Política

Com operação contra entregadores e ação na Cracolândia, campanha de Rodrigo Garcia engrossa o tom punitivista

Garcia, que era vice virou titular com a saída de Doria para concorrer à Presidência, decidiu dobrar o efetivo dos policiais nas ruas. Especialistas, porém, questionam a eficácia da iniciativa

O governador Rodrigo Garcia (PSDB). Foto: GOVSP
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Uma das principais bandeiras do governador paulista Rodrigo Garcia (PSDB), a Operação Sufoco chega às duas semanas acompanhada de números vultosos, mas sob críticas por problemas e insuficiências.

Anunciada pelo governo tucano logo depois do assassinato do jovem Renan Silva Loureiro, de 20 anos, na zona sul da capital paulista, a operação mira falsos entregadores de aplicativos. O rapaz morreu na frente da namorada, a tiros, disparados por Acxel Gabriel de Holanda Peres, de 23 anos, que estava de moto e vestia uma mochila vermelha, habitualmente usada por trabalhadores de delivery.

De forma integrada à Operação Sufoco, uma operação denominada Caronte foi deflagrada pela Polícia Civil na quarta-feira 11, para lidar com um problema de cerca de 30 anos em São Paulo: a Cracolândia. Foram 650 agentes de segurança envolvidos no cumprimento de 36 mandados de prisão. Segundo as autoridades, o objetivo era enfrentar o tráfico de drogas. Vinte pessoas foram presas naquele dia.

Garcia, que era vice virou titular com a saída de Doria para concorrer à Presidência, decidiu dobrar o efetivo dos policiais nas ruas – de 5 mil para 9,7 mil – por meio de um incentivo por horas-extra. O investimento previsto é de quase 42 milhões de reais mensais. O contingente da Guarda Civil Metropolitana também deve passar de 1.824 homens para 2.574.

O governo diz ter tomado providências para facilitar a identificação de falsos entregadores de delivery, por meio de um convênio com empresas que combinará o monitoramento de câmeras com um banco de dados. Garcia prometeu aumentar o número de blitzes para fiscalizar os trabalhadores de aplicativo.

Na semana passada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo divulgou em nota o saldo das prisões e apreensões da Operação Sufoco: 793 pessoas detidas, sendo 45 adolescentes e 227 procurados pela Justiça, e um total de 45,6 mil veículos vistoriados, dos quais cerca de 15,1 mil são motocicletas.

No lançamento da empreitada, o governador afirmou que “o bandido que levantar arma para polícia vai levar bala”. A declaração lembrou os tempos em que João Doria (PSDB) parabenizava policiais que colocavam bandidos “no cemitério”, discurso que o elegeu em 2018 na onda bolsonarista, mas interrompido após o massacre de Paraisópolis em 2019.

Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindicato de Motociclistas de São Paulo, diz entender que a polícia deve executar o seu papel, mas diz que a discriminação contra entregadores aumentou. Segundo ele, entregadores têm relatado abordagens policiais até cinco vezes num dia.

“Essa questão está mais relacionada a todo esse momento que o país está vivendo”, diz Santos, em entrevista a CartaCapital. “É triste, porque envolve nossa categoria. A gente acabou pegando um rótulo de bandido. Saímos de heróis da pandemia para ladrões da sociedade em quatro meses. Você não consegue ver um cara com uma bag que já pensa: será que vai me roubar?”, continua.

Além disso, o sindicalista propõe a obrigatoriedade do uso de baús em vez de mochilas, para evitar a “facilidade” de transporte das mochilas e impedir a presença de um segundo ocupante na garupa das motocicletas. Ele destaca ainda a maior segurança da ferramenta para dificultar a ocorrência de acidentes no trânsito.

José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, diz que a Operação Sufoco é “essencialmente política”. O governador, que acaba de chegar aos holofotes do poder público, faz da segurança pública “um dos seus comitês de discurso” para ganhar visibilidade durante a campanha eleitoral, afirma o coronel.

Hoje, Garcia aparece com 5% dos votos pela recente pesquisa Genial/Quaest, atrás de Fernando Haddad (PT), com 30%, Márcio França (PSB), com 17%, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 10%.

Para Silva Filho, um dos principais problemas da Operação está na baixa remuneração aos policiais que farão hora-extra.

“O governo vai pagar 260 reais por dia para cada policial que sacrificar sua hora de folga, após trabalhar por 12 horas, com 40 horas de descanso. Vai ganhar pouco mais do que uma diarista. Esses 40 milhões, que vão para esse pagamento, são um valor irrisório, porque é muito mais barato do que contratar policiais.”

Silva Filho também afirma que os assassinatos cometidos por falsos entregadores são eventos “extremamente raros”. Ele lembra estudos que apontam níveis de segurança positivos para o estado, como mostrou o Atlas da Violência de 2021, que mostrou os indicadores de homicídio mais baixos do Brasil em 2019.

Preocupa, no entanto, o aumento do número de furtos e roubos no 1º trimestre deste ano. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, o estado registrou 132.782 furtos nos primeiros três meses de 2022, uma alta de 28,5% em relação ao mesmo período em 2020 e de 7% se comparado a 2020. No caso dos roubos, foram 59.905 casos neste ano, 7,4% a mais que em 2021, mas 4% a menos que em 2020.

Além disso, um levantamento divulgado neste mês pela emissora GloboNews mostrou que São Paulo registrou o menor número de apreensão de armas de fogo desde 1996, em relação ao primeiro trimestre.

As polícias estaduais apreenderam 2.608 armas entre janeiro e março deste ano, frente a 2.913 no mesmo período em 2021, 3.002 em 2020 e 3.323 em 2019. Os números indicam que a retirada de circulação de armas ilegais vem caindo ano após ano, a partir de 2000, saindo do patamar de 10 mil armas, caindo para menos de 5 mil entre 2007 e 2009 e chegando a menos de 3 mil desde o ano passado.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia que o crime contra o patrimônio passa por um momento complicado de ser combatido, e que as medidas anunciadas estão entre “o que dá para ser feito” para lidar com esses eventos no curto prazo.

Ao mesmo tempo, para a especialista, faltam ações para aumentar a apreensão de armas de fogo. Ocorre, porém, que o País passa por uma “onda armamentista”, em meio a flexibilizações para o porte e a posse de armas, considera ela.

“Falar sobre isso na atual conjuntura parece um palavrão”, diz Bueno a CartaCapital. “Mas a gente percebe que o trabalho de apreensão de armas de fogo está muito aquém do que a Polícia Militar poderia fazer. Reduzir o número de armas de fogo em circulação é reduzir o latrocínio e o homicídio.”

O caso da Cracolândia

O nome é dado à aglomeração de pessoas em situação de rua e com dependência química em determinada área do centro paulistano. Elas estavam reunidas na Praça Princesa Isabel, lugar que ganhou o nome de “Nova Cracolândia”, por ter se tornado o destino dessas pessoas após décadas de permanência na Praça Júlio Prestes.

Dezenas de pessoas removidas vagaram pelos bairros, à procura de uma nova praça para se instalar. Na televisão, helicópteros de noticiários policiais que filmavam bandos em caminhada já denunciavam que o problema não se resolveria facilmente.

Tanto a administração estadual com a municipal sustentam que as ações tiveram saldo positivo e correram como o esperado. Em coletiva, o governador disse que a dispersão depois da operação é normal, contudo, não há “passe de mágica” para resolver a situação.

Aglomeração de pessoas em situação de rua na Cracolândia é um problema histórico de São Paulo. Foto: Rovena rosa/Agência Brasil/2017

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil condenou, em nota, a forma violenta com a qual a Polícia Civil se dirigiu àquelas pessoas. O texto lembrou a Operação Sufoco realizada em 2011 e 2012, que teria usado os mesmos mecanismos, e chamou a Operação Caronte de “midiática” e “desastrosa”.

A Comissão reivindica que as autoridades parem de “enxugar gelo” e se concentrem em investigações sobre “a origem da droga e os financiadores do tráfico”.

Na Operação Caronte, a OAB averigua relatos de tortura, pessoas machucadas sem atendimento médico e mais de uma morte. Na quinta-feira 12, um homem de 32 anos foi a óbito com um tiro no peito, em meio a um tumulto causado pela ação policial. O caso está sob investigação no 77º Distrito Policial de Santa Cecília.

Rildo Marques de Oliveira, coordenador da Comissão da OAB, diz que o acompanhamento realizado pela entidade na Cracolândia indica a redução da presença de serviços públicos na região, como políticas de assistência social e de saúde, e não foi identificada nenhuma iniciativa para a moradia, nem para o trabalho.

“Quando a gente vê a Operação Caronte, que enfileira as pessoas, como se fosse um campo de concentração ou uma rebelião a céu aberto, nós identificamos que não há nenhum cuidado por parte das operações policiais em respeitar os direitos civis e políticos daquelas pessoas”, afirma Oliveira, em entrevista a CartaCapital. “É como abrir um estado de exceção na Cracolândia e dizer que ali ninguém tem direitos.”

CartaCapital procurou a assessoria do governo do Estado e aguarda posicionamento.

Confira a seguir nota da Prefeitura de São Paulo, comandada por Ricardo Nunes (MDB).

A Prefeitura de São Paulo mantém equipes de Saúde e Assistência Social que realizam abordagens continuamente na região da Luz. Somente no primeiro trimestre, o Redenção na Rua, que percorre a região, realizou 9.462 abordagens, com 2.014 atendimentos médicos, 763 encaminhamentos para a rede de saúde e 393 encaminhamentos para o Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (SIAT) II – Acolhimento Temporário. O encaminhamento de usuários para atendimento no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (SIAT) II aumentou 7 vezes entre janeiro e março deste ano.  Os dados são da equipe de abordagem da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), que em janeiro direcionou 27 pessoas e em março, conseguiu enviar 202 usuários abusivos de álcool e outras drogas para o serviço terapêutico.O atendimento no CAPS IV aumentou 20% nesse mesmo período. Foram 453 em janeiro e 547 pacientes em março. O equipamento está localizado justamente em frente à Praça Princesa Isabel. A dispersão do fluxo em focos menores traz uma perspectiva de aumentar o número de usuários que aceitam acolhimento e tratamento pelas equipes multidisciplinares, facilitando as abordagens pelas equipes técnicas, uma vez que o trabalho era dificultado pelas grandes aglomerações, bem como por influência do tráfico nos usuários.

As equipes do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas), da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) realizaram 186 atendimentos às pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social na Praça Princesa Isabel, na República, e arredores somente na última quinta-feira (12). No período entre 25 março até a última quinta-feira (12), correspondente a 49 dias seguidos, os orientadores registraram mais de quatro mil abordagens no território que resultaram em mais de mil encaminhamentos e três mil orientações. As ações são realizadas sempre com o objetivo de proporcionar acesso à rede de serviços socioassistenciais e às demais políticas públicas, bem como desencadear o processo de saída das ruas e promover o retorno familiar.

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