Política

Cenário trabalhista é semelhante ao de 64, diz sociólogo

Ricardo Antunes, professor da Unicamp, reitera: ‘O trabalho vivo deve ser substituído pelo trabalho morto’

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O 1º de maio arrastou multidões mundo afora, seja em movimentos pacíficos, seja em protestos envoltos em tensão como na França. Por aqui, além de uma união sindical inédita, houve um grito em uníssono contra a reforma da Previdência proposta pela presidente Jair Bolsonaro.

O sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes compara o momento atual com o período de 1964 – ano do golpe militar. Segundo ele, na época houve uma grande movimentação para acabar com direitos trabalhistas e a existência de sindicatos. “As medidas de hoje não são iguais às de 64. Mas 64 teve para o movimento operário um sentido muito destrutivo. E com Temer e a eleição de Bolsonaro, mesmo que as medidas sejam outras, há um paralelo muito semelhante”, afirma.

Confira a entrevista:

CartaCapital: Como você avalia o atual cenário trabalhista no Brasil?
Ricardo Antunes: É o pior desde a ditadura. Estamos em um processo de devastação das legislações sociais do trabalho, que se acentua com o golpe que tirou Dilma Rousseff do poder e levou ao governo do Temer cujo atributo fundamental era no plano de acabar com as relações de trabalho. A primeira medida foi o decreto liberando a terceirização praticamente total, que significou para o  brasileiro uma quebra importante num dos fundamentos da CLT.

A segunda e mais grave ainda, porque é mais abrangente, é a contra-reforma trabalhista de 2017 que autorizou o empregado negociar com o patrão e isso estar acima da lei. Ela estabeleceu a flexibilidade de várias dimensões do trabalho, como a jornada e o salário, por exemplo. Essa reforma do Temer tem um claro movimento anti-sindical, que depois se consolidou com o Bolsonaro. Essa proposta tinha uma sentido de tirar a negociação predominantemente do âmbito sindical e trazer para o âmbito individual entre trabalhadores e a empresa.

O terceiro ponto é a terceirização permitida no setor público. Esse conjunto de desmonte é uma verdadeira devastação. Há um processo que começa com Temer e chega agora a Bolsonaro, com a reforma da Previdência, que vai ser a maior devastação dos direitos trabalhistas do nosso país.

CC: Na época da ditadura a terceirização era permitida? 
RA: Não. Na época da ditadura nós tivemos uma derrocada muito pesada no movimento operário, com uma repressão muito violenta. Por exemplo: a lei da estabilidade que vigorou entre 46 e 64, ainda que com muitas limitações, foi substituída e estabelecido o fundo de garantia por tempo de serviço. Hoje isso se mostra positivo. Mas em 64, depois do golpe, teve objetivo explícito de quebrar aquilo que era a legislação provisória e garantia a permanência da instabilidade do nosso país. A ditadura também criou toda uma legislação anti-sindical e antigreve.As medidas de hoje não são iguais às de 64. Mas 64 teve para o movimento operário um sentido muito destrutivo. E com Temer e a eleição de Bolsonaro, mesmo que as medidas sejam outras, há um paralelo muito semelhante.

CC: Para você, o que é ser trabalhador o contexto atual?
RA: O mundo do trabalho hoje é pautado primeiro por uma legislação social predatória. A empresa do nosso tempo é uma empresa enxuta. O trabalho vivo deve ser substituído pelo trabalho morto, de maquinário digital. As plataformas digitais, que são cooperações, têm um monte de trabalhadores, uma série de atividades que pessoas que não tem emprego e ficam dependendo de uma plataforma para indicar trabalho. Nem a plataforma é obrigado a te chamar para trabalhar e nem o trabalhador é obrigado a aceitar.

O resultado disso é que você tem o mundo da intermitência e isso é uma praga mundial. A classe trabalhadora hoje compreende um conjunto muito heterogenia de homens e mulheres que vendem sua força de trabalho em sua grande maioria já mediada por um aparelho digital, e esta condição aliada a uma empresa flexível altamente digitalizada faz com que o trabalhador esteja disponível para o trabalho. Essa é a classe trabalhadora dominante do mundo de escravidão digital.

CC: Você acha que aplicativos como Uber são resultado da precarização do trabalho?
RA: Eles são resultado de um processo de precarização anterior. O trabalho precário nasce com o próprio assalariamento capitalista. No início da revolução industrial os trabalhadores trabalhavam até 18 horas por dia, sem interrupção, as crianças trabalhavam, então é um trabalho assalariado intensamente precarizado. A luta da classe trabalhadora foi para regular e obter direitos que temos hoje.

Esse movimento que marcou a revolução industrial gerou um trabalho precarizado que era diminuído ou ampliado em função das realidades capitalista de cada país. Essa precarização se acentua em 1973 quando há uma grande crise estrutural no sistema de capital, o que na época se chamou de crise do petróleo, mas que é uma crise muito mais profunda. Esse processo é o que permitiu precarizar o trabalho. É o pior dos mundos para a classe trabalhadora.

CC: O que você acha da reforma da Previdência proposta de Bolsonaro?

RA: A reforma da Previdência vai ser o começo do fim da Previdência pública. Vamos ter, como resultado, uma massa de trabalhadores sem proteção. Que trabalha esporadicamente e ganha esporadicamente, com salários com níveis muito baixos. É um sistema que beneficia os bancos.

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