Política

Carta em defesa da democracia chega a 1 milhão de assinaturas e marca reação ao golpismo

O ato nas dependências formais da USP, nesta quinta-feira 11, terminou com a leitura de outra carta, produzida pela Fiesp

Ato em defesa da democracia em São Paulo. Foto: Miguel Schincariol/AFP
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A Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito chegou a 1 milhão de signatários na noite desta quinta-feira 11. Horas antes, o manifesto foi lido na Faculdade de Direito da USP.

O evento ocorreu nas arcadas do Largo de São Francisco e reuniu, segundo os organizadores, cerca de 3 mil pessoas.

Na quarta-feira 10, artistas divulgaram um vídeo com a leitura da carta. Estavam na gravação personalidades como Fernanda Montenegro, Anitta, Chico Buarque, Maria Bethânia, Milton Nascimento, Djavan, Juliette e Caetano Veloso.

Nesta quinta, o manifesto foi lido após uma série de discursos, realizados no salão nobre da faculdade, em que juristas, representantes de movimentos civis, sindicalistas e empresários reafirmaram a confiança no sistema eleitoral, a defesa da democracia e a oposição aos ataques contra as instituições. Trata-se de uma reação às ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O ato nas dependências formais da USP terminou com a leitura de outra carta, produzida pela Federação Nacional das Indústrias, com teor semelhante ao do documento principal.

Já nas arcadas e no Largo de São Francisco, fora do palco, a cerimônia ganhou tons mais eleitorais. Entre os manifestantes circulavam faixas e bandeiras com alusões a Lula (PT) e críticas a Bolsonaro. No palco, o tom mais protocolar manteve-se na participação de Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito, que não citou nominalmente o presidente, mas rebateu a ação das Forças Armadas e os ataques ao TSE.

“[O Estado Democrático de Direito prevê] O controle pelas instituições daqueles que têm competência para fazer. No caso das eleições, é o nosso Tribunal Superior Eleitoral. O resto é gente sem competência jurídica e moral para se intrometer no processo eleitoral brasileiro”, disse Campilongo. “A única força que pode dizer algo a respeito do processo eleitoral brasileiro é a força do eleitor, do brasileiro e de ninguém mais.”

O ministro Alexandre de Moraes, próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, exaltou o ato desta quinta.

“No histórico dia 11/8, a Faculdade de Direito da USP foi palco de importantes atos em defesa do Estado de Direito e das Instituições, reforçando o orgulho na solidez e fortaleza da Democracia e em nosso sistema eleitoral, alicerces essenciais para o desenvolvimento do Brasil”, escreveu o magistrado nas redes sociais. Moraes, um dos alvos preferenciais de Bolsonaro, estará à frente da Justiça Eleitoral durante o pleito de outubro.

Já o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello avalia que a cerimônia representa um “gesto histórico de inequívoco apoio da cidadania ao regime democrático, severa advertência ao presidente Jair Bolsonaro e aos seus epígonos e veemente repulsa à pretensão de mentes sombrias e autocráticas”.

Leia a íntegra da carta:

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

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