Política

Carnaval do Rio terá tom político e ataques a Bolsonaro e Crivella

Mangueira, Mocidade, Portela, entre outras escolas, apostam em letras com fortes críticas sociais em 2020

Em 2019, desfile da Mangueira homenageou Marielle Franco e demais heróis esquecidos. Foto: Fernando Grilli/Riotur
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As escolas de samba do Rio de Janeiro preparam verdadeiros atos políticos para seus desfiles no carnaval de 2020. Pelo menos dez apresentam críticas em suas letras, que contam com referências diretas, por exemplo, ao presidente Jair Bolsonaro e ao prefeito Marcelo Crivella.

A começar pela Estação Primeira de Mangueira, que foi campeã em 2019 ao homenagear a vereadora Marielle Franco e, no ano que vem, vai levar Jesus Cristo à avenida Marquês de Sapucaí.

A letra diz que Jesus tem rosto negro, sangue índio e corpo de mulher, “moleque pelintra num buraco quente”, de pai carpinteiro e desempregado. Diz que o filho de Deus está dependurado em cordéis e corcovados, “mas será que todo povo entendeu o meu recado?”, indaga o enredo, na primeira pessoa.

Em certo momento, dá o sermão: “Favela, pega a visão / Não tem futuro sem partilha / Nem Messias de arma na mão”.

Luiz Carlos Máximo, um dos compositores do samba, diz que “Messias” faz uma referência ampla, não somente ao presidente Jair Messias Bolsonaro. A letra foi composta junto com sua esposa, Manu da Cuíca. Ele criou a melodia e, ela, a letra.

A ideia principal, na verdade, é retratar a imagem de Jesus Cristo como um homem perseguido pelo Estado e “sequestrado pelos profetas da intolerância”. Para ele, no cenário político atual, Jesus é utilizado de forma distorcida por setores conservadores para disseminar opressão contra a diversidade.

“A Mangueira é uma escola de samba no morro. Jesus é da favela, um sujeito pobre, de ‘Buraco Quente’, uma região conhecida do morro da Mangueira. E ele fala com a linguagem que a favela usa, ‘pega a visão’ é uma expressão dos moradores das favelas”, explica. “Ele diz que não há ‘futuro sem partilha’ porque com desigualdade não há futuro. E ‘nem Messias com arma na mão’ pode ser o presidente ou as milícias, e tantos outros que se apresentam como messias, com a violência como solução.”

Na mesma linha, Manu da Cuíca diz que Jesus era favorável a toda forma de amor e foi punido por se posicionar contra a repressão.

“A letra traz um Jesus perto do seu verdadeiro histórico. Ele dedicou sua vida à luta pela partilha, pela justiça, pela tolerância e pela igualdade. Lutou, foi torturado e morto pelo Estado por conta disso. Um Cristo que está longe da imagem pelo qual ficou conhecido. Foi capturado por uma representação europeia, loiro e de olho azul”, afirma.

Já a Mocidade Independente de Padre Miguel vai tratar sobre desigualdade social e racial. Para isso, escolheu homenagear a cantora Elza Soares, que já foi puxadora dos desfiles da escola na década de 1970.

A letra ressalta a história de uma mulher negra que, com sua voz, “amordaça a opressão”. Depois, lembra o nome do novo disco da cantora: “Brasil, esquece o mal que te consome; que os filhos do Planeta Fome não percam a esperança em seu cantar”.

Autor da sinopse, o jornalista Fábio Fabato destaca que o enredo é “assumidamente político”. Em sua opinião, as escolas de samba estão vivas desde 1932 com o papel de refletir os diferentes contextos de suas épocas. Portanto, “é consequencial que as escolas estejam tão políticas”.

“Nosso samba é importante em um momento em que temos um ataque às religiões de matrizes africanas e um debate rasteiro sobre o que é o Brasil que nega a existência do racismo. Elza Soares veio de baixo, contrariou a lógica racista e foi atacada pela sociedade da época”, explica. “A Elza e o samba têm essa inquietude essencial, por gritar a história que não foi contada.”

O Salgueiro também escolheu homenagear um artista para protestar contra o racismo: Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil. Em 2020, completam-se 150 anos de seu nascimento.

“Na corda bamba da vida me criei, mas qual o negro não sonhou com liberdade?”, questiona. “O rosto retinto exposto reflete no espelho; na cara da gente, um nariz vermelho, num circo sem lona, sem rumo, sem par.”

A escola São Clemente contou com o humorista Marcelo Adnet na composição e tem versos bem diretos, que lembram as vigarices constantes no mundo da política.

“Tem laranja! Na minha mão, uma é três e três é dez!”, diz a letra. “Tem marajá puxando férias em Bangu”, cantam, com uma extensa letra que cita até a proliferação de fake news.

No samba da Portela, as referências também lembram o prefeito Marcelo Crivella. A escola vai abordar os indígenas que moravam no Rio de Janeiro antes da chegada dos colonizadores portugueses.

“Índio pede paz, mas é de guerra; nossa aldeia é sem partido ou facção; não tem bispo, nem se curva a capitão”, diz a letra.

A Paraíso do Tuiuti vai contar a luta cotidiana dos mais pobres no Rio de Janeiro e classifica o município como “a cidade das mazelas”. A União da Ilha do Governador também expõe, em seu enredo, a violência que assola o povo carioca e o oportunismo das autoridades: “O chumbo trocado, o lenço na mão nessa terra de Deus-dará”.

A escola Unidos da Tijuca também concentra críticas aos problemas diários do Rio de Janeiro. “O Rio pede socorro”, diz o enredo, que também exalta a favela e pede mais igualdade. “Dignidade não é luxo, nem favor”, protesta.

Já a Estácio de Sá traz uma forte crítica aos que, por cobiça, destroem o meio ambiente. Será a primeira escola a desfilar no carnaval 2020 pelo grupo especial. “O garimpo traz o ouro, a cobiça dos mortais; peneirar, peneirar, devastando a natureza no Pará dos Carajás”, diz o samba.

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