Política

Aposta bolsonarista, Distrito Federal anuncia fim da quarentena

‘Reabertura total’ do comércio até 3 de maio, diz governador Ibaneis Rocha. Bolsonarismo queria que capital desse o exemplo

Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal. Foto: Renato Alves/Agência Brasília
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Em 6 de abril, o deputado-médico Osmar Terra (MDB), que é contra as quarentenas anticoronavírus decretadas por estados e prefeituras e tornou-se porta-voz de Jair Bolsonaro na defesa dessa visão, falou por telefone sobre a pandemia com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, um colega de partido. Pioneiro nas medidas estaduais de isolamento social, Rocha havia baixado cinco dias antes seu decreto mais restritivo: comércio fechado até 3 de maio, escolas idem até 31 de maio.

Terra queria saber se o governador poderia abrandar as restrições, em nome da economia. Três dias depois, o deputado falou por telefone também com o ministro da Cidadania, seu conterrâneo gaúcho Onyx Lorenzoni, sem saber que um outro aparelho seu estava ligado e tinha na linha um jornalista da CNN Brasil. E comentou: “Tem que ter uma política que substitua a política de quarentena. Ibaneis é emblemático. Se Brasília começa a abrir…”

Bolsonaro e Terra podem comemorar. Vem aí o desejado exemplo para os demais estados. Rocha decidiu pela “reabertura total” do comércio na data prevista no seu decreto do dia da mentira. Foi o que disse nesta quinta-feira 16 ao jornalista José Luiz Datena, ambos simpatizantes do ex-capitão. “A ideia é até 3 de maio a gente reabrir todo o comércio, então, está havendo reunião com todos os setores. Ontem, eu tive reunião com o pessoal dos shoppings centers, com o pessoal do comércio.”

Na volta da capital brasileira à normalidade, o governo local diz que vai exigir das empresas que forneçam aos funcionários máscaras, álcool em gel, tomada de temperatura e testes de covid-19. Também planeja distribuir 300 mil máscaras para a população, o equivalente a 10% dos habitantes do Distrito Federal.

O fim da quarentena é possível porque, segundo Rocha, a situação está controlada na sua jurisdição. No momento da entrevista dele, o Distrito Federal tinha 715 pessoas contaminadas e 17 mortes. Entre os infectados, 370 haviam se curado e 18 estavam na UTI. Os leitos de UTI disponíveis em hospitais públicos ou privados eram 300.

Distrito Federal suspendeu aulas e proibiu eventos acima de 100 pessoas a partir de 11 de março, quatro dias após confirmar seu primeiro caso de covid-19 (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)

Além disso, o governador abraçou a teoria da “imunidade do rebanho”, a mesma defendida por Osmar Terra. “As pessoas vão se infectar com esse vírus, você pode ter certeza. Nós só vamos ter a proteção exatamente quando a gente tiver o nível de 70% da população que tenha passado pela infecção do vírus, que aí você cria uma barreira natural”, afirmou.

DF foi pioneiro em adotar isolamento social

O Distrito Federal foi o pioneiro nas medidas de isolamento social no País. Suspendeu aulas e proibiu eventos acima de 100 pessoas a partir de 11 de março, quatro dias após confirmar seu primeiro caso de covid-19. Era uma mulher de 52 anos que tinha viajado à Inglaterra e voltara em 26 de fevereiro, com escala em São Paulo.

Ibaneis Rocha gosta de dizer que seguiu o modelo de Singapura. Exagero. O país asiático de 5 milhões de habitantes agiu rapidamente também, quando tinha ainda poucos casos. Mas fez testes em massa na população (o Brasil é um dos piores nesse quesito) e montou uma operação para rastrear todo mundo que havia tido contato com gente contaminada.

Singapura deteve o avanço do vírus, relaxou as restrições com tempo e agora vê uma nova onda de contágio. No dia em que  Rocha anunciou a “reabertura total” da economia, a nação asiática tinha recorde de infecções em um único dia, 728, o que elevou a 4.427 os casos totais. A reemergência da doença tem foco definido: trabalhadores imigrantes que compartilham dormitórios em complexos habitacionais próprios para eles.

O governador do Distrito Federal tem flexibilizado as restrições aos poucos, quase semanalmente, desde 27 de março. Começou por permitir a volta de casas lotéricas, pois elas fazem às vezes de bancos, e de lojas de conveniência. Depois foram os bancos em si, em seguida lojas de móveis e de eletrônicos.

 

A última dessas flexibilizações foi às vésperas da Páscoa. Rocha assinou-a e foi passar o feriado em Alagoas. Advogado rico, viajou em seu jatinho particular e foi criticado por não dar o exemplo e ficar em casa. Disse que foi apenas com familiares, que todos tinham passado por testes e que continuariam isolados, mas na praia.

Seu secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, é de Alagoas, formado em assistência social. Assumiu em 17 de março, seis dias depois da declaração mundial de pandemia. Substituiu Osnei Okumoto, farmacêutico bioquímico que tinha sido secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde no governo Michel Temer.

Ibaneis Rocha justificou a troca dizendo que precisava de “mais agilidade” para enfrentar o coronavírus. Araújo Filho tem laços com o governador Renan Filho (MDB) e o pai dele, o senador Renan Calheiros. Foi secretário de Assistência Social de Maceió quando o prefeito da cidade era um aliado de Calheiros, Cícero Almeida (2005-2012).

A passagem pela prefeitura custou-lhe um processo por improbidade administrativa que o tornou réu no Tribunal de Justiça de Alagoas. Araújo foi acusado pelo Ministério Público, em 2013, de contribuir, como secretário, para o enriquecimento ilícito de uma Oscip (Organização Social de Interesse Público), a Tocqueville. Firmou convênio com ela sem licitação e autorizou pagar-lhe 76 milhões de reais ao longo do tempo, dos quais 56 milhões eram desnecessários, segundo o MP.

Quando um estado ou município está em situação de emergência, a Lei de Licitações (8.666, de 1993) permite que feche contratos sem licitação. O Distrito Federal decretou estado de emergência por causa do coronavírus em 28 de fevereiro.

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