Política

Coaf, Vaza Jato, Valeixo: as derrotas de Moro até a saída do governo Bolsonaro

Ex-ministro deixou o cargo após exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e afirmou interferência política do presidente

Créditos: EBC
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Quase um ano e quatro meses após assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, o ex-juiz Sergio Moro desembarcou do governo Bolsonaro nesta sexta-feira 24, após discordar da decisão do presidente em demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.

Alçado ao cargo graças a popularidade conquistada à frente da Operação Lava Jato, Moro aceitou o desafio de assumir o”superministério” (fruto da junção das pastas de Justiça e Segurança Pública) mesmo depois de negar veementemente que entraria para a política.

Para isso, foi atraído pela promessa de autonomia e pela possibilidade de “implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado”, além de uma possível indicação ao seleto grupo do Supremo Tribunal Federal (STF), possibilidade esta que ele nunca admitiu.

Sua passagem pelo “superministério”, porém, foi bem diferente do que ele imaginava, e o ministro mais popular do governo acabou deixando o cargo após diversos desgastes e desentendimentos. Abaixo, listamos alguns destes capítulos que marcaram a passagem de Moro pela pasta de Justiça do governo Bolsonaro:

Perda do Coaf

O primeiro problema de Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública foi o retorno do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Economia, a contragosto do “superministro”. O órgão de investigação financeira havia saído da alçada de Paulo Guedes havia pouco tempo e, por medida provisória aprovada no Senado com voto de parlamentares da base governista, voltou ao lugar de antes em maio de 2019.

Um relatório do órgão, aliás, deu origem à investigação de transações suspeitas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), que acusa o hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido) por suposto esquema de desvio de recursos por meio da retenção de parte dos salários de servidores, a famosa “rachadinha”. A transferência teria sido um golpe duro na investigação, atendendo a um pedido do próprio filho do presidente.

Revelações da Vaza Jato

O vazamento de conversas do ex-juiz com procuradores da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil, mostrando sua parcialidade na condução da investigação, também foi outra grande crise enfrentada por Moro. Nas mensagens, o ex-juiz pede ao procurador Deltan Dallagnol que troque a ordem de fases da operação, indicando uma testemunha, antecipando ao menos uma decisão judicial e aconselhado o promotor sobre o escopo da acusação.

Inicialmente, Moro disse não ver “nada demais” nas mensagens. Depois, disse que podiam ter sido adulteradas e não era possível confirmar a autenticidade, pois ele havia saído do aplicativo Telegram, onde as conversas ocorreram, em 2017. Por fim, em nota oficial, Moro disse que “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias.”

Interferência no Pacote Anticrime e na PF

O ministro também viu uma de suas principais pautas, o chamado “Pacote Anticrime”, desidratar bastante antes de ser aprovado, em dezembro do ano passado. O texto foi assinado pelo presidente Bolsonaro com cortes em pontos caros ao ministro, como o excludente de ilicitude para forças de segurança, a prisão em segunda instância e o acordo de “plea bargain” (acordo que o Ministério Público oferece ao réu uma pena menor em caso de confissão).

Ainda em 2019, o presidente Jair Bolsonaro já tinha interferido em ações da Polícia Federal, indo contra a “carta branca” prometida à Moro quando assumiu. Em 16 de agosto, o presidente chegou a anunciar a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio sem o conhecimento da cúpula, mas acabou recuando momentaneamente após reações negativas da PF. A troca, no entanto, foi efetivada no dia 28 de agosto e o delegado Ricardo Saadi foi enviado para missão na Holanda, pela cúpula da Polícia Federal.

Na ocasião, Bolsonaro citou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, exonerado na quinta-feira 23. “Ele pode, o Valeixo pode querer sair hoje, não depende da vontade dele. E outra: ele é subordinado a mim, não ao ministro, deixar bem claro isso aí. Eu é que indico, está na lei, o diretor-geral. Agora, uma onda terrível sobre superintendência, 11 foram trocados, ninguém falou nada. Quando eu sugiro um cara de um estado para ir para lá, ‘está interferindo’. Espera aí. Se eu não posso trocar um superintendente, eu vou trocar o diretor-geral, não se discute isso aí”.

Recriação do Ministério da Segurança Pública

Ainda durante a estada de Moro frente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a pauta de desmembramento do Ministério chegou a ser ventilada. À época, o presidente Jair Bolsonaro disse que as chances eram zero, mas não descartou a possibilidade.

“Tá bom ou não? Tá bom, né? Não sei amanhã. Na política, tudo muda, mas não há essa intenção de dividir [o Ministério da Justiça]. Não há essa intenção”, declarou. A demanda, segundo o presidente, viria de secretários estaduais de segurança pública e seria estudada em conjunto com Sérgio Moro.

Dias depois, o presidente recuou da ideia dizendo que “em time que está ganhando, não se mexe”. O episódio, no entanto, escancarou a perda de poder de Sérgio Moro no governo de Jair Bolsonaro, que, segundo rumores, também estava incomodado com a possibilidade do ex-juiz se lançar como um candidato à presidência da República em 2022, apesar de Moro qualquer especulação à respeito disso.

Silêncio durante o combate à covid-19

Mais recentemente, Moro teria protagonizado novo mal estar junto ao presidente Jair Bolsonaro ao não se posicionar publicamente sobre as medidas de combate à pandemia do coronavírus e nem mostrar apoio à conduta de Bolsonaro, quando este relativizava a existência do vírus e criticava as medidas de isolamentos social.

Segundo informação publicada pela revista Veja, Bolsonaro teria dito a interlocutores que a postura de Moro era egoísta e que ele só olhava para os próprios interesses.

Demissão de Valeixo na madrugada

A demissão de Maurício Valeixo voltou a ser pauta do governo no último dia 23 de abril, quando Bolsonaro sinalizou a Moro sua intenção de demiti-lo. O ministro resistiu e ameaçou entregar o cargo, o que gerou um aparente recuo da decisão. No entanto, no dia seguinte, a exoneração de Valeixo acabou sendo publicada no Diário Oficial da União (DOU) com a assinatura eletrônica de Bolsonaro e do próprio Moro, como sendo “a pedido” do diretor-geral.

Durante seu pronunciamento nesta sexta-feira 24, no entanto, Moro contou que foi surpreendido pela publicação, que não assinou o documento e que Valeixo sequer pediu demissão. “Eu não assinei esse decreto. Eu fiquei sabendo de madrugada. Não houve também um pedido formal de demissão por parte do Valeixo”, esclareceu o ex-ministro, que também falou sobre a interferência do presidente Jair Bolsonaro nas conduções das investigações da PF.

“Ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações e relatório de inteligência. Não é o papel da Policia Federal prestar esse tipo de informação ao presidente da República”, afirmou.

Outra revelação feita por Moro em sua fala de despedida foi a de que só aceitou deixar 22 anos de magistratura para trás após o governo federal garantir uma pensão à família caso acontecesse algo com ele. Pela Constituição, um juiz federal só pode acumular cargo de professor e, para assumir um cargo público, o magistrado tem de pedir aposentadoria, se preenchidos os requisitos legais, ou a exoneração do cargo.

A declaração causou espanto. O governador do Maranhão, que também foi juiz federal escreveu no Twitter que Moro “infelizmente, confessa mais uma ilegalidade: pediu pensão ou algo similar pra aceitar um cargo em comissão. Algo nunca antes visto na história. E tal condição foi aceita ? Não posso deixar de registrar o espanto”.

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