Educação

Dossiê faz radiografia da militarização do governo e das intervenções nas universidades

Escalada autoritária sob o governo de Jair Bolsonaro remonta a ditadura militar, diz Sindicato Nacional dos Docentes

O presidente Jair Bolsonaro, na Academia Militar das Agulhas Negras, em 2019. Foto: Marcos Corrêa/PR
Apoie Siga-nos no

Em quatro anos, o Brasil dobrou as funções públicas ocupadas por militares, aponta dossiê divulgado nesta quarta-feira 31, pelo Sindicato Nacional dos Docentes, o Andes, com base em cálculos de órgãos estatais. Mapeamento da entidade relata aumento da presença dos militares na saúde, nas políticas socioambientais e na educação durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. O documento também reúne os dados recentes das intervenções do Executivo nas eleições para reitores das instituições federais de ensino superior.

 

Com oito ministérios controlados por militares entre 2019 e 2021, entre os 22 no total, o governo Bolsonaro aumentou em 108,22% o número de militares da ativa e da reserva que exercem cargos no serviço público civil, em relação a 2016. Levantamento do Tribunal de Contas da União reportado pelo Andes mostra que o índice saltou de 2.957, em 2016, para 6.157, em 2020. Esses militares estão atuando em cargos comissionados, por contratos temporários, e acumulando funções em diferentes setores.

Na saúde, almirantes, coronéis, majores, capitães e tenentes, entre outros, entraram em cargos estratégicos durante a gestão de Eduardo Pazuello, em áreas como logística, planejamento, contabilidade, execução orçamentária, monitoramento do Sistema Único de Saúde, assuntos administrativos e atenção à saúde indígena.

Na área socioambiental, foram 99 militares contabilizados em cargos comissionados, em nove órgãos federais. Quase metade vem do Exército. A Fundação Nacional do Índio é o órgão que mais concentra militares, com um terço dos vínculos identificados (33). Na sequência, são 19 militares no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e 17 no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

O Andes também aponta para a militarização da Petrobras, com o anúncio do general Joaquim Silva e Luna para a presidência e a ocupação de cargos do Conselho de Administração por dois oficiais da Marinha. Além disso, há dois militares membros do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

“Nesse quadro político, a escalada autoritária do governo Bolsonaro conduz, portanto, a uma nova fase da contrarreforma do Estado, realizando a militarização do primeiro escalão de estatais, órgãos estratégicos de governo e das áreas da Saúde e Socioambiental”, diz o relatório.

Intervenção sistemática na educação

A “escalada autoritária” também incide na educação básica e apresenta particularidades na educação superior, diz o Andes. O Ministério da Educação regulamentou, em 2019, a consolidação do modelo de Escola Cívico-Militar nos estados, municípios e no Distrito Federal, em que previu a instalação de 216 instituições durante o governo Bolsonaro.

Em parceria com o Ministério da Defesa, o MEC tem autorização para contratar militares inativos das Forças Armadas mediante “Prestação de Tarefa por Tempo Certo”. Suas funções são “didático-pedagógicas”, com atividades de supervisão escolar; “educacional”, para “fortalecer valores humanos, éticos e morais” na escola; e “administrativa”, para assessorar a organização da escola.

O governo autorizou a presença de militares em 53 escolas de 21 estados.

No ensino superior, reitores eleitos não receberam a nomeação pelo presidente da República e são substituídos por servidores que não venceram ou não participaram do pleito. O Andes contabilizou 24 instituições federais entre 2019 e 2021, com contagem até fevereiro. As nomeações já foram revertidas no Instituto Federal do Rio Grande do Norte e no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ). Restaram 22 universidades federais:

  • de Sergipe (UFS);
  • da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (Unilab);
  • do Vale do São Francisco (Univasf);
  • da Grande Dourados (UFGD);
  • do Estado do Rio de Janeiro (Unirio);
  • do Espírito Santo (Ufes);
  • do Triângulo Mineiro (UFTM);
  • de Itajubá (Unifei);
  • do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa);
  • do Rio Grande do Sul (UFGRS);
  • da Fronteira Sul (UFFS);
  • do Recôncavo da Bahia (UFRB);
  • do Ceará (UFC);
  • Rural do Semi-Árido (Ufersa);
  • dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM);
  • da Paraíba (UFPB);
  • do Piauí (UFPI);
  • de Pelotas (Ufpel);
  • de São Carlos (UFSCar);
  • de Campina Grande (UFCG).

“Tais nomeações demonstram, notoriamente, como a devastação autoritária está sendo conduzida pelo governo Bolsonaro por ações de silenciamento das vozes consideradas dissonantes e pela indicação dos representantes do projeto ultraconservador de educação nas instâncias político-pedagógicas das instituições públicas de ensino, lócus de produção do conhecimento crítico e criativo”, diz o dossiê do Andes.

Entre as tarefas para enfrentar o autoritarismo nos setores essenciais do Estado, o Andes reivindica a centralidade da luta contra a militarização das políticas públicas. A entidade critica a “naturalização” de uma “vida cotidiana mediada por armas, disciplina punitiva, negação da ciência, perseguição e desvalorização do funcionalismo público” e denuncia o que chama de “tentáculos” da ditadura militar.

“O que vemos hoje, diferente de 1964, não é uma ação de tomada repentina do poder”, afirma o relatório. “É uma sorrateira ação de domínio dos principais aparelhos públicos e postos de poder do País e, ao mesmo tempo, a imposição de ‘seguidores’ em locais ainda não permitidos aos militares, como as instituições públicas de ensino superior.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo