Política

Blindagem de Aras a Bolsonaro provoca clima de levante interno no MPF

Associação dos procuradores deve ir ao Supremo contra o PGR por causa de um ofício ao ministro da Saúde sobre coronavírus

O procurador-geral da República, Augusto Aras Foto: Isac Nóbrega/PR
Apoie Siga-nos no

A blindagem que o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem feito de Jair Bolsonaro na pandemia de coronavírus provocou um clima de sublevação no Ministério Público Federal (MPF). Há boas chances de a revolta materializar-se em um mandado de segurança contra Aras no Supremo Tribunal Federal (STF) por parte da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

A entidade, segundo CartaCapital apurou, estuda acionar a corte contra um ofício enviado pelo procurador-geral ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 8 de abril. No documento, Aras pede para ser informado sobre todas as recomendações “a respeito do enfrentamento da pandemia do coronavírus” que membros do MPF tiverem encaminhado a órgãos federais.

A iniciativa de Aras pode ser interpretada como uma tentativa de impedir procuradores de agir para que funcionários do Ministério da Saúde resistam à pressão de Bolsonaro pelo relaxamento das quarentenas. “Esse ato dele [Aras] fere a independência funcional dos [procuradores]”, diz um subprocurador-geral. “A Casa [o MPF] está se sublevando.”

Em comunicado público nesta terça-feira 14, a ANPR informa que Aras enviou o mesmo ofício a 20 ministros, não só ao da Saúde. E reclama: “O PGR indica que poderá haver o reexame do conteúdo das recomendações, sob o pretexto de preservar a atribuição dos órgãos superiores do MPF, em flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional, garantida aos membros do MPF”.

O ofício surgiu dois dia depois de a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do MPF, ter emitido uma nota técnica que ilustra o poder de pressão, na forma de ameaça velada de processos judiciais, que procuradores têm sobre agentes públicos na pandemia. Uma nota de autoria da procuradora Deborah Duprat, que tem sido perseguida por Aras por defender os direitos humanos.

Para Deborah, gestores municipais e estaduais “não estão autorizados a adotar quaisquer medidas que, de algum modo, causem impacto no isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde”. Mais: em uma pandemia, esses gestores têm “espaço acanhado” para definir o que é serviço essencial; o poder de definir seria do Ministério e do presidente.

Em outras palavras, enquanto houver recomendação de quarentenas pelo Ministério e pela OMS, estados e municípios que relaxarem o isolamento social correm risco de tomar processo judicial do MPF. Em Brasília, por exemplo, o governador Ibaneis Rocha decidiu recentemente incluir dois setores como “essenciais” e permitir que voltem a funcionar: lojas de móveis e de eletroeletrônicos.

Aras mandou o ofício a Mandetta um dia depois de informar o Supremo Tribunal Federal (STF), através de seu vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, que não vê motivo para processar Bolsonaro, com base em crimes comuns que teriam sido cometidos na pandemia, como pediam queixas levadas ao tribunal.

Segundo essas queixas, o presidente violou o Código Penal ao ir às ruas em 15 de março festejar com seus apoiadores mesmo suspeito de infecção pelo coronavírus; ao pregar em cadeia de rádio e TV em 24 de março que as pessoas voltassem às ruas e à vida normal; ao passear pelo comércio da periferia de Brasília em 29 de março; entre outras coisas.

Dias antes de a Procuradoria engavetar essas queixas, Aras já tinha arquivado um pedido de processo contra Bolsonaro, também por atos a palavras na pandemia, que tinha sido formulado por 18 colegas subprocuradores.

Em outro gesto governista, Aras enviou ao Supremo nesta segunda-feira 13 parecer a favor de o presidente passar por cima das decisões de governadores e prefeitos e acabar com o isolamento social. O STF tem ao menos duas ações que tratam disso e em ambas os juízes dos casos tomaram decisões liminares a favor de estados e municípios, Marco Aurélio Mello e Luis Roberto Barroso.

Enquanto seu parecer ia ao tribunal, Aras dava entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na Radio Bandeirantes. Bolsonaro gosta de Datena e volta e meia fala com ele. Na entrevista, Aras adotou um discurso semelhante ao do presidente. Defendeu que é preciso levar em conta o impacto econômico das quarentenas, e não olhar só para a saúde.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo