Política

Após o massacre, o prêmio

Por pouco Pedro Franco de Campos, então secretário de Segurança Pública, não foi promovido a juiz após os assassinatos

O antigo Carandiru, palco do massacre cometido pela Polícia Militar de São Paulo. Foto: Agência Brasil
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Depois do adiamento na última semana, o julgamento do Massacre do Carandiru recomeçou na segunda-feira 15 após mais de 20 anos do assassinato dos 111 presos em uma invasão da Polícia Militar de São Paulo ao presídio. Ao todo, 26 policiais responderão por 15 mortes ocorridas no segundo piso do pavilhão nove.

Esse é o primeiro dos quatro julgamentos de policiais envolvidos no episódio, ocorrido em 2 de outubro de 1992. A participação de mais 57 agentes em assassinatos de outros três blocos do pavilhão deve ser analisada durante o ano.

Todos esses policiais estavam sob ordens de Pedro Franco de Campos, então Secretário de Segurança Pública de São Paulo e presumido autor da ordem de invasão do presídio para conter uma rebelião. Campos sempre alegou que não conseguiu falar com o então governador Luiz Antônio Fleury Filho, que estava em uma viagem a Sorocaba naquele dia, tendo agido sozinho.

Com a repercussão do caso, o secretário deixou o cargo, mas sempre se especulou que ele teria assumido a ordem para proteger o governador. Fleury e Campos eram velhos amigos no Ministério Público de São Paulo. E, por segurar a barra, Campos “merecia” de Fleury um “prêmio de consolação”.

Um indício da recompensa por ter se mantido calado teria sido a indicação de Campos à lista de candidatos a uma vaga de juiz no 5º Constitucional do Tribunal de Alçada de São Paulo, em 1993. O nome do ex-secretário teria terminado na lista devido a uma jogada orquestrada por Fleury e o então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Odir Pinto Porto.

O 5º Constitucional é a forma assegurada pela Constituição para que, sem concurso público, advogados e membros do MP ingressem nos tribunais. Por este caminho, eles não enfrentam os cerca de 15 anos que um juiz pode levar para passar de uma vara ao tribunal.

Pelo 5º constitucional, como objetiva no momento a filha advogada do ministro do STF Luiz Fux, entra-se direto e com salário superior a 30 mil reais mensais. Esses tribunais são compostos, em rodízio, por 1/5 de advogados e de membros do MP. Quando há uma vaga disponível, os órgãos diretivos do MP e da OAB apresentam uma lista de candidatos.

À época de Campos, a lista era apresentada à cúpula do Tribunal de Justiça que escolhia um candidato para o cargo no então existente Tribunal de Alçada (atualmente, segue direto para o posto de desembargador no TJ). O plenário do TJ não escolheu Campos. “Os desembargadores rejeitaram porque perceberam esse jogo compensador e por não poder ser juiz alguém sob suspeita de haver incentivado um ato gerador de gravíssima violação a direito de seres humanos”, diz uma pessoa que acompanhou o caso.

Esse jogo, no Tribunal, teria sido orquestrado pelo presidente Odir Porto que, logo depois se aposentou e virou secretário de segurança pública do governo Fleury. Algo que causou mal estar no TJ, evidenciando a movimentação política por trás da indicação do nome de Campos.

Apesar de sempre ter negado a ordem de invasão, Fleury afirmou em 2001 que a teria autorizado “mesmo sabendo das consequências”. Entidades de direitos humanos e familiares de vítimas o responsabilizam pelo ocorrido. “O coronel Ubiratan Guimarães recebeu um ordem legítima e agiu corretamente. Se estivesse no meu gabinete na época, teria autorizado e autorizaria hoje, mesmo sabendo das consequências”, disse à Folha de S.Paulo.

À época, o ex-governador concorria a uma vaga de deputado federal, para a qual seria eleito. Paralelamente, em São Paulo, Ubiratan ganhava votos para deputado estadual explorando sua atuação no Carandiru. Ele também acabou eleito.

Naquele mesmo ano, a Justiça o condenou a mais de 630 anos de prisão por 102 mortes no presídio, mas o julgamento foi anulado em fevereiro de 2006. Meses depois, o coronel foi encontrado morto em seu apartamento.

Pedro Franco de Campos, que se tornou diretor da faculdade FMU (cargo que não ocupa mais), não é réu nas ações sobre o massacre, assim como o ex-governador Fleury. Ambos devem participar do julgamento apenas como testemunhas de defesa dos 26 réus.

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