Política

Cria cuervos…

Padrinho de Sergio Moro na política partidária, Álvaro Dias irá enfrentar o antigo aliado nas urnas

Desafetos. “Não tenho mais condições de ser aliado desta gente“, desabafa Dias. “Deixe o eleitor decidir“, rebate Moro - Imagem: Saulo Rolim/Podemos
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Fã de carteirinha da Operação Lava Jato, o senador Álvaro Dias fez de tudo para atrair Sergio Moro ao seu partido, o Podemos. Acreditava que o ex-juiz não teria dificuldades para despontar como o principal nome da “terceira via” na corrida presidencial. As coisas não saíram, porém, como o planejado. Mesmo com os confetes lançados pela mídia amiga, o candidato conseguiu a proeza de regredir, em vez de avançar nas pesquisas de intenção de voto. Acabou escanteado por lideranças do partido, a temer que o magistrado servisse como uma âncora nas disputas estaduais.

Convidado por Luciano Bivar a engrossar as fileiras do União Brasil, fruto da fusão do DEM com o PSL, Moro ainda tentou ressuscitar o projeto presidencial, mas logo levou um chega pra lá de ACM Neto e outros caciques da nova sigla. Convencido a disputar uma vaga no Senado, tentou transferir às pressas seu domicílio eleitoral para São Paulo, apresentando o endereço de um flat alugado no Itaim, abastado bairro da capital paulista. O Tribunal Regional Eleitoral barrou, porém, a manobra fraudulenta, e o ex-juiz viu-se impelido a adaptar os planos e disputar as eleições pelo Paraná. Foi quando Dias deu-se conta de que o afilhado havia se voltado contra ele.

Agora, criador e criatura estão tecnicamente empatados na corrida por uma vaga ao Senado pelo Paraná, mas Moro figura numericamente à frente. Possui 31% das intenções de voto, ante 26% de Dias, segundo a pesquisa Real Time Big Data do fim de julho. Cria cuervos y te sacarán los ojos. O senador paranaense parece ter desdenhado do adágio espanhol.

As trajetórias dos ex-aliados são marcadas por algumas coincidências. Embora não tenham sido contemporâneos, ambos viveram a infância e parte da juventude na mesma cidade, Maringá, interior do Paraná. A família Dias chegou por lá na década de 1940, onde Álvaro cresceu e deu os primeiros passos como radialista. Em 1968, em Londrina, recém-formado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Estadual do Paraná, elegeu-se vereador pelo então MDB. Moro, por sua vez, nasceu em Maringá, onde se graduou em Direito pela mesma instituição de ensino em 1995. Um ano depois, já era juiz federal.

A admiração do senador pelo ex-magistrado sempre foi explícita. Em agosto de 2016, Dias publicou em suas redes sociais uma foto de Moro sendo homenageado pelo Exército, com a entrega da Medalha do Pacificador. “Ele tem se revelado um verdadeiro soldado na luta contra a corrupção e os corruptos no Brasil”, escreveu na ocasião. Em julho de 2017, voltou a tecer loas ao ex-juiz, a quem chamou de “orgulho nacional”. Postou sua fotografia de perfil e anotou uma frase proferida pelo ídolo: “Não importa o quão alto você esteja, a lei está acima de você”. Candidato à Presidência da República nas últimas eleições, quando ficou em 9º lugar, com 0,8% dos votos, Dias prometeu em campanha que nomearia Moro seu “ministro da Justiça”, uma proposta depois cumprida por Jair Bolsonaro.

As pesquisas apontam empate técnico, com o ex-juiz numericamente à frente do senador

Em 2018, foi a vez de Moro livrar o amigo de um imbróglio jurídico na Lava Jato que veio parar em suas mãos. Tratava-se de um inquérito no qual o senador foi mencionado como receptor de propina para aliviar a barra de investigados na CPMI do Carlinhos Cachoeira, acusado de chefiar um esquema de jogos ilegais em Goiás. A denúncia dizia que Dias teria recebido 5 milhões de reais para não levar adiante os requerimentos de quebra de sigilos – acusação negada pelo senador. O processo foi transferido da 6ª Vara Federal de São Paulo para a 13ª Vara Federal de Curitiba, então comandada por Moro. Após três anos, em maio de 2021, o processo foi devolvido. Os procuradores da força-tarefa de Curitiba, à época chefiada por Deltan ­Dallagnol, hoje candidato a deputado federal pelo Podemos, alegaram “que não foi constatada conexão com a operação”.

A grande chance de a criatura e o criador unirem forças seria nestas eleições de 2022. Depois de abandonar a toga e ser enxotado do Ministério da Justiça pelo ex-capitão, a quem apoiou e ajudou eleger, Moro empolgou-se com a ideia de concorrer ao Palácio do Planalto. Acolhido por Dias, foi recepcionado pelo Podemos, em Brasília, com honras de estadista em novembro de 2021. Mas a aliança durou pouco, muito pouco. Em menos de 120 dias, Moro deixou o partido. Justificou a saída pela falta de estrutura partidária e dificuldades financeiras para uma campanha à Presidência. Optou pelo União Brasil, dono da maior fatia do fundo partidário: 782 milhões de reais. Sem apoio para a aventura presidencial e com a mudança de domicílio eleitoral para São Paulo vetada pela Justiça, acabou se colocando como adversário, e não aliado do seu antigo padrinho.

O União Brasil ainda tentou uma reconciliação. Propôs a candidatura de Dias ao governo do Paraná, com Moro a tiracolo para o Senado. Dias não topou. Fontes próximas ao candidato garantem que ele não admite qualquer diálogo com o agora desafeto. A disputa tornou-se pessoal. “Não tenho mais condições de ser aliado desta gente”, disse a correligionários. “Ninguém conseguirá demovê-lo deste embate”, emenda um de seus assessores.

A réplica de Moro veio pelas redes sociais. No Twitter, escreveu que tem “gente da velha política” que só sabe vencer eleições “passando a perna”, no tapetão. “Vamos deixar o eleitor decidir”, provocou. Foi o que bastou para o ex-juiz receber uma saraivada de críticas nos comentários. “O senhor já se olhou no espelho?”, perguntou uma internauta.

Agora, criador e criatura entraram de cabeça no campo de batalha. “É bola dividida, jogo bruto. Ninguém quer amolecer. Da cintura pra baixo, vale tudo”, zomba um deputado, adversário de ambos. Enquanto Dias tenta a quarta reeleição ao Senado, Moro engatinha nos grotões do Paraná. Longe dos gabinetes e sem a toga, o ex-juiz percorre o interior do estado para apertar a mão de eleitores, beijar criancinhas e comer pastel em padarias e botecos. Nem sempre os ensaios eleitorais são bem-sucedidos. De terno e gravata, aventurou-se no corpo a corpo com eleitores em uma feira livre de Curitiba. Durante a caminhada, acabou hostilizado por alguns frequentadores e ficou atordoado, sem reação. Enquanto marchava apressado de volta para o carro, um eleitor sugeriu: “Volta pra São Paulo”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1221 DE CARTACAPITAL, EM 17 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Cria cuervos… 

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