Política

Aras destoa das forças de contenção e alivia para Bolsonaro na pandemia

Única que pode acusar o presidente na Justiça, Procuradoria não quer processá-lo por alegada violação ao Código Penal

Foto: Roberto Jayme/ Ascom/TSE
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O Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e os militares têm funcionado como forças de contenção a Jair Bolsonaro na pandemia de coronavírus. O tribunal decide contra o presidente, o parlamento avisa que está pronto para derrotá-lo se precisar, os quartéis ajudam a segurar no cargo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apesar da fúria do ex-capitão com ele.

Há, porém, um instrumento destoante na orquestra. Justamente o único órgão autorizado a denunciar o presidente à Justiça, a Procuradoria Geral da República. Por delegação do procurador-geral, Augusto Aras, o vice-PGR, Humberto Jacques de Medeiros, acaba de informar o Supremo que o órgão não vê motivo para processar Bolsonaro por crimes comuns na pandemia.

Curiosamente, na véspera desse posicionamento, vinte procuradores haviam entrado na Justiça Federal no Pará para tentar impor ao governo obediência às determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e aproveitaram para um pedido específico: que Bolsonaro fosse obrigado a usar seu Twitter para defender tudo o que prega a OMS, e não o contrário, como ele tem feito.

O Supremo havia recebido algumas queixas contra o presidente de violação do Código Penal com atos e palavras durante a crise sanitária.

Uma das queixas, de 25 de março, citava o artigo 268 do Código, que define como crime “infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, conduta punida com prisão de um mês a um ano. Seu autor era o deputado federal mineiro Reginaldo Lopes, do PT.

O parlamentar listou 20 declarações de Bolsonaro sobre o coronavírus desde janeiro, a participação do ex-capitão nos atos bolsonaristas de 15 de março e o pronunciamento televisivo do presidente de 24 de março, no qual o ex-capitão falava em “gripezinha” e de algum modo incentivava as pessoas a voltarem à vida normal.

Quando Bolsonaro juntou-se a seus fiéis em 15 de março, era suspeito de estar infectado. Já havia então uma portaria do Ministério da Saúde sobre quarentena como medida antipandemia e um decreto do governo do Distrito Federal a proibir aglomerações acima de 100 pessoas. No dia do pronunciamento, o País estava oficialmente em estado de calamidade pública, válido até dezembro.

Uma segunda queixa, mais robusta, tinha sido levada ao STF em 30 de março, pelos partidos de oposição. Repetia a primeira, mas incluía um fato novo: o passeio de Bolsonaro pelo comércio da periferia de Brasília em 29 de março. Com a caminhada, o ex-capitão estimulou, pelo exemplo, como seu filho Eduardo tuitou, os brasileiros a não darem bola para o vírus e viverem numa boa.

Essa outra queixa apontava mais três crimes descritos no Código Penal: expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente (artigo 132, prisão de três meses a um ano), incitação ao crime (artigo 286, de três a seis meses) e prevaricação, que é quando um  agente público descumpre a lei por interesse pessoal (artigo 319, de três meses a um ano).

Antes de seu vice informar ao Supremo que a conduta presidencial não justificar um processo até aqui, Aras já tinha dado pistas, em gestos internos e entrevistas, de que bancaria o “engavetador-geral”. Engavetara, por exemplo, um pedido de 18 colegas subprocuradores para processar o presidente.

Um desses 18 não alimentava a ilusão de que a Procuradoria agiria diante das queixas ao STF. “Acredito que pedirá o arquivamento. Já está completamente desacreditado e colado no Bolsonaro, deve achar que o presidente tem força para nomeá-lo para o Supremo, que é o que ele quer,” dizia a CartaCapital.

Um outro colega, este já aposentado, tinha o mesmo palpite e via na delegação a Medeiros da tarefa de pronunciar-se perante o Supremo como um sinal do que viria pela frente. “Foi a saída encontrada por Aras de não colocar o garrancho dele no arquivamento”, afirmara.

Em uma entrevista ao Globo em 31 de março, Aras tinha sido claro sobre o que achava das atitudes de Bolsonaro, o responsável por indicá-lo ao cargo atual. Para ele, “o presidente tem a sua forma de pensar e não me cabe criticá-lo, mas tão-somente dizer que, do ponto de vista jurídico, a visita do presidente (ao comércio de Brasília) e a sua mobilidade não infringe por enquanto nenhuma lei”.

O direito de ir e vir é o argumento por um funcionário escolhido por Bolsonaro, o advogado-geral da União, André Mendonça, outro que sonha ser indicado pelo presidente a uma vaga no Supremo.

A visão benevolente com Bolsonaro na pandemia tinha sido reforçada por Aras no Estadão de 6 de abril. “O governo, na figura do presidente, tem liberdade de expressão e goza de certas imunidades”, disse. Mais: “Para cassar presidente, é preciso ir ao Congresso (com um pedido de impeachment, do qual a Procuradoria não participa)”.

Seu recado era cristalino: me incluam fora dessa. Agora cabe ao juiz que recebeu as queixas no Supremo, Marco Aurélio Mello, arquivá-las definitivamente, diante da decisão da Procuradoria de não agir. Ou Mello, que pendura a toga anoque vem, reserva alguma surpresa, em nome da contenção exercida pelo STF contra Bolsonaro?

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