Economia

Brasil tem a 3ª pior inflação do G20, mas Bolsonaro insiste em culpar o mundo — e a esquerda

‘Superam’ o Brasil apenas Argentina e Turquia; enquanto isso, o ex-capitão responsabiliza o PT pelos ‘caminhões de ossos’

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Uma das principais táticas do presidente Jair Bolsonaro, especialmente em 2021, é associar integralmente a galopante inflação brasileira ao cenário internacional. Sua explicação ignora, no entanto, que a inflação do País é a 3ª mais alta entre as nações do G-20. É o que demonstra um levantamento da Trading Economics, plataforma que analisa os dados históricos e as projeções de quase 200 países.

O monitoramento leva em consideração a inflação acumulada em 12 meses. A pior situação, com sobras, é a da Argentina, onde o índice chega a 52,1%, seguida pela da Turquia, com 19,89%.

Ante o cenário de calamidade nos preços, o governo do presidente Alberto Fernández tomou uma medida drástica: congelar, por 90 dias, os preços de mais de mil produtos básicos da cesta familiar.

O aumento nos preços das commodities e a gradativa recuperação da atividade econômica impactam o desenho da inflação no campo global. O consumo aumenta e os buracos nas cadeias de abastecimento afetam o fluxo regular de produtos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os preços aos consumidores subiram 6,2% entre novembro de 2020 e outubro de 2021, maior taxa em 31 anos.

No Brasil, porém, além das características inerentes ao atual momento histórico, há o peso da desvalorização da moeda. Em outubro, o real foi a quarta moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar, conforme um levantamento do economista Alex Agostini, da Austin Rating. Só ficou atrás das moedas de Sudão do Sul, Ilhas Seychelles e Turquia. No acumulado do ano, o real é a 14ª que mais perdeu valor, de acordo com a pesquisa.

Enquanto isso, o Banco Central brasileiro aperta os cintos na política monetária e diz tentar conter a inflação. No final de outubro, o Copom elevou a taxa de juros básicos, a Selic, de 6,25% para 7,5% ao ano, o que surpreendeu até analistas financeiros. O índice deve fechar 2021 em 9,25% e bater nos 11% em 2022.

Com as finanças dinamitadas, os brasileiros percebem no bolso a extensão do drama. CartaCapital mostrou, a partir da mais recente leva de dados do IPCA, que em outubro houve aumento de preços em todos os nove grupos de produtos e serviços pesquisados.

No mês passado, os combustíveis subiram 3,21% – a gasolina, por exemplo, ficou 3,10% mais cara e teve o maior impacto individual sobre o índice do mês. No ano, a gasolina acumula alta de 38,29% e em 12 meses, de 42,72%.

Também subiram em outubro os preços do diesel (5,77%) e do etanol (3,54%). No acumulado em 12 meses, encareceram, respectivamente, 41,34% e 67,41%. O gás de botijão subiu 37,86% em 12 meses.

O grupo de Alimentos subiu 1,10% em outubro. Apenas no último mês, o tomate subiu 26% e a batata inglesa, 16%. Em 12 meses, encareceram, respectivamente, 32% e 23,64%. O café moído subiu 4,57% em outubro e 34,53% em 12 meses.

Entre as carnes, o acumulado em 12 meses aponta o avanço do filé-mignon (38,07%), do frango em pedaços (33,28%), do frango inteiro (29,26%), da picanha (28,59%), do músculo (25,94%) e da pá (25,73%).

Com tudo isso, Jair Bolsonaro tenta se equilibrar entre duas ‘narrativas’: a de que o Brasil é um dos países que menos sofreram economicamente na pandemia e a de que o sofrimento que, por ventura, ele tenha enfrentado se deve a prefeitos e governadores, jamais ao governo federal.

“Um dos países que menos sofreu na economia com a pandemia fomos nós. Aí fora, a Inglaterra, 300% de aumento do gás. 200% em média na Europa. Alimentos em falta lá. Não é apenas inflação. O pessoal reclama daqui, mas aqui estamos pagando aquela do fique em casa, a economia a gente vê depois. Eu falei que não podia fazer isso. Mas a gente tá recuperando aí”, disse o ex-capitão, por exemplo, em outubro.

Na última quinta-feira 11, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, tentou mais uma vez responsabilizar a esquerda pelo agravamento da fome, sinal mais dramático do avanço da inflação, da perda do poder de compra e da manutenção do desemprego em nível elevado.

“O pessoal mostra o caminhão de osso. Algumas pessoas pegando osso e ‘olha o governo Bolsonaro, o povo tá atrás de osso’. Eu lamento, realmente, pessoas atrás de osso, lamento muito isso aí. É consequência daquela política dos governadores do PT, do PSB, fecharam os estados, fecharam os municípios, desempregou muita gente, e o preço da economia cobra depois. Eu não fechei nenhum botequim no Brasil. Disso você não me acuse, não”, declarou.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese, relatou crescimento de 30% no preço da cesta básica em um ano e avaliou que o salário mínimo deveria ser de 5,8 mil reais, o quíntuplo dos 1,1 mil reais pagos atualmente.

E mais: uma em cada cinco crianças brasileiras vive em condições de fome, violência e trabalho infantil. Nove milhões de brasileiros até 14 anos de idade moram em lares com renda per capita mensal de até 250 reais. Além de tudo isso, na análise de especialistas, as decisões políticas de Bolsonaro favorecem o desmonte de programas de assistência e fortalecem a tendência de piora na crise social.

Veja a lista dos índices de inflação no G-20, segundo a Trading Economics:

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