Política

Agronegócio dividido? Lideranças divergem sobre escândalos ambientais

Parlamentares e especialistas comentam posições distintas entre figuras do agronegócio sobre a conduta ambiental do governo

Queimadas na Amazônia. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Apoie Siga-nos no

A agenda ambiental entrou de vez na pauta nacional. Nesta semana, o plenário do Congresso Nacional se transformou em uma comissão geral para debater a liberação de agrotóxicos e, em 4 de setembro, todo o parlamento se reuniu para discutir as queimadas na Amazônia. Governadores se encontram em fóruns, ministros visitam a região da floresta e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) se empenha para convencer o mundo de que atua em favor do meio ambiente.

A tentativa é transparecer que as ações estão coordenadas para solucionar os escândalos, mas, aparentemente, falta articulação em uma ala: as lideranças ruralistas. É o que mostram declarações de figuras do agronegócio que expõem rachaduras entre si.

A senadora Katia Abreu (PDT-TO), por exemplo, diz à imprensa que a retórica de Bolsonaro é “antiambiental” e ataca produtores rurais que são favoráveis ao governo. Uma divisão entre setores do agronegócio? Foi o que sugeriu ao jornal O Estado de S. Paulo:

“Os produtores estão enganados. Os produtores estão alegres hoje e poderão chorar amanhã. Temos o agro que produz na roça, que apoia o Bolsonaro. Mas o agro tem outras cadeias: a produção de insumos (adubos, fertilizantes e agroquímicos), o processamento (frigoríficos, esmagadores de soja) e industrialização e os transportadores. Esses três últimos estão desesperados, porque quem vai bater na porta com a cara e a coragem para vender são eles. Isso é tudo agronegócio também”, disse a ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em entrevista publicada no dia 13 de agosto.

Na contramão de Katia, o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Marcelo Vieira, fez elogios às decisões ambientais do governo. Ao mesmo veículo, disse que o escândalo internacional sobre as queimadas é fruto de “países concorrentes do Brasil”. Não houve tom crítico a Bolsonaro.

“O governo federal está falando em montar uma força-tarefa para solucionar o problema. É a estratégia correta”, afirmou Vieira, em 23 de agosto. “As discussões dentro dos ministérios e no governo estão indo na direção correta.”

CartaCapital procurou Katia e Vieira para questioná-los sobre quais são as aparentes divergências entre setores do agronegócio em relação às políticas ambientais do governo. No entanto, ambos recusaram ceder entrevista.

Fato é que, no exterior, os reveses crescem. Nesta semana, um grupo de 230 investidores manifestou preocupação com a crise do desmatamento na Amazônia e pediu que empresas adotem políticas de fiscalização e transparência. Alemanha e Noruega já suspenderam recursos de apoio à preservação. E o tema, possivelmente, será pauta na 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, na próxima semana.

Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

As políticas ambientais dividem o agronegócio?

Para o deputado federal Neri Geller (PP-MT), da comissão de Meio Ambiente da Frente Parlamentar da Agropecuária, “a questão ideológica não tem que ser posta na mesa”, mas ele admite que houve “erros de comunicação” entre o governo e lideranças do agronegócio. O parlamentar esteve no estado do Pará, com governadores, ministros, membros do Exército e órgãos de fiscalização, para discutir o combate aos incêndios criminosos.

“A questão ideológica, nesse momento, tem que ser deixada de lado. Nós estamos falando de soberania nacional e de desenvolvimento econômico e social. E a atividade econômica mais forte, hoje, com certeza é a produção, desde a produção de soja, pecuária e a agroindustrialização que está avançando muito no Centro-Oeste e no Norte do país. Então, a gente tem que fazer a discussão técnica, sem paixão política, nem direita, nem esquerda, nem de centro. Não estou fazendo crítica à ex-ministra Katia Abreu e nem ao presidente Bolsonaro. Acho que teve alguns erros de comunicação, alguns excessos, isso sim, mas também quero ser justo. Vejo que há, por parte do governo, um alinhamento com os governos dos estados.”

Geller foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre 2014 e 2015, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Segundo ele, é necessário fazer um combate sistemático às atividades ilegais, no entanto, a seca é maior neste ano, o que aumenta a possibilidade de mais queimadas.

Ele defende o estabelecimento de uma regulação fundiária para captar os responsáveis pelos incêndios. A medida também é defendida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Durante evento em São Paulo, Salles afirmou que muitas terras não possuem registro e, portanto, estabelecer uma regulação permitiria “saber quem é o CPF que se responsabiliza pelo que está acontecendo”. A argumentação é a mesma de Geller.

“Neste ano a seca é muito maior do que historicamente, o que possibilita mais queimadas. É importante ressaltar que, onde tem produção, tem poucas queimadas, como no norte do Mato Grosso. Além disso, a maioria dos focos de incêndio se dá em beiras de BR, onde falta fazer manutenção em estradas, o que provoca o fogo e se alastra nas reservas onde não há segurança e controle maior. Diferente é nas áreas de produção, porque as queimadas prejudicam a rentabilidade do produtor. Ao queimar a mata onde se faz o plantio direto, é preciso queimar fertilizante e criar um ambiente negativo do ponto de vista da fertilidade do solo. Criou-se um estigma na imprensa com relação a algumas atividades ilegais, que precisam ser combatidas, mas é muito pouco. Acontece principalmente em assentamentos de reforma agrária, regiões mais longínquas, que não têm recurso nem domínio da tecnologia. Precisamos fazer um trabalho forte da regulação fundiária, para captar quem são os responsáveis por essas áreas”, diz.

Já o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG) ataca frontalmente as políticas ambientais do governo. O petista também foi ministro de Dilma Rousseff, em 2016, na pasta do Desenvolvimento Agrário. Ananias diz que a conduta do Palácio do Planalto no tema “é um desastre”, porque não apresenta nenhuma política ambiental. Sobre a divisão entre os setores do agronegócio, ele afirma que há divergências próprias das “relações humanas”.

“Certamente, dentro do agronegócio, nós temos uma síntese das relações humanas. Então, embora seja um setor marcadamente mais conservador, é claro que existem, também, diferenças internas entre eles. Temos um setor, digamos, mais retrógrado, que não tem nenhuma sensibilidade social e ambiental, ‘é o meu ganho aqui e agora’, não tem nenhuma perspectiva de futuro. E, certamente, tem algumas pessoas com maior sensibilidade, com relação ao meio ambiente, por exemplo, até porque a questão é fundamental para a agricultura”, explica o deputado.

“Avanços sobre as fronteiras agrícolas sempre foram feitos à base da derrubada de florestas, das queimadas, do conflito fundiário e da tomada de terras”, diz pesquisadora

E que divisão é essa?

Na avaliação de especialistas, é difícil caracterizar a divisão entre lideranças do agronegócio entre quem se preocupa e quem ignora a preservação ambiental. A discussão é estratégica. Esta é a visão da doutora em Geografia Humana e professora da Universidade Federal do ABC, Yamila Goldfarb. Segundo ela, a degradação ambiental pelo agronegócio não é um fato novo. No entanto, agora há um discurso presidencial que estimula estas ações.

“Tem questões do ponto de vista estratégico que alguns setores não conseguem enxergar. Primeiro, o agronegócio brasileiro, principalmente o agroexportador, que exporta commodities, sempre foi devastador. Avanços sobre as fronteiras agrícolas sempre foram feitos à base da derrubada de florestas, das queimadas, do conflito fundiário e da tomada de terras de comunidades tradicionais. Então, não há grande novidade no que está acontecendo. O que existe é que, desta vez, há um discurso que legitima essas ações. Então, quem tem uma mente minimamente estratégica, sabe que esse discurso é um tiro no pé. Porque, para exportarmos commodities, temos que cumprir uma série de acordos que dizem respeito à preservação do meio ambiente”, opina.

Na avaliação dela, é possível que alguns setores da agropecuária vejam vantagens na conduta ambiental do governo, enquanto outros sentem impactos negativos de forma direta.

“Quem bota fogo em floresta são pessoas que estão grilando terras e que vão vendê-las para produtores rurais. O produtor, depois, tem que vender. E a agroindústria, que vai comprar, vai processar e vai vender, está em outro momento da cadeia produtiva. Então, de fato, a cadeia do agronegócio é muito extensa. E setores da ponta, num extremo inicial, quem está produzindo os insumos, e num extremo final, os que vão processar as commodities para vender, talvez sejam sim prejudicados pela ação desse setor que está no meio da cadeia, que é o da produção em si.”

Doutor em Geografia e professor da Universidade de Brasília, Juscelino Eudâmidas Bezerra avalia que a estratégia “hard power” do governo colaborou para as primeiras fraturas no campo político-empresarial que ajudou a eleger Bolsonaro. Nesta estratégia, por exemplo, o presidente deslegitimou dados científicos apresentados por institutos tradicionais, demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), rebateu críticas de líderes internacionais e colocou sob suspeita a atuação de organizações dedicadas à preservação do meio ambiente.

A explicação mais visível para as fissuras iniciais é o risco de países europeus boicotarem os produtos vendidos pelo Brasil. A ideia foi sinalizada pela Finlândia, presidente rotativa da União Europeia, que sugeriu aos países associados a suspensão de compras do mercado brasileiro. Marcas internacionais também já anunciaram a interrupção nas relações comerciais com fornecedores de couro.

Mas o professor também indica que o “hard power” de Bolsonaro contrasta com uma campanha que os ruralistas adotaram desde os anos 1990 para transmitir uma imagem de sensibilidade e modernidade. Ele lembra que o próprio termo “agronegócio” não era utilizado até aquela época. A adoção do nome teve a intenção de, justamente, desfazer associações do setor a conflitos por terra, massacres no campo e violações de leis ambientais por latifundiários. Anos depois, quando a própria televisão reproduz a ideia de que “o agro é pop”, promover discursos austeros representa, a algumas alas, retrocessos em uma campanha que há anos é construída.

Por outro lado, para o professor, há uma questão geopolítica que deixa certos produtores despreocupados com o rigor na legislação ambiental. Apesar de países europeus alardearem o cenário brasileiro, diz o professor, é a China que representa maior parte da compra de nossas commodities e, ao mesmo tempo, não apresenta exigências duras quanto à regulação ambiental. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entre janeiro e agosto de 2019, 32,38% das exportações brasileiras foram para a China, à frente da União Europeia (17,73%) e dos Estados Unidos (7,36%). Em 2018, os chineses compraram quase 80% da soja brasileira.

“Alguns produtores, sobretudo os que fazem o produto e o põem em circulação, e que não dominam toda a rede, eles estão preocupados em saber o custo da produção e o quanto ele vai ganhar no final. E há uma questão geopolítica que envolve a China. A commodity brasileira mais importante é a soja, e a China é a maior compradora. Eu pergunto: o que a China demanda em termos ambientais e sociais? Nada. Então, um produtor do Mato Grosso que vende sua produção para a China, por que ele vai se interessar em saber se está seguindo alguma regra ambiental? No dia em que a China mudar suas práticas de compra, talvez haja alguma mudança”, argumenta o professor.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo