Ciro Gomes propõe rebelião da população, de governadores e prefeitos contra Bolsonaro

'Bolsonaro é um louco, mas não só. Ele obedece a uma estratégia, com dinheiro de fora, inclusive'

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Confinado em casa, na Praia de Iracema, Fortaleza, “angustiado”, “atormentado” com o drama brasileiro, Ciro Gomes não se deixa abater. Ao contrário. Nos últimos dias, o presidenciável apresentou, em companhia de outras lideranças do PDT, propostas para atenuar a crise sanitária e econômica, enquanto entabulava negociações com lideranças do Congresso, conversava com governadores e representantes do Judiciário e auxiliava o governo do Ceará.

Ciro conhece os limites da negociação: além da irresponsabilidade de Jair Bolsonaro, ele aponta como um entrave o poder da agenda neoliberal, que tem no presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um fiel defensor. Segundo ele, o Palácio do Planalto aposta na radicalização.

Em contraponto, defende a desobediência civil, caso o ex-capitão insista em medidas que coloquem em risco a vida e o futuro dos brasileiros. “Ele quer formar um gueto de apoio agressivo que evite o impeachment”.

CartaCapital: Como o senhor analisa o pronunciamento do Bolsonaro em cadeia nacional?
Ciro Gomes: Temos na Presidência da República um irresponsável, completamente despreparado. Mas isso só explica um pedacinho do problema. E este é muito mais grave. Dado que o Bolsonaro é isso mesmo, um irresponsável e despreparado, ele tenta se sustentar pela via de confronto, financiado com dinheiro internacional, guiado pelo pensamento do Steve Bannon. Aí se entende claramente o que ele tem feito.

CC: E o que seria?
CG: Ele radicaliza o argumento para uma fração minoritária da sociedade brasileira que permanece do seu lado. Roberto Justus, o dono do restaurante Madero, o sócio da lanchonete Giraffas, o Luciano Hang, da Havan… São inconfidentes, com o pensamento representativo dessa fração. Não têm empatia, humanidade. São exemplos da exacerbação egoísta, pragmática. O Bolsonaro tenta sistematizá-la e, pior, está conseguindo.


CC: De que maneira?
CG: Quando se vê, no auge desse conjunto de irracionalidade, de aberrações aparentes, uma pesquisa do Datafolha na qual despontam ao redor de 25% de brasileiros que apoiam o Bolsonaro, que consideram seu governo ótimo ou bom, percebe-se a estratégia. Vai radicalizar em busca de uma coesão. Não sei quanto ele terá daqui algumas semanas: 25%, 20%, 18%, 15%. Para ele, é a aposta possível a esta altura.

CC: Mas isso nos levaria a qual ponto?
CG: A estratégia visa formar um gueto de apoio agressivo que, neste momento, dissuade qualquer tentativa de impeachment. Com 25% ao lado dele, os políticos não vão considerar a possibilidade de removê-lo do poder agora. E o que vai acontecer ao longo da crise. Serão 5 mil, 7 mil, 30 mil mortos. Em um cenário oti- mista, com todas as medidas tomadas, de 5 mil a 7 mil mortos. É o que o dono do Madero falou: vão ser 7 mil. É o que dizem os relatórios da Agência Brasileira de Inteligência. A economia vai recuar 6%, 7% do PIB e aí ele vai querer botar a culpa naqueles que fizeram o esforço para que a conta não chegue a 100 mil mortos. A lógica é essa.

CC: Mas ao longo do tempo, com a piora do cenário, vai funcionar?
CG: O que quero dizer é que não basta achar o Bolsonaro um idiota. Ele é, de fato. Mas segue uma orientação. O Carlos Bolsonaro é parceiro do Steve Bannon. E quem redigiu esse discurso de ontem à noite foi o filho dele.

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CC: E como o Brasil supera esse impasse? Quem pode agir?
CG: Qual é a contradição? No bastidor, tentamos construir uma agenda. O interlocutor é o Rodrigo Maia. Quando a gente trata de determinadas questões sanitárias, o Maia tem absoluta afinidade. Mas quando se abordam pontos econômicos, a partir de uma visão estratégica de longo prazo, ele resiste. Para você perceber a transcendência da agenda neoliberal. Ela é maior do que aparenta o visível isolamento do Bolsonaro.

CC: E o Maia resiste às propostas econômicas por quê?
CG: Porque ele tem compromisso orgânico, ideológico, com esse pensamento, embora seja aberto a diálogo, permeável. Acho que ele está evoluindo e pode melhorar. Acredito muito nessa possibilidade, tanto que estou me esforçando. Mas acontecem atropelos que atrapalham as negociações.

CC: De que tipo?
CG: Tivemos uma reunião ontem (terça 24). Estamos discutindo uma coisa séria, fazendo simulações. O que seria possível pagar a esse contingente de trabalhadores informais, àqueles obrigados a ficar em casa e sob risco de perder o emprego? 800? 500 reais? Uma renda mínima mensal para possibilitar que os brasileiros atravessem essa crise. Aí o PT sai da reunião e anuncia um pro- grama de um salário-mínimo, sem fazer contas, sem se preocupar com as consequências. O Bolsonaro agradece.

CC: Por quê?
CG: Ele fica lá com seus 15%, 20% de apoio, o suficiente para não ser derrubado, vem o resultado final da pandemia, qualquer que seja, ele insiste na tese e depois diz aos eleitores: ou eu ou o PT. Não digo que vá funcionar de novo. Apresento apenas a lógica que move o Bolsonaro. Ele é um louco, mas não só. Não podemos ficar nessa de que ele é louco, basta retirá-lo do poder. Ele é um louco, irresponsável, canalha, pode usar o adjetivo que quiser, mas ele obedece a uma estratégia, financiada com dinheiro de fora, inclusive.

O Bolsonaro diz: vamos abrir as escolas. Você acha que alguém vai levar o filho de volta para a escola?

CC: E os militares, nesta bagunça toda?
CG: Eles vivem em uma contradição profunda. Os profissionais, da ativa, começam a ficar incomodados com a contaminação da imagem das Forças Armadas. E com o que superficialmente parece uma irracionalidade do Bolsonaro. Os relatórios da Abin falam da necessidade de isolamento, mas o Bolsonaro desconsidera. O general Edson Pujol, chefe do Exército, deu uma declaração importante direcionada às tropas que vai na contramão do que o governo tem dito. Mas eles estão no co- mando. O Bolsonaro está cercado por generais. O diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antonio Barra Torres, é contra-almirante…

CC: Especula-se que ele será o substituto do ministro da Saúde, Henrique Mandetta.
CG: Apostaria no Osmar Terra para o ministério. O Mandetta, se tivesse um pouquinho de fibra, e isso também se perdeu no Brasil, não ficaria. Depois do pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, o Bolsonaro voltou a afirmar que iria conversar com o ministro para substituir a recomendação de isolamento horizontal pela vertical. Se o Mandetta concordar com isso, será triste. Infelizmente o que precisaria ser feito não está. Emitir sinais contraditórios é o pior que poderia acontecer. Conflito com os
20 governadores? É total irresponsabilidade. Mesmo se fosse diferente, se estivessem todos unidos, ainda assim seria muito difícil superar esse drama. Estou angustiadíssimo. Estou por dentro das coisas, na linha de frente. Meu irmão, Ivo Gomes, é prefeito de Sobral. Roberto Cláudio é prefeito de Fortaleza. O governador do Ceará, Camillo Santana, está agindo. Aqui, o estádio Presidente Vargas vai virar um hospital. Não estamos conversando só. Sei de forma concreta o que vai acontecer daqui a 10 dias, 20 dias. O Ceará está importando respiradores, não há disponibilidade no Brasil. Falta gente para operar equipamentos. É preciso treinar os funcionários.

CC: Há algum risco de a vontade do Bolsonaro prevalecer sobre as decisões dos governadores e prefeitos?
CG: Nenhuma. A população tem suas conclusões e intuições. O Bolsonaro diz: vamos abrir as escolas. Você acha que alguém vai levar o filho de volta para a escola? Por regra, as crianças são assintomáticas, mas podem morrer também. Quantas? 10, 50, 100? Parece pouco do ponto de vista estatístico, mas quem vai arriscar a vida do próprio filho? E se for o seu que vier a morrer? De que vale a estatística?


A mídia tem prestado um serviço extraordinário neste momento. Você sabe muito bem quanto sou crítico da linha editorial dos meios de comunicação, mas, neste momento, eles não estão sonegando as informações, dão espaço aos especialistas, corroboram a análise científica. E os telespectadores recebem as informações: o Princípe Charles contaminado, o David Uip, etc. Nossa sorte é que a confiança da população nas informações corretas vai atenuar em grande medida os problemas, mas eles acontecerão.

A epidemia vai atingir todo mundo. Não tem anticorpo para este vírus e a velocidade de expansão nunca foi vista antes. A curva só começa a mudar quando atingir a metade da população. No caso brasileiro, são 100 milhões de habitantes. Desse total, 80% são assintomáticos ou apresentarão sintomas moderados. Mas 20% adoecem. São 20 milhões de indivíduos. No mínimo, 10%, ou 2 milhões, vão apresentar problemas respiratórios graves, que exigem tratamento semi-intensivo ou intensivo. Não tem cura.

O uso de retrovirais da Aids somado à cloroquina é um tratamento aplicado em pacientes terminais. Foram registrados alguns êxitos, mas a comprovação dos resultados por pesquisa e o desenvolvimento de remédios vão demorar. As autoridades de Nova York anunciaram que em dez dias vão faltar respiradores na cidade, a mais rica do planeta. É isso que está acontecendo e que vai acontecer. Não comporta dúvida.

A epidemia vai atingir todo mundo. Não tem anticorpo para este vírus e a velocidade de expansão nunca foi vista antes

CC: E quando o Brasil atingir o auge da pandemia, o que será da aposta do Bolsonaro?
CG: Vai para o vinagre. Neste momento, não estou tão preocupado com a responsabilização política do Bolsonaro. Vai acontecer naturalmente. De um jeito ou de outro. Daqui a três, quatro meses, teremos outra humanidade. O Brasil também será outro. Apurar responsabilidades agora é um exercício quase inútil.

CC: O senhor e o PDT apresentaram uma série de propostas para atravessar a crise. É possível transformá-las em ações concretas?
CG: Continuamos a negociar. Faço parte de um grupo que tenta manter o diálogo em busca de soluções. Mas a burocracia do PT parece não ter aprendido nada. À medida que abordamos o assunto de maneira superficial e oportunista, igualmente perdemos a confiança do povo. Imaginar que um programa de renda mínima emergencial vai conseguir oferecer um salário-mínimo, rivalizando com a economia formal, não é sério. Em um país com 11 milhões de desempregados, 38 milhões na informalidade, no qual 100 milhões recebem 413 reais por mês, o Estado não conseguiria. Uma proposta dessa não tem compostura, não guarda coerência. Os cidadãos não são idiotas.

CC: O que fazer?
CG: Nossas simulações visam detalhar a origem do dinheiro. Temos clareza de onde buscar os recursos para os primeiros três meses. De como estender por mais três meses, se necessário. Isso levaria à expansão da dívida pública em 4% do PIB. É muito sério: como compensar essa elevação no futuro próximo? Vamos precisar tributar as fortunas com alíquotas de 0,5% a 1%, de forma progressiva, a partir de um patrimônio de 22 milhões de reais. Estabelecer o Imposto de Renda sobre lucros e dividendos empresariais. A soma desses dois tributos arrecadaria 200 bilhões de reais. Tem como fazer um debate sério para mobilizar a população. Antes de tudo, é preciso dirimir o medo em relação ao futuro. O dinheiro existe e está no caixa do Tesouro. Está guardado na conta única do governo 1,35 trilhão de reais. Não precisamos postergar dívidas por enquanto, não precisa aumentar os impostos imediatamente, nada.

CC: Mas precisa suspender o teto de gastos.
CG: Sim. São todas providências fáceis de serem tomadas. Com uma liminar resolveria. O presidente da República poderia encaminhar ao STF um pedido de suspensão de vários artigos e normas que travam o manejo desses recursos. O ministro Tóffoli daria esta liminar na hora, já consultei. Isso se o Congresso se recusar a assumir o protagonismo e não consertar tudo, de forma legal, para o resto da vida. A Caixa Econômica Federal poderia lançar um cartão de débito. Bastariam cinco dias para colocar essa medida em operação. Deposita 600, 700, 800 reais na conta dos beneficiados. Custaria 38 bilhões em três meses. Nada. E habilita o cartão para os usuários comprarem nos estabelecimentos comerciais em troca do compromisso de que as empresas não vão demitir seus funcionários ou reduzir salários.

CC: E se as medidas não forem além do que o governo apresentou até agora, sem dinheiro novo, sem um plano de apoio de grandes proporções?
CG: A economia vai despencar em 7%. O desemprego vai alcançar 30 milhões de trabalhadores. Teremos saques nos supermercados, violência. E não demora. Imagina o cidadão, até me emociono, e não gosto disso, sou um tomador de decisão… Imagine o seguinte: o camarada vive de vender picolé aqui na porta da minha casa, na Praia de Iracema. Mas não há ninguém, o povo entrou no isolamento. Neste momento, pela janela, vejo três policiais a cavalo. Esse cidadão que vende picolé não tem poupança de nada. Não vendeu ontem, não vendeu hoje, não vai vender amanhã.

CC: Bem, o senhor disse que não seria o momento de se ater a apontar responsabilidades…
CG: … Mas há um responsável. Um cidadão, Jair Messias Bolsonaro.

CC: Ele é o único culpado?
CG: A responsabilidade é dele. É institucional. Como presidente da República, cabe a ele coordenar os esforços da nação. A ele cabe informar corretamente a população, mobilizar os recursos, tomar decisões. Não há outro. A minha angústia é ver tudo o que poderia ser feito de maneira diferente e não ser eu o responsável por fazer.

CC: Como chegamos a este ponto?
CG: De estagiário em estagiário, iria chegar a hora. De irresponsabilidades políticas, de populismos variados, de demagogias, de valorização do despreparo, do descuido com a democracia. Mais cedo ou mais tarde iria dar nisso. Vivemos o momento agudo desse processo todo.


Mas há um responsável. Um cidadão, Jair Messias Bolsonaro

CC: Como o senhor vê a atuação da oposição?
CG: Totalmente desorganizada. O outro lado da tragédia é a oposição.

CC: E o papel do Lula? O senhor espera um outro tipo de atuação a partir da libertação do ex-presidente?
CG: Não tenho vontade de comentar. O Lula é um irresponsável e não tenho vontade de ficar repetindo essa afirmação.

CC: A pressão internacional pode ter algum efeito sobre o Brasil?
CG: Está em curso. O G-20 mandou um comunicado para o Bolsonaro para mostrar os efeitos da pandemia, sanitários e econômicos. Estou aqui amadurecendo uma ideia. Na hora apropriada, proponho levar o Bolsonaro ao Tribunal de Haia, por crimes contra a humanidade.

CC: Quais outros movimentos que o senhor e o seu partido farão para tentar impedir que a tragédia seja pior?
CG: Precisa criar um ambiente no País para uma ampla desobediência civil. Se ele tomar a decisão de impor uma quarentena vertical, os governadores devem simplesmente desobedecê-la. Aqui no Ceará não vamos aceitar. Está determinada a quarentena, ela é radical. Vamos importar leitos de UTI, não vou dizer de onde, pois, se for necessário, traremos na marra. Os governadores e prefeitos devem seguir as orientações dos infectologistas, da Organização Mundial de Saúde.

Ontem (terça 24), conseguimos uma liminar, expedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, que autoriza os entes federados a impor de maneira autônoma as restrições que acharem necessárias. No Ceará, conseguimos uma liminar para ocupar os aeroportos com a vigilância sanitária estadual, pois a Anvisa simplesmente não permitia o controle do fluxo. É isso que precisamos fazer. Desconsiderar o Bolsonaro.

CC: O senhor vê algum risco de uma aventura ainda mais autoritária?
CG: Na cabeça do Bolsonaro, acho, campeia essa ideia. Ele instiga uma radicalização que predispõe uma fração da sociedade a uma resposta autoritária.

CC: E uma intervenção militar sem o Bolsonaro?
CG: Não creio. O problema real, econômico e sanitário, afasta qualquer grupo da hipótese de assumir essa responsabilidade no meio da crise. Falo claramente dos militares.

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