Política

Bruno Covas prega o reencontro do PSDB com a social-democracia

Na contramão do discurso agressivo antipetista de Doria, prefeito de São Paulo diz que sentimento de desavença dividiu o País

Foto: Wanezza Soares
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Neto do ex-governador Mário Covas, um dos fundadores do PSDB, Bruno Covas assumiu a administração da capital paulista, um problemático “condomínio com 12 milhões de moradores”, em abril do ano passado, quando João Doria deixou o posto para disputar a cadeira do Palácio dos Bandeirantes. Enquanto o governador de São Paulo reluta em abandonar o agressivo discurso antipetista que o impulsionou em 2018, em uma oportunista aliança com Jair Bolsonaro, o jovem prefeito, de 39 anos, busca diferenciar-se com um perfil mais moderado e conciliador. “Esse sentimento de desavença, de anti-isso, de antiaquilo, dividiu o País. Precisamos superar isso, construir pontes.”

CartaCapital: O presidente do PSDB, Bruno Araújo, disse que as atitudes do presidente Jair Bolsonaro “chocam o mundo civilizado”. O senhor concorda?

Bruno Covas: Foi isso o que me fez anular o voto no segundo turno das eleições. Votei pelo impeachment de Dilma, não tinha sentido apoiar Haddad. Com Bolsonaro não havia convergência alguma. Na posse, ele disse que iria governar para todos, mas continua focado no seu nicho. E ainda faz declarações absurdas, que vão desde o sarcasmo em relação ao sumiço do pai do presidente da OAB, durante a ditadura, à demissão do diretor do Banco do Brasil que fez campanha dirigida ao público LGBT.

CC: A prévia do PIB indica um quadro de recessão técnica. Como o senhor avalia a condução da política econômica?

BC: Não fosse o Congresso mobilizar-se e votar a reforma da Previdência, e agora colocar em pauta a tributária, o presidente não teria condições de avançar com estas questões. Ele assumiu legitimado pelas urnas, com o Congresso renovado. Se tivesse um pouco mais de articulação política, talvez o País avançasse em outras reformas e retomasse o rumo do crescimento.

 

CC: É perceptível o crescimento do número de moradores em situação de rua em São Paulo. É um efeito da crise?

BC: Os prefeitos pagam a conta desses cinco anos de crise e recessão. Um dos primeiros sintomas é esse que você mencionou. Decidimos, inclusive, antecipar para este ano a realização de um censo. Antes, a gente tinha, basicamente, homens nas ruas. Hoje vemos mulheres, crianças, famílias inteiras. Outra questão é a explosão do número de indivíduos que buscam a rede pública de saúde. Nos últimos anos, a cidade de São Paulo viu crescer de 6,5 milhões para 7,5 milhões o número de dependentes do SUS, muitos perderam o convênio.

CC: Houve frustração de receitas?

BC: Não, até porque a gente fez um orçamento bem pé no chão. Não temos problema de caixa. Como o ex-secretário Carlos Megale dizia, “a foto é boa”. Não tem fornecedor reclamando de falta de pagamento. “Mas o filme é ruim”. Se acompanhar o orçamento nos últimos anos, você verá um aumento muito grande no subsídio do ônibus, no custeio da saúde, no sistema previdenciário, o que faz com que o município tenha baixos índices de investimento.

Foto: Wanezza Soares

CC: O senhor defende uma “faxina ética” no PSDB. Também acha que o partido deve retornar às suas raízes social-democratas?

BC: Entendo que a derrota do partido nas últimas eleições, não só pelo desempenho de Alckmin, mas pela redução das bancadas, do número de governadores, deve-se a dois grandes fatos. O primeiro deles é não saber lidar com integrantes envolvidos em corrupção. Tem um áudio, até hoje não explicado, no qual Aécio Neves pede recursos para o presidente da JBS. Isso está lá, não precisa aguardar decisão judicial. A outra questão é que o partido não explicou a sua visão de mundo. Nosso primeiro candidato a presidente, Mário Covas, fez um discurso em 1989 defendendo um choque de capitalismo no Brasil. Ao mesmo tempo, mantinha o compromisso com as áreas sociais, Educação, Cultura, Direitos Humanos, Habitação. Essa é a linha que o PSDB precisa mostrar que defende.

CC: Isso ficou obscurecido com o discurso antipetista?

BC: Sem dúvida. Esse sentimento de desavença, de anti-isso, de antiaquilo, dividiu o País. Precisamos superar isso, construir pontes.

CC: O governador João Doria agora busca distinguir-se de Bolsonaro. Mas fez campanha colado na imagem dele, com o slogan “BolsoDoria”. Foi uma aliança de ocasião?

BC: Como candidato a governador, ele tinha a obrigação de declarar o seu voto. Márcio França não fez isso, foi um erro grave. A partir do momento em que Doria defendeu a candidatura do Bolsonaro, um grande grupo fez campanha pelo dois.

CC: Se o senhor fosse candidato, faria o mesmo?

BC: Declararia voto nulo, como o fiz no segundo turno. Uma coisa é não declarar, outra é dizer que vota nulo.

CC: O senhor é candidato a reeleição?

BC: Vamos deixar 2020 para 2020. Se você me convidar para vir aqui ano que vem…

CC: O senhor foi sondado pela Rede?

BC: Quando dei aquela declaração do “ou ele ou eu”, no caso do Aécio, vários partidos me sondaram, mas prefiro não dizer quais.

CC: Ficou tentado a sair do PSDB?

BC: Não, ainda aguardo a decisão partidária.

CC: As próximas eleições também serão marcadas pelo antipetismo ou influenciadas pelo bolsonarismo?

BC: Olha, sempre tem influência de questões nacionais, estaduais. Mas as eleições municipais acabam focando muito mais em temas da cidade. Tanto é verdade que São Paulo elegeu prefeitos dos mais variados matizes políticos.

CC: Qual foi a sua maior realização à frente da prefeitura? E a maior dificuldade?

BC: A maior dificuldade é conciliar os interesses. Ser prefeito é como mediar uma reunião de condomínio com 12 milhões de moradores. Outro dia, em uma audiência pública, surgiu a proposta de flexibilizar a Lei do Psiu, para permitir que bares e restaurantes pudessem ficar abertos por mais tempo. Logo depois, alguém levantou e disse: “Precisa ser mais rigoroso, diminuir a quantidade de decibéis”. Meu maior interesse é atuar na área social. Fico feliz de ter ido a Washington assinar um empréstimo com o BID para investir em Saúde. Nós vamos ter 150 obras só nessa área, poderemos terminar hospitais, unidades de pronto-atendimento. A gente ainda tem Unidades Básicas de Saúde de lata em São Paulo, vamos acabar com isso. Esse investimento social me realiza como político.

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