Política

Bolsonaro faz aceno à sua base fiel e resgata pauta ideológica

O resgate de temas da agenda da extrema-direita é ‘uma maneira de deslocar a atenção das questões econômicas’, alertam cientistas políticos

Foto: EVARISTO SA/AFP
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A chamada pauta ideológica do governo Jair Bolsonaro virou desafio para a campanha de 2022. O presidente busca uma vitrine para expor à base mais fiel os temas de costumes, explorados em 2018. Aliados tentam resgatar propostas que foram travadas no Congresso ou no Supremo Tribunal Federal (STF).

O governo tem na lista de prioridades projetos também de segurança. Bolsonaristas querem impedir, por exemplo, a saída temporária de presos, além de ampliar o porte de armas para servidores públicos e afrouxar regras para aquisição de armamento por colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

Nas investidas mais recentes, o Planalto tenta legalizar a educação domiciliar e instituir um dia nacional de conscientização sobre os riscos do aborto. A proposta do homeschooling, que permite o ensino em casa, foi encampada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e, agora foi assumida pelo Ministério da Educação.

Em setembro de 2020, o STF não autorizou essa modalidade de ensino no Brasil, mas definiu que o tema deveria ser tratado no Congresso. Hoje, o governo trabalha com a bancada evangélica para arregimentar apoios na Câmara.

O acordo para a construção do texto foi costurado nas últimas semanas e entrou nas prioridades do novo ministro da Educação, Victor Godoy. Ele participou de reunião organizada pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), com a presença do presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). “O segmento conservador brasileiro entende que a opção dada aos pais de ensino domiciliar é importante aos que tiverem intenção e interesse. Sempre defendemos essa pauta”, disse Cavalcante.

Como mostrou a Coluna do Estadão, a relatora do projeto, deputada Luisa Canziani (PSD-PR), protocolou o parecer final na quinta-feira passada. Pela proposta, que já contraria aspirações iniciais do Planalto, os tutores devem ter ensino superior. Sugeriu que a reprovação por dois anos consecutivos vede a modalidade.

O tema não é novo no governo. A secretária nacional da Família, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Angela Gandra Martins, afirmou que o homeschooling não é ação isolada e que está na agenda desde o início da gestão. “Nós defendemos essa pauta não como o sistema educativo ideal, mas como liberdade dos pais de serem protagonistas na educação. O que mais importa para nós é oferecer essa segurança jurídica aos pais”, disse Martins.

O deputado Professor Israel (PSB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, disse que atua desde 2019 para “evitar que a pauta de costumes sequestre o debate da educação”. “Há uma intenção de usar o MEC como um palanque político para alimentar a base eleitoral mais aguerrida do presidente que se afeta por essas pautas”, afirmou. Segundo ele, o governo deveria enfrentar a evasão escolar e a crise de aprendizagem pós-pandemia da covid.

Agenda pública

Cientistas políticos apontam que o resgate de temas como homeschooling está relacionado à tentativa de controle da pauta em ano eleitoral, mais uma vez. Os temas são levantados, com a articulação de líderes do Centrão, ainda que frustrada a expectativa de aprovação.

“Mesmo que o governo não consiga a aprovação desses pontos, eles ajudam a ter um maior controle dos temas que serão do debate público em ano eleitoral”, disse o cientista político Rafael Cortez. “É uma maneira de deslocar a atenção das questões econômicas.”

De acordo com a cientista política e professora da FGV Graziella Testa, a agenda da Câmara está cada vez mais concentrada nas mãos do presidente Arthur Lira (Progressistas-AL), o que fará o governo depender do aliado para obter êxito. No entanto, ela corroborou a visão de Cortez: “Não é necessariamente tomar a decisão, mas definir o que vai estar na agenda pública”.

Aborto

Entram nessa agenda pautas como o aborto. Apesar de parados no Congresso, houve aumento no número de projetos contrários, até mesmo, à interrupção legal da gravidez. Levantamento feito pelo Estadão mostra que nesta legislatura 26 propostas tentam elevar a pena prevista, barrar a venda de remédios ou até facilitar a prisão da mulher que pratica o aborto hoje no Brasil. De 2015 a 2018, foram 16. O mais recente requer urgência para votar o “Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto”.

A oposição tem atuado para travar o debate desses temas e diz que há busca por votos. “Não me surpreende que queiram fazer mais projetos às vésperas da eleição. Primeiro, para retroalimentar essa base de extrema-direita, e, segundo, para não debater o que a população de fato quer debater neste momento: fome, emprego, preços dos combustíveis”, afirmou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), vice-líder do partido na Câmara.

Armas

Apesar de ter ganhado fôlego na campanha de Bolsonaro em 2018, a pauta armamentista pouco avançou no Congresso ao longo da gestão. Uma queda de braço entre oposição e governo resultou em ao menos 37 propostas sobre o tema protocoladas desde 2019.

Sem sucesso na via legislativa, o presidente tentou contornar o Congresso e apresentar decretos para afrouxar a regra e ampliar o acesso a armas e munições no País. O Supremo, porém, barrou em caráter liminar (decisão provisória) a maioria dos dispositivos. O julgamento aguarda pedido de vista de Kassio Nunes Marques, primeiro indicado por Bolsonaro à Corte.

Enquanto o STF não toma uma decisão, o governo tenta retomar o tema no Congresso. No Senado, Marcos do Val (Podemos-ES), aliado do Planalto, é relator de uma proposta que altera o Estatuto do Desarmamento e incha a categoria de CACs, a fim de permitir o acesso a armamento a mais pessoas. O tema voltou ao debate, mas a oposição tenta obstruir o encaminhamento do projeto. A assessoria de Marcos do Val informou que ele não poderia se manifestar.

Apoiadores da pauta, como a senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS), pedem parcimônia na condução das discussões. “Eu sou a favor da legítima defesa de forma responsável. Não dá para abrir a porteira”, afirmou. “Eu voto 99% com o governo, mas tenho mantido minha independência. Sou fiel às minhas pautas.”

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