Política

As mentiras (e a reunião) que tornaram Osmar Terra alvo da CPI da Covid

Propagador de fake news desde o início da pandemia, o bolsonarista está no centro das suspeitas de senadores sobre o ‘gabinete das sombras’

O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra e o presidente Jair Bolsonaro, durante evento em 2019. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Como parte do avanço da investigação sobre o ‘ministério paralelo’ que aconselhava ao presidente Jair Bolsonaro na pandemia, a CPI da Covid aprovou nesta quarta-feira 9 a convocação do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), apontado como o ‘cabeça’ de um grupo de médicos que compôs um gabinete extraoficial.

Terra é apontado como o organizador, em 8 de setembro do ano passado, de uma reunião no Palácio do Planalto em que Bolsonaro recebeu de médicos defensores de remédios ineficazes a sugestão de criar um ‘gabinete das sombras’.

“É como se fosse um shadow cabinet (gabinete das sombras, em inglês). Esses indivíduos não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade”, disse na ocasião o virologista Paolo Zanotto. No evento, que contou com a presença de médicos como Nise Yamaguchi, o presidente aparece ao lado de Osmar Terra, a quem participantes se referiam como “padrinho”.

A convicção de senadores é de que um ‘ministério paralelo’ está no centro da postura negacionista do governo federal em meio à emergência sanitária. Teria partido do grupo, por exemplo, a promoção de tratamentos comprovadamente inúteis contra a Covid-19, baseados em medicamentos ineficazes e na contaminação em massa da população. Tudo isso em oposição à prioridade na compra de vacinas.

O vice-presidente da CPI da Covid, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi um dos responsáveis por pedir a convocação de Osmar Terra à comissão. No requerimento, protocolado em 4 de junho, o parlamentar menciona a divulgação do registro do encontro do ‘gabinete das sombras’ em setembro passado.

“As imagens também apontam Osmar Terra como mentor intelectual do grupo. ‘Uma honra trabalhar com o senhor neste período’ afirmou Nise Yamaguchi ao deputado. Cabe ressaltar que, em depoimento à CPI, a dra. Nise negou a existência de um gabinete paralelo e disse que se tratava apenas de um aconselhamento. É de extrema importância para os trabalhos desta Comissão Parlamentar de Inquérito ouvir o testemunho do Deputado Osmar Terra, razão pela qual peço a aprovação do presente requerimento”, escreveu Randolfe.

Os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Humberto Costa (PT-PE) também protocolaram um pedido de convocação de Terra. Eles ressaltam que o deputado bolsonarista é defensor da chamada ‘imunidade de rebanho’ via contaminação, não por vacinação. Ou seja, para colocar fim à pandemia seria necessário expor milhões de brasileiros ao vírus.

“Parece claro que essa estratégia está diretamente ligada aos mais de 400 mil mortos pelo novo coronavírus”, argumentam os senadores.

Mas as conclusões sobre as ideias de Osmar Terra não são depreendidas apenas da reunião de setembro de 2020. O ex-ministro da Cidadania não hesitou em propagar mentiras sobre a Covid-19 desde o início da pandemia. CartaCapital reuniu algumas delas.

1. No dia 18 de março do ano passado, Terra declarou que o novo coronavírus mataria menos que o H1N1, que vitimou 796 pessoas em 2019.

2. Em 7 de abril, fez um previsão fantasiosa de que a Covid-19 mataria menos que a gripe sazonal no Rio Grande do Sul, mencionando 950 mortos. “Vai morrer menos gente de coronavírus em todo o Brasil do que gente no inverno gaúcho de gripe sazonal”, insistiu.

3. Em 9 de abril, em conversa com o então ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, Terra apostou em um total “entre 3 e 4 mil mortos”.

4. “Esta epidemia, na minha opinião, vai ser menor e com muito menos dano para a população do que a epidemia do H1N1, por exemplo”, reforçou Terra em uma entrevista no dia 18 de abril.

(Quatro dias depois, Jair Bolsonaro afirmou: “O número de pessoas que morreram de H1N1 no ano passado foi na ordem de 800 pessoas. A previsão é não chegar a essa quantidade de óbitos no tocante ao coronavírus”).

5. A poucos dias do início de abril de 2020, Osmar Terra declarou, em entrevista a uma rádio: “No H1N1 nós não fechamos um restaurante, ninguém pregou quarentena. E foi muito mais grave e matou muito mais gente do que o coronavírus vai matar”.

Abril do ano passado, a propósito, foi o mês que, segundo Terra, marcaria o ‘pico da epidemia no Brasil’.

6. “Nós vamos entrar junho já praticamente sem epidemia no Brasil”, disse em em 23 de abril. Ele repetiu a mentira no mês seguinte.

7. Em maio, em entrevista, também declarou que não seria possível uma pessoa se reinfectar com o coronavírus. “Isso não existe em um período curto de epidemia”, afirmou, negando o perigo das mutações do vírus.

8. As mentiras não pararam por aí. Em julho, em mais de uma oportunidade, disse que a pandemia caminhava para o fim, “sem vacina”.

9. Em 29 de setembro, meses antes de Manaus (AM) mergulhar no caos e antecipar o que todo o Brasil enfrentaria, Terra afirmou que “inventaram que no Amazonas ia ter uma 2ª onda, mas é uma bobagem, não vai ter”.

O ano mudou, mas a postura do deputado, não.

10. No início de janeiro de 2021, quando a capital amazonense vivia um dramático cenário de lotação de hospitais e falta de oxigênio, Osmar Terra foi às redes sociais para escrever que, “embora noticiário alarmista, Manaus tem queda importante de óbitos desde julho, mostrando uma imunidade coletiva (de rebanho) em formação e se manteve assim até o último dia do ano”.

11. Em 3 de fevereiro de 2021, declarou nas redes sociais que “não é verdade” que o Brasil depende da vacinação para vencer a pandemia.

Em depoimento à CPI da Covid em 19 de maio, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello confirmou que Terra levou ao conhecimento do governo a ‘tese’ negacionista da imunidade de rebanho.

“A tese é real. O que tem de novidade e faz a tese não ser plena é que você não sabe o grau de atividade dos anticorpos que serão criados”, analisou o general. “Osmar Terra me falou sobre essa ideia, mas muito superficialmente, me falando sobre o que ele achava”.

Ainda não há data marcada para o depoimento de Osmar Terra à comissão. A convocação, no entanto, vai ao encontro do que antecipou a CartaCapital o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM): aprofundar as investigações sobre o ‘ministério paralelo’.

“Três missões da CPI têm de ser cumpridas: quem foi omisso na compra de vacinas e na propagação de medicação falsa; o gabinete paralelo, que induziu o presidente ao erro, que mantém e não faz autocrítica; e se aprofundar para saber do Gabinete do Ódio, sobre a questão das fake news que propagaram na internet”, disse Aziz na entrevista, no fim de maio.

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