Política

Apesar de registros, parlamentares não assumiram indicações no orçamento secreto; veja quais

Levantamento feito pelo GLOBO nos documentos entregues pelo Senado ao STF mostra que somente R$ 11 bilhões de um universo de R$ 36,4 bilhões foram integralmente mapeados

Apesar de registros, a deputada Flavia Arruda (PL-DF) não admitiu ter indicado emendas do orçamento secreto. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Apesar da determinação da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que o Congresso Nacional desse transparência às indicações do orçamento secreto, a origem de 70% dos recursos das emendas de relator continua sendo um mistério. Levantamento feito pelo GLOBO nos documentos entregues pelo Senado à Corte mostra que R$ 11 bilhões de um universo de R$ 36,4 bilhões foram integralmente mapeados, ou seja, identificados os responsáveis pelas destinações e as cidades por eles beneficiadas. A despeito de haver registros, como ofícios de órgãos públicos, há parlamentares que não assumiram indicações de recursos.

O orçamento secreto, criado em 2019, utiliza as emendas de relator (identificadas pelo código RP-9) para ampliar, sem transparência, a quantia de recursos públicos que congressistas podem enviar a seus redutos eleitorais. O mecanismo tem sido usado pelo governo de Jair Bolsonaro para angariar apoio no Congresso, beneficiando deputados e senadores que se alinham ao Palácio do Planalto em votações, por exemplo. As distorções provocadas por esse sistema motivaram o STF a determinar que os nomes de todos os beneficiários fossem revelados.

Após a ordem, deputados e senadores foram instados pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a informarem quanto e para onde enviaram as fatias a que tiveram direito do orçamento secreto. Os documentos reunidos por Pacheco têm informações de 404 dos 594 congressistas. Outros 190, contudo, não prestaram contas.

Na lista dos que não atenderam ao pedido para revelar quanto indicaram está o deputado João Carlos Bacelar (BA), integrante histórico do PL, mesmo partido de Bolsonaro. O parlamentar aparece em ofícios da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) como o autor de emendas para a realização de obras em municípios da Bahia. Nos ofícios remetidos por Pacheco ao Supremo, no entanto, não aparece o nome dele. Procurado, o deputado não explicou o motivo da ausência.

O mesmo caso ocorreu com o deputado José Nelto (GO), que deixou o Podemos recentemente para se filiar ao PP, sigla do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI). Em ofícios da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, Nelto consta como o autor da “demanda apresentada (…) junto ao MDR, que tem como objetivo suprir os municípios de infraestruturas viáveis que possam dar melhores condições de vida à população”.

Procurado, o deputado afirmou defender que todas as emendas sejam publicadas para saber “quem são os donos do orçamento”.

— Eu e mais 500 parlamentares (tivemos emendas de RP9). Pedi para a minha assessoria enviar para o Rodrigo Pacheco. A minha determinação é transparência total — afirmou ele.

Por meio de sua assessoria, Pacheco informou que ainda não recebeu nenhum novo ofício, mas que o “Congresso está aberto a recebê-los” e, se for o caso, encaminhá-los ao Supremo.

A ex-ministra e atual deputada Flávia Arruda (PL-DF) é outra que não admitiu ter indicado recursos. Quando ainda era parlamentar, ela chegou a “solicitar” o envio de R$ 5 milhões de verba da Codevasf para “ações no Distrito Federal”, conforme revelou o jornal “O Estado de S. Paulo”. No ofício, ao se referir ao valor, ela escreveu que o “referido compõe o limite orçamentário a mim disponibilizado”.

Aliada de Lira, a deputada comandou até março deste ano a Secretaria de Governo, pasta responsável pela articulação política do Palácio do Planalto e, na prática, responsável por negociar a liberação de recursos a parlamentares. Questionada sobre o assunto, ela não respondeu.

Além de Nelto, Bacelar e Arruda, pelo menos outros 59 parlamentares que constam em listas internas do governo Bolsonaro como beneficiários do orçamento secreto não informaram a indicação de emendas. Entre os que ficaram fora estão o relator da CPI da Covid e ex-presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (MDB-AL); o ex-presidente e o atual da bancada evangélica, deputados Cezinha de Madureira (PSD-SP) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

Renan negou ao GLOBO ter indicado qualquer valor no orçamento secreto. Cezinha, por sua vez, afirmou ter informado Pacheco, embora seu nome não esteja na relação enviada ao STF. Sóstenes não respondeu.

Entre os congressistas que responderam, 31 deles enviaram ofícios ao presidente do Congresso com informações genéricas, que não detalhavam valores das emendas de relator que apadrinharam. Um dos que adotou tal estratégia foi o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP), que capitaneou o processo de distribuição dos recursos de RP-9 durante o período em que esteve no comando da Casa.

Na prática, a destinação funciona da seguinte forma: os parlamentares fazem recomendações ao relator do Orçamento, que, por sua vez, inclui essas demandas nas emendas que faz ao documento que define como será o investimento feito pelo governo. Alcolumbre e outros congressistas, contudo, apenas admitiram que apoiaram determinada emenda, mas não informaram quanto indicaram ou para qual obra. Somadas, todas as emendas gerais que o senador do Amapá apoiou chegam a R$ 17 bilhões, por exemplo.

O levantamento do GLOBO nos documentos enviados ao Supremo mostra o relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (União-AC), como autor da maior fatia das indicações, com R$ 468 milhões. Pela função que exercia, cabia a ele registrar todos os pedidos de verba, mesmo não sendo o verdadeiro padrinho da emenda.

A mãe do ministro Ciro Nogueira, senadora Eliane Nogueira (PP-PI), aparece na sequência, com R$ 399,3 milhões, o maior montante entre parlamentares sem qualquer cargo de destaque. Suplente do filho no Senado, ela assumiu o mandato apenas em julho do ano passado, após Ciro ser nomeado no governo. Questionada, a parlamentar disse que atua para “atender as necessidades e demandas do povo do Piauí com total transparência”.

Na terça-feira, Lira defendeu o orçamento secreto afirmando que apenas os deputados e senadores sabem das reais necessidades de suas bases eleitorais.

— Somos 600 parlamentares que vão e voltam para os seus estados, e só eles podem identificar o que deve ser feito com a infraestrutura (nas suas bases) — afirmou.

Procurada, Rosa Weber disse que não iria se manifestar.

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