, como Dias Toffoli, agora ex-presidente, e do procurador-geral da República, Augusto Aras. Este acaba de esticar só até 31 de janeiro o prazo da força-tarefa de Curitiba, não por um ano, como queriam os procuradores. Um dia depois, a força-tarefa voltou às ruas, atrás de provas de fraude em operações cambiais da Petrobras com um banco, de 2008 a 2011.

Mas Fux é sempre a favor de “um novo padrão ético e moral”, como afirmou na XP? Ou depende? Seis meses antes da palestra, o Supremo estava de férias e ele era o plantonista. Flávio Bolsonaro, então senador eleito, pediu foro privilegiado no tribunal no caso das “rachadinhas”, que viera à tona em dezembro de 2018. Em 16 de janeiro de 2019, Fux brecou, via liminar, as apurações contra o filho de Jair Bolsonaro. A corte reabriu duas semanas depois e o juiz do caso, Marco Aurélio Mello, cassou a liminar. Argumentou que foro especial acabou. E que não se julga de olho na “capa” do processo, ou seja, no nome das partes.

Rodrigo e Marianna são os nomes dos filhos de Fux. Advogado, o primeiro entrara no Supremo, em dezembro de 2018, com uma ação para o Conapra, Conselho Nacional de Praticagem, aquela atividade de “motorista” que estaciona navios em portos e cobra fortunas pelo serviço. A entidade queria deter tentativas de controle de preços. Um decreto presidencial de 2012 abria brecha para tanto. Em novembro de 2018, o Conapra levara alguns juízes de tribunais superiores a um hotel de luxo em Búzios, litoral do Rio e Janeiro, a pretexto de um seminário. Uma tentativa de obter boa vontade contra o decreto. Entre os vips estava Fux.

Na eleição de outubro, empresários do ramo tinham dado grana ao então candidato Flávio Bolsonaro. Moacyr Moreira Bezerra, do conselho fiscal da Federação dos Práticos, doou 55 mil. Gustavo Martins, então presidente do Conapra e hoje da Federação, repassou 10 mil. Evandro Abi Saab e Dhyogo Scholz dos Santos, sócios da Praticagem da Barra do Pará, 10 mil cada um.

Marianna é juíza do Tribunal de Justiça do Rio desde março de 2016, graças ao pai. Antes, era advogada e fizera amizade com Gustavo Bebbiano, um dos chefes da campanha de Bolsonaro e o primeiro secretário-geral da Presidência do ex-capitão. Os dois haviam se conhecido ao trabalhar em uma das maiores bancas do País, a de Sergio Bermudes. Na casa deste, Fux, filho de um imigrante judeu romeno fugido do nazismo, celebrou certa vez um casamento cristão. O de um empresário, Paulo Marinho, suplente de Flávio no Senado.

Marinho virou inimigo do clã Bolsonaro, Bebbiano morreu em março passado, o decreto de 2012 sobre o preço da praticagem foi extinto numa canetada presidencial de janeiro de 2019 que aboliu vários conselhos e comissões federais. Por essa razão, a ação de Rodrigo para o Conapra foi arquivada cinco meses depois no Supremo. Mas, quando Fux socorreu o “zero um” com foro privilegiado, o quadro era outro. O de ação entre amigos, digamos assim.

Camaradagens à parte, as ideias de Fux sugerem que Bolsonaro não deve esperar dele a mesma boa vontade de Toffoli, embora este tenha ajudado a acuar o ex-capitão com o inquérito das milícias digitais. Ao fazer um balanço de sua gestão à frente do Supremo no dia 4, Toffoli afirmou: “De todo relacionamento que tive com o presidente Jair Bolsonaro e com seus ministros de Estado, nunca vi da parte deles nenhuma atitude contra a democracia”. E as marchas bolsonaristas de 26 de maio de 2019, apoiadas pelo presidente, favoráveis a fechar o Supremo e o Congresso? Repetidas no último dia 15 de março, embora esvaziadas pela pandemia?

Em outubro de 2018, após assumir o comando do STF, Toffoli comentara: “Não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”. Em maio passado, liberou o Ministério da Defesa para republicar um texto pró-golpe de 1964. No dia 7 de setembro, almoçou com Bolsonaro na casa de um almirante, Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos. Na quarta-feira 9, na sessão de despedida da chefia do tribunal, recebeu uma “visita-surpresa” do ex-capitão.

Bolsonaro e Toffoli Bolsonaro, agradecido, fez uma visita ao STF na despedida de Toffoli. Foto: ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/ALEAM E G. DETTMAR/CNJ

O artigo 142 da Constituição abençoa um golpe militar, como pregam bolsonaristas radicais, a começar por Jair? O PDT questionou o Supremo em junho. A ação caiu com Fux, que anotou em despacho: não há respaldo constitucional para intervenção das Forças Armadas nos poderes. Uma das prioridades do novo presidente da corte também o oporá a Bolsonaro. “Um dos nossos eixos de atuação será também o cuidado com o meio ambiente”, declarou no dia 2, em um debate na web com a Conferência Israelita Paulista. O governo, como se sabe, não liga para a natureza, vide queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Quem terá a boa vontade de Fux é Paulo Guedes, ministro da Economia. O togado é um neoliberal. Deve ser obra do currículo. Dos 23 aos 25 anos, foi advogado da Shell e até recebeu da petroleira a proposta de ir trabalhar em Londres. Na palestra de julho de 2019 na XP, defendeu a reforma trabalhista, que “a reforma da Previdência tem de passar” e concluiu: “O Brasil vai crescer muito depois das privatizações, das reformas, da abertura do mercado de gás, dessa junção Mercosul-União Europeia”. Por que magistrado palpita sobre política econômica? 

Dito liberal na economia, o ministro também ampara as ideias de Paulo Guedes 

É a Lava Jato quem mais ganha, no entanto, com o novo presidente do Supremo. Em 22 de abril de 2016, Deltan Dallagnol papeou com Fux e relatou, em mensagem de celular, a Sérgio Moro, o juiz da operação na época. “(Fux) Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me para ir à casa dele.” Resposta morista: “Excelente. In Fux we trust (Em Fux nós confiamos)”. A troca de mensagens foi revelada pelo site The Intercept.

Dallagnol pode confiar em Fux. Fora da chefia da força-tarefa de Curitiba desde o dia 1o, foi punido, na terça-feira 8, com uma “censura” do Conselho Nacional do Ministério Público, o vigia de procurador. Motivo: minar, na web, a candidatura de Renan Calheiros a presidente do Senado em 2019. Havia antes sido punido pelo conselho com advertência, por dizer que o STF passou a ideia de leniência com a corrupção, ao proibir prisão em segunda instância. Em agosto, requereu à corte que impedisse o conselho de usar a advertência, quando fosse julgá-lo. As punições ali levam em conta o CV. O pedido foi a Fux, e este atendeu. Como atendeu o lavajatismo ao vetar, via liminar de janeiro, a implantação do “juiz de garantias”, lei do Congresso contra togados do tipo Moro.

Fux é sempre por uma ação entre amigos. Com uma liminar dele, todos os 18 mil juízes, holerite médio de 50 mil em 2019, embolsaram 4,3 mil mensais de “auxílio-moradia” de 2014 e 2018. O auxílio só sumiu após o Supremo arrancar do governo um aumento salarial de 33 mil para 39 mil, que puxou os ganhos dos togados em geral. Aliás, na reta final à frente do Conselho Nacional de Justiça, o fiscal de juiz, cargo que se acumula com a presidência do Supremo, Toffoli fez a festa da toga. Decidiu que juiz que acumula varas merece um terço a mais de proventos. E que todos os tribunais têm de comprar 20 dias dos 60 dias de férias de um magistrado, caso este queira vender. Eis o Judiciário mais caro do mundo.

Sob Fux, o STF poderia voltar a julgar as prisões em segunda instância 

Como presidente do STF, Fux tem os instrumentos para respaldar o lavajatismo na prática. Por exemplo, julgar de novo a prisão em segunda instância. Esta foi vetada por 6 votos a 5, em 2019, mas o resultado pode mudar após Bolsonaro indicar dois integrantes da corte. Celso de Mello aposenta-se em novembro e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. Para Fux, como disse na XP em 2019, “um homem não pode entrar no Supremo presumidamente inocente depois de ter sido duplamente condenado com análise dos fatos, da materialidade do delito”. 

Ao fazer o comentário, disse que “o Judiciário deve levar em consideração a opinião da sociedade”. E qual seria essa opinião? A veiculada na Globo do colega de colégio João Roberto Marinho? Com essa visão sobre a voz das ruas, Fux não deverá pautar a descriminalização da posse de drogas, ação de 2011 que começou a ser julgada em 2015 e parou. “Como vai descriminalizar as drogas se a população não aceita?”, disse à Conferência Israelita. E descriminalizar o aborto, ação de 2017? Em um caso específico de uns presos no Rio, votou em novembro de 2016 por soltá-los.

A ver como o guitarrista de topete se sairá.

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