Educação

‘Bailarino da Esplanada’, Weintraub dá sua contribuição para a greve geral

Afeito a musicais da Disney, o ministro da Educação empurra professores e estudantes para as ruas

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Abraham Weintraub demonstrou ser incapaz de imitar os passos de dança de Gene Kelly, de tocar gaita sem playback, de pronunciar o sobrenome do escritor Franz Kafka, confundido com uma iguaria árabe, de realizar uma simples conta de porcentagem com chocolatinhos e, sobretudo, de encarar os gigantescos desafios da educação pública no Brasil. Possui, porém, uma incontestável habilidade, que nem os seus mais ferrenhos opositores ousam questionar. Com a sua habitual truculência e inegável vocação para a comédia pastelão, Weintraub mobiliza as ruas como ninguém, ainda que os protestos se voltem, na realidade, contra o governo do qual faz parte.

Em 15 de maio, mais de 1 milhão de “idiotas úteis”, na definição de Jair Bolsonaro, tomaram as ruas das capitais de todos os estados e do Distrito Federal, além de outros 150 municípios do interior, para protestar contra o desmonte da educação pública. Logo após assumir o MEC, no início de abril, Weintraub dedicou-se ao combate do que define como “marxismo cultural”. Repetidas vezes instigou alunos a filmar professores com o objetivo de constrangê-los, por meio da maliciosa divulgação nas redes sociais, de trechos desses vídeos a “comprovar” a suposta “doutrinação de esquerda” nas salas de aula. O estopim da megamanifestação foi, contudo, a asfixia financeira imposta ao setor.

Quando anunciou os primeiros cortes, concentrados no Ensino Superior, Weintraub direcionou a navalha para apenas três universidades, UnB, UFF e UFBA, acusadas de promover a “balbúrdia”. Diante da reação generalizada à ilegal perseguição ideológica, optou por estender o castigo a todas as instituições de ensino federais, com um bloqueio de 30% dos recursos. A educação básica não foi poupada, como chegou a sugerir o ministro, ao dizer que poderia colocar dez crianças na creche com o que gasta com cada aluno de graduação. O governo federal bloqueou ao menos 2,4 bilhões de reais para investimentos em programas da Educação Infantil ao Ensino Médio.

“Quem está trazendo a crise para o governo é o ministro”, lamenta Rodrigo Maia, presidente da Câmara

Nos protestos de 30 de maio, que reuniram centenas de milhares de “inocentes úteis” – termo corrigido pelo presidente, que admitiu ser ofensivo tratá-los como idiotas –, Weintraub voltou a encarnar o papel de animador. Às vésperas das manifestações, que se alastraram por mais de 140 cidades, acusou professores de coagir estudantes a participar dos atos, além de disponibilizar um canal para recepcionar denúncias e reunir “provas”, eufemismo para os vídeos ilegais gravados sem o consentimento dos docentes.

Depois, ao som de Singing In The Rain e com um guarda-chuvas nas mãos, protagonizou outra inacreditável filmagem, na qual se dizia vítima de fake news e responsabilizava a bancada do Rio de Janeiro na Câmara pela redução do valor de emendas para obras de recuperação do Museu Nacional, destruído por um incêndio no ano passado. A patetice apenas serviu para expô-lo ao ridículo no dia dos atos, além de abrir uma desnecessária crise com deputados fluminenses.

Em entrevista ao Estado de S. Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não escondeu a perplexidade dos aliados diante do comportamento de Weintraub. “Quem está trazendo a crise para o governo é o ministro”, observou. “Primeiro, ele falou de corte, depois, em contingenciamento. Chamou as universidades para o conflito e depois falou: ‘Eu não disse isso, eu disse que era contingenciamento’. Aí faz um vídeo, um musical da Disney, no qual ataca a bancada do Rio”, acrescentou Maia, preocupado com uma rebelião dos deputados fluminenses em meio às negociações pela reforma da Previdência. O senador tucano Tasso Jereisatti também se diz assombrado. “Eu pensei até que era brincadeira quando vi o ministro cantando o musical de Gene Kelly. Isso é uma coisa que leva a uma frustração muito grande a quem está preocupado com o País. Dá um certo desânimo.”

O desânimo dos aliados é a arma da oposição. No rescaldo das manifestações de 30 de maio, Weintraub voltou a enfiar os pés pelas mãos. O Ministério da Educação divulgou uma nota baixando a censura nas escolas e universidades, ao dizer que professores, funcionários, alunos e até mesmo seus pais “não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar”. Em reação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão instaurou um inquérito civil e recomendou ao MEC, “na pessoa do seu ministro”, que “abstenha-se de cercear a liberdade” nas escolas e “promova o imediato cancelamento da nota”. O Ministério Público Federal fixou, ainda, um prazo de 10 dias para que a pasta responda se acatará ou não a recomendação.

O ministro semeou desavenças na Câmara, expôs uma cicatriz para justificar notas baixas na faculdade, perdeu-se na contagem de chocolatinhos e, agora, dedica-se à dança

“A pretexto de zelar pelo horário das aulas, tenta-se cercear garantias constitucionais, como a liberdade de pensamento e de associação, bem como o direito de participar de manifestações pacíficas. Essas são cláusulas pétreas. A Constituição só veda o anonimato e pede um aviso prévio às autoridades, e só para evitar a ocorrência de dois atos no mesmo local. Não é preciso autorização alguma para protestar”, esclarece o procurador regional Enrico Rodrigues de Freitas, um dos signatários da recomendação do MPF. “Ainda não recebemos resposta até esta terça-feira (4 de junho), mas vi que o site do MEC acrescentou uma nota explicativa, dizendo que o objetivo não era censurar ninguém. Para mim, isso não muda muito a situação. É preciso cancelar a nota e fazer uma retratação pública”.

Em caso de descumprimento, a Procuradoria deve pleitear à Justiça que a recomendação se converta em ordem judicial. Na avaliação de especialistas consultados por CartaCapital, a manutenção do comunicado cerceando a liberdade de manifestação poderia, no limite, resultar em um processo por improbidade administrativa. Recentemente, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte ajuizou uma ação civil pública contra Weintraub, cobrando uma indenização de 5 milhões de reais por danos morais em decorrência das condutas e declarações do ministro, como a ameaça de reduzir verbas de universidades que, “em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia”, palavras do dançarino da Esplanada.

Abraham foi capaz de unir seis ex-ministros da Educação, de diferentes governos, contra o seu projeto destrutivo

Weintraub conseguiu, ainda, o feito de reunir seis ex-ministros, de diferentes governos e variados espectros políticos, contra o seu destrutivo projeto. Até mesmo o ressentido Cristovam Buarque, do Cidadania, que integrou a equipe de Lula e aderiu à farsa do impeachment contra Dilma Rousseff, juntou-se aos petistas Fernando Haddad e Aloizio Mercadante nas críticas aos cortes orçamentários e à perseguição ideológica imposta pela gestão Bolsonaro. As políticas educacionais não podem ser “objeto de rinhas partidárias e de disputas menores”, resumiu Haddad. Os ex-ministros José Goldemberg (governo Collor) e Murílio Hingel (Itamar Franco) também compareceram no ato, que marcou o lançamento do Observatório da Educação.

Por conta do esforço de Weintraub, organizações sindicais apostam em uma expressiva participação de professores e servidores da educação na greve geral de 14 de junho. “Cada novo ataque ou chilique do ministro só coloca mais lenha na fogueira. Como sou de Pernambuco e estamos no período das festas de São João, não posso negar que isso me alegra”, comenta Heleno Manoel Araújo Filho, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, conhecida pela sigla CNTE. “Temos mais de 50 entidades filiadas, e todas elas aprovaram a adesão à greve em sessões plenárias. Estamos articulados com outras 35 associações dentro do Fórum Nacional Popular de Educação. A grande maioria das escolas, públicas e privadas, vai parar”.

O MPF deu prazo de dez dias para que o MEC “abstenha-se de cercear a liberdade” de professores, alunos e pais

De acordo com Eblin Joseph Farage, secretária-geral da Andes, o sindicato nacional dos professores universitários, o envolvimento dos docentes das instituições federais é mais do que uma reação a Weintraub, “é uma questão de sobrevivência”. Com a expansão do Ensino Superior iniciada nos anos Lula, explica, dobrou o número de alunos de graduação, mas não foram concluídas as obras para dar suporte à ampliação. De fato, houve a criação de 18 universidades federais e a inauguração de 173 novos campi. O número de estudantes passou de 113.263, em 2002, para 245.983, em 2014. “Houve uma forte inclusão de alunos de baixa renda, algo ótimo, mas sofremos cortes de verbas há quatro anos. É por isso que esse bloqueio nos fere de morte.”

Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, Eblin Farage chegou a ministrar aulas em uma sala improvisada num container há alguns anos. “Era uma instalação provisória, até a conclusão das obras do campus Rio das Ostras. Hoje, leciono em outra unidade, mas meus antigos colegas continuam nessa situação”, diz. “A unidade de Campos dos Goytacazes também tem contêineres e, devido a atrasos no pagamento do aluguel desses módulos, uma empresa ameaçou removê-los. Os estudantes tiveram de protestar para manter essas salas improvisadas, olha a que ponto chegamos. Em muitas universidades, falta até sabonete e papel higiênico. Avaliadores de bancas de mestrado e doutorado estão enviando seus pareceres por escrito, pois não há verba para custear a viagem deles.”

A conduta de Weintraub contribuiu para atiçar as ruas. Na foto, São Paulo no 30 de Maio.

Segundo o Painel dos Cortes, atualizado pela Andifes com dados do Sistema de Administração Financeira do Governo Federal, mais de 2 bilhões de reais seguem bloqueados para as universidades federais, o que representa 29,74% dos recursos previstos para este ano, descontadas as despesas obrigatórias com pagamento de salários e aposentadorias. Para completar a tragédia, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior anunciou na terça-feira 4 o bloqueio de mais 2.724 bolsas de mestrado e doutorado no País. Mais uma maldadezinha para empurrar professores e estudantes para as ruas.

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