Política

Documento enviado por Guedes a deputados traz indícios de falsidade ideológica

Eis mais um capítulo da história da offshore do ministro em um paraíso fiscal

Foto: Marcos Corrêa/PR
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O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem um depoimento marcado para esta terça-feira 23 na Comissão de Trabalho da Câmara. Deve oferecer explicações sobre a Dreadnoughts International, sua offshore fincada em um paraíso fiscal. Guedes tem tentado despistar os deputados e fugir dos depoimentos. Em 10 de novembro, deu bolo nesta comissão e na de Fiscalização. Na véspera, dia 9, havia enviado à Câmara documentos com esclarecimentos que julgava suficientes. Nessa papelada, contudo, o ex-ministro pode ter produzido provas contra si por falsidade ideológica.

Um desses papéis era a Declaração Confidencial de Informações (DCI) que deve ser apresentada por todo o alto escalão governamental à Comissão de Ética Pública — Guedes entregou a sua em janeiro de 2019. Repleto de dados patrimoniais, familiares e comerciais, a DCI permite à Comissão de Ética avaliar se, no cargo, a pessoa estará em conflito de interesse.

Em duas perguntas de um questionário que consta na declaração, Guedes marcou ‘NÃO’ quando deveria ter assinalado ‘SIM’. Na primeira, disse não possuir possui cônjuge, companheiro ou parente que atuasse “em área ou matéria afins à competência profissional do cargo” que exerce (o ministro)?”. Também cravou ‘NÃO’ quando perguntado se possuía “sócio ou empregado de pessoa jurídica que atua em área ou matéria afins às atribuições do cargo que ocupa?”

Nas duas questões, o correto seria que o ministro marcasse o X na opção “Sim”. O motivo? Paula Drumond Guedes, sua filha.

O ministro abriu a Dreadnoughts em 2014, com a filha Paula de sócia. Ambos eram também os diretores. Em 21 de dezembro de 2018, às vésperas de assumir o Ministério da Economia, Guedes abriu mão da direção da empresa, conforme consta em outro documento enviado por ele aos deputados. Era uma tentativa de adequar-se ao Código de Conduta da Alta Administração Federal, que proíbe autoridades de possuir negócios que possam lucrar com decisões ou informações privilegiadas. Ou seja, Guedes seguiu dono da empresa, mas diz que não se envolve nela.

Paula é, porém, segue diretora. E, por isso, o pai deveria ter respondido coisa diferente na DCI. “Ele mentiu à Comissão de Ética. É gravíssimo”, afirma o deputado Elias Vaz (PSB-GO), um dos que receberam a papelada do ministro.

O advogado Mauro Menezes, que presidiu a Comissão de Ética Pública de 2016 a 2018, vê indícios de crime de falsidade ideológica. “Ele induziu a Comissão de Ética a erro.” É um ilícito que, pelo artigo 299 do Código Penal, custa de um a cinco anos de cadeia.

Foi sob a gestão de Menezes que surgiram a marcação “sim” e “não”, nas perguntas sobre vínculos familiares e comerciais na DCI. Era comum, recorda ele, que os declarantes deixassem em branco essas questões. Com um “sim” ou “não”, talvez fosse mais fácil obter resposta. E pegar não uma omissão, mas uma mentira.


O advogado vê um agravante no caso de Guedes. Na mesma declaração, o ministro informou que a filha era conselheira de uma organização sem fins lucrativos, a Global Blockchain Business Council, daí que não haveria conflito de interesses com seu trabalho público. E só. Nada sobre Paula ser sua sócia e diretora da firma em paraíso fiscal. Diante dos detalhes da história, teoriza Menezes, é razoável supor que Guedes “quis ocultar a circunstância dele e da filha, quis enganar a Comissão de Ética e agiu com dolo”.

Além de potencial falsidade ideológica, uma eventual tentativa de engambelar a Comissão violaria o artigo 3o do Código de Conduta, que exige “clareza de posições” e “decoro” por parte de autoridades.

E por que o ministro teria se arriscado a falsidades e enganos? Para driblar a Lei de Conflito de Interesses, de 2013. Ser dono de empresa em paraíso fiscal e chefiar a economia brasileira agrediria essa lei, um crime equiparável ao de improbidade, punível com multa, ressarcimento de danos ao erário e proibição de ocupar função pública por 8 anos.

Elias Vaz crê que o Guedes “deixou a filha operando (na offshore)”. Os dois, segue o deputado, “têm conexão natural de pai e filha, ela pode ter recebido informações privilegiadas dele”. Só haveria um modo de dissipar as suspeitas. Examinar as operações da Dreadnoughts desde a posse do ministro. A Comissão de Ética analisou a declaração do “posto Ipiranga” em maio de 2019 e recomendou congelar os negócios da offshore enquanto ele estivesse no governo.

Em 17 de novembro, Vaz e mais três deputados cobraram do procurador-geral da República, Augusto Aras, que requeira um extrato das operações da firma caribenha de janeiro de 2019 em diante. Quando da revelação da offshore de Guedes nos Pandora Papers, obra de um consórcio internacional de jornalistas, o “xerife” abriu averiguações preliminares, ainda em curso, conforme a Procuradoria.

Em outubro, Aras recebeu, dos advogados de Guedes, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, documentos que mostrariam que o ministro não administra a Dreadnoughts desde dezembro de 2018. Papéis similares aos enviados a deputados.

Indagados por CartaCapital, os advogados não responderam sobre a potencial falsidade ideológica do cliente. Em nota, disseram que “não houve qualquer omissão por parte do Ministro da Economia” e que o fato de Paula Guedes ter continuado nos quadros da empresa “se deve a questões meramente burocráticas de representação junto aos gestores e administradores terceirizados, os quais, frise-se são todos empresas não brasileiras”.

Figueiredo e Velloso defenderam o então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) numa acusação de que ele teria recebido propina no exterior em contas controladas por uma empresa offshore na Suíça.

Cunha foi cassado por ter mentido aos deputados sobre ter dinheiro no exterior. E Guedes, resistirá no cargo?

Inicialmente, o centrão governista usou a revelação dos Pandora Papers para encurralar o ministro. Chegou a aprovar, em meados de outubro, sua convocação para depor no plenário da Câmara. O depoimento, porém, nunca foi marcado pelo presidente Arthur Lira (PP-AL) e, agora, o centrão recolheu as armas. Dobrou Guedes e conseguiu que o governo subisse o valor do Auxílio Brasil para 400 reais, além do aval para usar verba de precatórios em emendas parlamentares.

No mercado financeiro, há investidores que ainda perguntam sobre o futuro de Guedes a analistas. A resposta é de que não se deve esperar uma demissão. Se houvesse degola, porém, o governo teria de achar uma solução interna, pois ninguém no “mercado” toparia assumir o cargo. Nem os economistas bolsonaristas.

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