Educação
Dossiê faz radiografia da militarização do governo e das intervenções nas universidades
Escalada autoritária sob o governo de Jair Bolsonaro remonta a ditadura militar, diz Sindicato Nacional dos Docentes

Em quatro anos, o Brasil dobrou as funções públicas ocupadas por militares, aponta dossiê divulgado nesta quarta-feira 31, pelo Sindicato Nacional dos Docentes, o Andes, com base em cálculos de órgãos estatais. Mapeamento da entidade relata aumento da presença dos militares na saúde, nas políticas socioambientais e na educação durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. O documento também reúne os dados recentes das intervenções do Executivo nas eleições para reitores das instituições federais de ensino superior.
Com oito ministérios controlados por militares entre 2019 e 2021, entre os 22 no total, o governo Bolsonaro aumentou em 108,22% o número de militares da ativa e da reserva que exercem cargos no serviço público civil, em relação a 2016. Levantamento do Tribunal de Contas da União reportado pelo Andes mostra que o índice saltou de 2.957, em 2016, para 6.157, em 2020. Esses militares estão atuando em cargos comissionados, por contratos temporários, e acumulando funções em diferentes setores.
Na saúde, almirantes, coronéis, majores, capitães e tenentes, entre outros, entraram em cargos estratégicos durante a gestão de Eduardo Pazuello, em áreas como logística, planejamento, contabilidade, execução orçamentária, monitoramento do Sistema Único de Saúde, assuntos administrativos e atenção à saúde indígena.
Na área socioambiental, foram 99 militares contabilizados em cargos comissionados, em nove órgãos federais. Quase metade vem do Exército. A Fundação Nacional do Índio é o órgão que mais concentra militares, com um terço dos vínculos identificados (33). Na sequência, são 19 militares no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e 17 no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
O Andes também aponta para a militarização da Petrobras, com o anúncio do general Joaquim Silva e Luna para a presidência e a ocupação de cargos do Conselho de Administração por dois oficiais da Marinha. Além disso, há dois militares membros do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
“Nesse quadro político, a escalada autoritária do governo Bolsonaro conduz, portanto, a uma nova fase da contrarreforma do Estado, realizando a militarização do primeiro escalão de estatais, órgãos estratégicos de governo e das áreas da Saúde e Socioambiental”, diz o relatório.
Intervenção sistemática na educação
A “escalada autoritária” também incide na educação básica e apresenta particularidades na educação superior, diz o Andes. O Ministério da Educação regulamentou, em 2019, a consolidação do modelo de Escola Cívico-Militar nos estados, municípios e no Distrito Federal, em que previu a instalação de 216 instituições durante o governo Bolsonaro.
Em parceria com o Ministério da Defesa, o MEC tem autorização para contratar militares inativos das Forças Armadas mediante “Prestação de Tarefa por Tempo Certo”. Suas funções são “didático-pedagógicas”, com atividades de supervisão escolar; “educacional”, para “fortalecer valores humanos, éticos e morais” na escola; e “administrativa”, para assessorar a organização da escola.
O governo autorizou a presença de militares em 53 escolas de 21 estados.
No ensino superior, reitores eleitos não receberam a nomeação pelo presidente da República e são substituídos por servidores que não venceram ou não participaram do pleito. O Andes contabilizou 24 instituições federais entre 2019 e 2021, com contagem até fevereiro. As nomeações já foram revertidas no Instituto Federal do Rio Grande do Norte e no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ). Restaram 22 universidades federais:
- de Sergipe (UFS);
- da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (Unilab);
- do Vale do São Francisco (Univasf);
- da Grande Dourados (UFGD);
- do Estado do Rio de Janeiro (Unirio);
- do Espírito Santo (Ufes);
- do Triângulo Mineiro (UFTM);
- de Itajubá (Unifei);
- do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa);
- do Rio Grande do Sul (UFGRS);
- da Fronteira Sul (UFFS);
- do Recôncavo da Bahia (UFRB);
- do Ceará (UFC);
- Rural do Semi-Árido (Ufersa);
- dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM);
- da Paraíba (UFPB);
- do Piauí (UFPI);
- de Pelotas (Ufpel);
- de São Carlos (UFSCar);
- de Campina Grande (UFCG).
“Tais nomeações demonstram, notoriamente, como a devastação autoritária está sendo conduzida pelo governo Bolsonaro por ações de silenciamento das vozes consideradas dissonantes e pela indicação dos representantes do projeto ultraconservador de educação nas instâncias político-pedagógicas das instituições públicas de ensino, lócus de produção do conhecimento crítico e criativo”, diz o dossiê do Andes.
Entre as tarefas para enfrentar o autoritarismo nos setores essenciais do Estado, o Andes reivindica a centralidade da luta contra a militarização das políticas públicas. A entidade critica a “naturalização” de uma “vida cotidiana mediada por armas, disciplina punitiva, negação da ciência, perseguição e desvalorização do funcionalismo público” e denuncia o que chama de “tentáculos” da ditadura militar.
“O que vemos hoje, diferente de 1964, não é uma ação de tomada repentina do poder”, afirma o relatório. “É uma sorrateira ação de domínio dos principais aparelhos públicos e postos de poder do País e, ao mesmo tempo, a imposição de ‘seguidores’ em locais ainda não permitidos aos militares, como as instituições públicas de ensino superior.”
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.