Política

Por que o PSD de Gilberto Kassab tornou-se peça-chave no xadrez da governabilidade

O jovem partido de Gilberto Kassab toma o espaço outrora ocupado pelo MDB, mas não esconde o desejo de chegar ao Executivo

Pacheco busca se descolar de Bolsonaro na presidência do Senado. (FOTO: Roque de Sá/Ag.Senado)
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Sonho de consumo da direita brasileira, o propalado candidato de terceira via capaz de quebrar a atual polarização política e fazer frente ao ex-presidente Lula na disputa contra Jair Bolsonaro ainda não despontou no cenário. Pré-candidatos testados nas pesquisas, a exemplo do governador paulista João Doria e do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, não demonstram ser verdadeiramente competitivos e essa rea­lidade faz com que seus respectivos partidos – PSDB e DEM – estejam um tanto perdidos em acenos à esquerda ou à direita. O caso tucano é emblemático: enquanto nomes históricos como Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati conversam com Lula, metade da bancada na Câmara optou por dar apoio a Bolsonaro na votação da PEC do Voto Impresso. No DEM, o presidente nacional, ACM Neto, mantém de pé sólidas pontes com Bolsonaro, enquanto o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia bateu em retirada.

Neste cenário, a chamada “centro-direita”, campo mal definido na política nacional, pode nas próximas eleições tomar uma nova forma, representada pelas figuras de um partido que completa dez anos de existência, o PSD, e seu criador e presidente, o ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab. Ambos têm ocupado com desenvoltura o espaço deixado pelos tradicionais DEM e PSDB e suas respectivas figuras públicas. Enquanto Kassab articula nos bastidores o ingresso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ainda no DEM, para se tornar o candidato à Presidência da República pelo PSD em 2022, o partido vê suas fileiras – e possibilidades eleitorais – engrossarem com a chegada de nomes fortes como o ex-governador paulista Geraldo Alckmin e o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Kassab pretende lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na disputa pelo Planalto

Kassab diz estar “cada dia mais convicto de que uma alternativa de centro é a melhor para o Brasil”. A depender dos nomes colocados nas eleições, avalia, as chances de vitória no ano que vem podem crescer: “O brasileiro não quer extremos, mais um presidente que prometa exterminar adversários ou uma oposição que trabalhe para atrapalhar, dificultar o governo. Precisamos fazer uma mudança, uma transição para a ponderação, o equilíbrio e o diálogo”.

Se o discurso de terceira via está pronto, resta confirmar quem irá personificá-lo. Kassab tem no presidente do Senado sua preferência: “Não posso falar em nome do Rodrigo Pacheco, mas afirmei publicamente que ele tem o convite do PSD e acredito que é o nome que preenche todos os requisitos para ser um ótimo presidente”, diz. Embora Pacheco não confirme que deixará o DEM, sua recente postura de maior altivez diante de Bolsonaro – em contraposição à obediência cega do presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP – sinaliza a aproximação com setores mais ao centro do espectro político: “É alguém com talento para fazer política, firme em suas posições, coisa que o momento exige, e conciliador. Torço para que ele, no momento certo, aceite ser o nosso candidato”.

“Estou convicto de que a alternativa de centro é a melhor para o País”, afirma Kassab. (FOTO: Herivelto Batista/MCom)

Eleito com apoio de Bolsonaro, assim como Lira, Pacheco aos poucos faz do Senado um contraponto à Câmara em temas sensíveis ao governo. Age dessa forma, por exemplo, quando articula para que a volta das coligações eleitorais, aprovada pelos deputados, seja derrubada pelos senadores. O distanciamento ficou evidente também com a recusa de Pacheco em dar musculatura política ao pedido de ­impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, encaminhado ao Senado pelo Executivo.

“Tudo será analisado, mas não antevejo critérios jurídicos e políticos para que pedidos de impeachment de ministros do STF possam ir adiante”, diz Pacheco, ressaltando que o mesmo raciocínio vale para os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Sem criticar diretamente o presidente, o senador afirma que não vai se “render a nenhuma investida para desunir o País” e prega o diálogo. “Gostaria muito que houvesse uma concertação para resolver os problemas do País”, diz, com um pé no palanque.

Mesmo que não produzam os efeitos eleitorais desejados, os discursos de Pacheco e Kassab pavimentam o caminho político para que o PSD se torne um partido imprescindível para a governabilidade em um eventual governo Lula, ou até mesmo em um improvável segundo mandato de Bolsonaro. A semelhança com o papel político que foi desempenhado pelo PMDB – atual MDB – na sustentação política dos governos pós-ditadura não é mera coincidência.

“O PSD pode procurar voos maiores na política nacional para ocupar o lugar de um enfraquecido PSDB como líder de uma centro-direita brasileira. Por outro lado, ao buscar aproximar-se do partido no poder pelo loteamento de cargos públicos, pode colocar-se como o herdeiro do combalido MDB”, analisa Marcelo Campello, doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ e pós-doutor pelo Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa.

O PSD aposta no ex-governador Geraldo Alckmin, em São Paulo, e no presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, no Rio de Janeiro

O cientista político afirma que o PSD vem se tornando uma espécie de força política estabilizadora para o exercício do presidencialismo de coalização nos últimos três mandatos presidenciais: “O partido deu sinais de que é crucial para a governabilidade do País, mesmo sem ter uma construção partidária ancorada no apoio das massas sociais”.
Kassab evita, porém, as comparações. “Estou trabalhando, ao lado de dezenas de lideranças em todo o País, para mostrar que o PSD é um partido sério, de centro, com princípios e valores. Mostrar que temos compromisso com o Brasil, o seu desenvolvimento e o bem-estar da população”, diz. Nas últimas eleições, o PSD apoiou o tucano Alckmin para presidente e liberou o voto de lideranças e militantes, o que na prática beneficiou Bolsonaro. “Depois, o partido colocou-se como independente. No Congresso, a apreciação se dá a cada projeto, para que os parlamentares votem com suas convicções”. Ou interesses, claro.

Além do espaço a ser ocupado na política federal, o ex-prefeito de São Paulo sabe que as próximas eleições trazem ao PSD boas chances de crescimento nos estados, se o partido se colocar contra o bolsonarismo. O presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, por exemplo, tornou-se peça fundamental no xadrez da política no Amazonas. Em Minas Gerais, terra de Pacheco, o partido conta com o senador Antonio Anastasia e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, dois candidatos em potencial para enfrentar o governador bolsonarista Romeu Zema, do Novo, em 2022.

A força do PSD aumentou consideravelmente no Sudeste com as recentes chegadas de Alckmin e Eduardo ­Paes. O primeiro, recém-saído do ninho tucano, apresenta-se como forte candidato ao governo de São Paulo na disputa com a esquerda, o bolsonarismo e o vice-governador Rodrigo Garcia, nome apoiado por Doria. No Rio, Paes tomou a linha de frente da pré-candidatura do presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, em uma tentativa de terceira via às candidaturas do governador Cláudio Castro, do PL, que terá o apoio de Bolsonaro, e de Marcelo Freixo, do PSB, que deverá unificar as legendas de esquerda.

Traído por Doria, Alckmin saiu do PSDB. Paes apoia a candidatura de Felipe Santa Cruz no Rio. Kalil é um poderoso trunfo em Minas Gerais. (FOTO: Suamy Beydoun/Agif/AFP, Prefeitura de Belo Horizonte/MG e Prefeitura do Rio de Janeiro)

Alckmin formalizará sua entrada no PSD nos próximos dias. A expectativa é de que leve com ele alguns prefeitos do PSDB, por isso o ex-governador ainda se mantém discreto, embora confirme que será candidato ao Palácio dos Bandeirantes. Por sua vez, Felipe Santa Cruz, que deixou o MDB e está sem partido, não confirma nem desmente as conversas com Paes e Kassab e a possível candidatura ao Palácio Guanabara: “Não tenho ainda qualquer projeto político. Até janeiro estou por conta da OAB e da defesa da democracia, mas fico honrado pela lembrança de meu nome”, diz.

A chegada de outros nomes de peso nacional ao partido é um desdobramento natural, avalia Kassab. “O PSD tem atraí­do lideranças pelo trabalho que desenvolve, por sua estrutura e capilaridade. É um partido que não tem dono, que toma suas posições locais e nacionais consultando suas lideranças. Todos os nossos candidatos disputam eleições para ganhar”, diz. Embora ainda não confirmada oficialmente, a entrada de Alckmin no partido é a grande aposta. “Ele tem o convite para ser o nosso candidato ao governo de São Paulo e, por sua experiência e grande capacidade administrativa, tem todas as condições de vencer as eleições.”

O partido, conclui Kassab, trabalhará para ter candidaturas majoritárias próprias: “Não só para presidente, mas para governador na maioria dos estados. Mais do que contar com o partido para comandar, trabalhamos para que os candidatos do PSD sejam os governantes, efetivamente”.

Para Marcelo Campello, o partido tem um longo caminho a trilhar: “Ainda que esteja buscando uma identidade política para além do velho estilo topa-tudo, tão característico dos partidos do “Centrão”, o PSD carece de uma verdadeira capilaridade nacional e de maior clareza quanto à definição do seu espectro político-­­ideológico”, diz o cientista político.

Publicado na edição nº 1172 de CartaCapital, em 26 de agosto de 2021.

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