Política

Bolsonaro se rende à China, que festeja 70 anos de comunismo

Presidente irá a Pequim neste mês, após vários membros do governo terem polido arestas ao longo do ano

Mourão com Xi Jinping (Foto: Adinilton Faria/VPR)
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Há exato um ano, eleição a mil, Jair Bolsonaro comentava seus planos privatizadores e mostrou os dentes a uma certa nação: “A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil. Você vai deixar o Brasil na mão do chinês?”. Sete meses antes, havia ido a Taiwan, ilha que a China reivindica como território seu, motivo de uma carta “indignada” da embaixada chinesa a ele.

Com 15 dias do ex-capitão no poder, deputados do PSL foram a Pequim, conhecer uma tecnologia de reconhecimento facial, e levaram um esculacho do guru bolsonarista. “Vocês estão fazendo uma loucura, entregando o Brasil à China”, disse Olavo de Carvalho. “Bando de caipira.” O que o “guru” diria diante do fato de que é o próprio presidente quem se rende à China, inimiga número 1 dos Estados Unidos?

O ex-capitão Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR)

Bolsonaro vai a Pequim agora em outubro encontrar Xi Jinping, o líder equiparado pelo Partido Comunista Chinês, há dois anos, a Mao Tsé Tung, chefe da Revolução Comunista de 1949. Uma revolução que fez aniversário nesta terça-feira 1º. “Não há força que possa abalar os alicerces desta grande nação”, discursou Jinping. “Hoje, uma China socialista ergue-se de frente para o mundo.”

O socialismo foi um dos alvos de Bolsonaro na estreia dele na ONU: “Está dando certo na Venezuela, todos estão pobres e sem liberdade”. Se Nicolás Maduro não caiu por lá até agora, como queria Bolsonaro, a China é uma das razões. Dos 141 bilhões de dólares emprestados por chineses na América Latina, 67 bilhões (47%) foram à Venezuela. Em segundo lugar, o Brasil, com 19%.

A visita de Bolsonaro à China foi anunciada ao mundo nas Nações Unidas. Faz parte de um giro por Oriente Médio e Ásia, com paradas ainda no Japão, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes e no Catar. Curiosidade: o Catar é o país que mais concentra renda no 1% mais rico da população, 29% do PIB. O Brasil é o vice, 28%. Descobertas de uma pesquisa feita por economistas franceses.

A ida do ex-capitão a Pequim foi precedida de uma espécie de polimento de arestas por parte de alguns membros do governo. Um polimento necessário para tentar desfazer as desconfianças do governo de lá diante das posições de Bolsonaro no passado.

O vice-presidente Hamilton Mourão foi à China em maio encontrar-se com Jinping, o vice Wang Qishan e o chefe do parlamento comunista, Wang Yang. Foi logo após voltar que o general disse que o Brasil não vetaria a gigante chinesa Huawei no leilão da tecnologia 5G que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) planeja realizar em 2020.

“A China maoísta que dominará o mundo”

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse dias depois que não era bem assim. O Brasil ainda estudava restrições à Huawei, devido a senões americanos. Defensor de que Donald Trump é o salvador da civilização ocidental, Araújo pode ficar tranquilo. Trump anunciou no fim de junho, após falar com Jinping no Japão, que não há mais veto americano a negócios da Huawei.

Araújo foi outro a agir para desfazer arestas com chineses, embora ele próprio seja motivo de elas existirem, por causa de uns escritos em um blog: “Não será um novo governo (se o PT voltar), será um novo regime, um império do crime, apoiado no conluio entre as oligarquias nacionais e num novo eixo socialista latino-americano, sob os auspícios da China maoísta que dominará o mundo”.

Em julho, o diplomata recebeu em Brasília o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi. O encontro reativou um “Diálogo Estratégico Global Brasil-China” criado em 2012, no governo Dilma Rousseff. Em declaração após a conversa, Araújo disse que “a China é um importante parceiro comercial” e que “há um interesse recíproco de se ter mais investimentos chineses no País”.

O comércio é a maior razão para Bolsonaro ter se rendido à China. É nosso maior parceiro. Em 2018, o comércio entre os dois países foi de 98 bilhões de dólares, o maior da história. As vendas daqui para lá responderam por 26% das nossas exportações totais. As compras feitas lá representaram 19% de nossas importações totais.

Os grande interessados em boas relações com a China são os fazendeiros apoiadores de Bolsonaro. O que mais se exporta daqui para lá são alimentos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ajudou a polir arestas. Apoiou o candidato chinês para o lugar do brasileiro José Graziano Da Silva à frente da FAO, a agência da ONU para alimentação. Qu Dongyue tomou posse em julho.

Segundo um diplomata brasileiro experiente, a China não tinha razão para fazer jogo duro com Bolsonaro, daí ter aceitado numa boa a rendição do ex-capitão. “Os chineses são pragmáticos. Na briga com os Estados Unidos, precisam de suprimento seguro de alimentos. Se o Brasil não ferir um interesse muito específico da China, como Taiwan e Hong Kong, tudo bem para eles”, afirma.

Taiwan foi onde se refugiaram os chineses direitistas, liderados pelo general Chiang Kai-shek, na época da Revolução Comunista de 1949. Fizeram dali uma espécie de país e contaram com o apoio americano para isso. Mas os chineses não desistiram de recuperar a ilha. Em janeiro de 2019, Xi Jinping declarou que um dia ainda haverá reunificação e a ilha voltará a ser chinesa.

A 11ª reunião de cúpula dos Brics

Jinping estará no Brasil cerca de um mês depois da visita de Bolsonaro. Virá para a 11ª reunião de cúpula dos Brics, bloco do qual fazem parte também Rússia, Índia, China e África do Sul. A cúpula será nos dias 13 e 14 de novembro.

Houve uma reunião preparatória da cúpula um dia depois de Ernesto Araújo receber o chanceler chinês Wang Yi. Foi no Rio de Janeiro e contou também com a presença dos ministros da Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e da África do Sul, Naledi Pandor, e do ministro dos Transportes da Índia, V.K. Singh.

No Itamaraty, comenta-se que os preparativos são pró-forma e que a única utilidade do bloco hoje é o banco dos Brics. Segundo um diplomata, é impossível que russos e chineses tratem nesta reunião, ou em qualquer outra, de questões geopolíticas sensíveis. Sempre haverá o risco de seus planos serem revelados pelo Brasil aos EUA, devido aos laços entre Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Laços que afetam o Brasil. A Organização Mundial do Comércio (OMC) é dirigida desde 2013 por um diplomata brasileiro, Roberto Azevedo. Em setembro, a Índia avisou que não aceita um brasileiro à frente de uma negociação, dentro da OMC, sobre subsídios pesqueiros. Motivo: submissão do Brasil a Washington.

O que sairá da reunião dos Brics é um mistério. Um outro diplomata brasileiro, conhecedor da história dos Brics, diz que a visita de Bolsonaro a Trump em março seria suficiente para “arruinar” a cúpula dos Brics, diante dos inúmeros sinais de “alinhamento” entre Brasil e Estados Unidos.

Esse diplomata conta que na cúpula de 2015, na Rússia, os chineses propuseram um acordo de livre comércio no bloco, com apoio dos russos; e que os russos propuseram um acordo político sobre temas estratégicos, com apoio chinês. O Brasil foi contra naquela época, governo Dilma Rousseff, por achar que isso poderia aprofundar a dependência econômica e colocar o País em posição delicada perante os EUA . “Fizemos isso com muito cuidado, para não melindrar os parceiros. O foco era o banco dos Brics. E manter o pêndulo entre os Brics e o Ocidente, para não nos colocarmos na linha de tiro dos americanos”, comenta o diplomata.

O governo Michel Temer manteve essa linha, segue o diplomata. O então chefe do GSI, Sergio Etchegoyen, até recebeu um general russo, Nikolai Patrushev, no fim de 2017, a fim de dar andamento a uma agenda de cooperação militar, no que foi um sinal do “pêndulo”.

E à Rússia de Vladimir de Putin, Jair Bolsonaro também irá se render, como com a China de Xi Jinping?

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