Política

Acampamento bolsonarista “300 do Brasil” é uma organização paramilitar?

Relato de jornalista infiltrada sugere uma associação do tipo, proibida pela Constituição, um risco ao partido presidencial

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Apoiadores fanáticos de Jair Bolsonaro acamparam em Brasília. Autointitulam-se “300 do Brasil”. Dali saíram participantes de uma manifestação a favor do presidente no domingo 3, na qual jornalistas foram agredidos. A Polícia Civil da capital brasileira investiga a agressão, a pedido do Ministério Público Federal. Será que irá se deparar com uma organização de natureza paramilitar?

O nome do acampamento tem alusão bélica (“300 de Esparta” foram guerreiros que derrotaram epicamente tropas persas muito maiores). E a descrição do grupo feita por uma jornalista, Jessica de Almeida, infiltrada em suas comunicações de Whatsapp sugere algo paramilitar. Organizações desse tipo são proibidas pela Constituição: “É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”.

“O caráter paramilitar que torna imprópria a associação tem que ver sobretudo com o modo como desenvolve as suas atividades, em desafio ao monopólio da força bruta pelo Estado. É recorrente na associação paramilitar a adoção de estrutura interna similar às das forças militares em termos de hierarquia e princípio de obediência.”

Essa definição está em um livro de 2013, “Comentários à Constituição do Brasil”. Um dos quatro organizadores da obra é um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes – os outros são José Joaquim Gomes Canotilho (jurista português), Ingo Wolfgang Sarlet (ex-juiz do Tribunal de Justiça gaúcho) e Lenio Luiz Streck (professor de Direito Constitucional).

Se ficar caracterizada uma “organização paramilitar”, há risco para o partido bolsonarista, o Aliança Pelo Brasil. “É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar”, diz a Constituição. Para Eugenio Aragão, ex-vice-procurador-geral eleitoral, seria possível pedir o indeferimento do registro do Aliança, ainda pendente de aprovação na Justiça Eleitoral, caso haja “conexão” entre membros da sigla e o grupo “300 do Brasil”.

Para ele, o relato de Jessica de Almeida “justifica” enquadrar o acampamento como “paramilitar”. O que a jornalista narra aproxima-se da definição de “organização paramilitar” do livro “Comentários à Constituição do Brasil”. Ela deu no Twitter um testemunho sobre o que viu em conversas do “300 do Brasil” no Whatsapp. E fez denúncia formal à Polícia Civil de Brasília.

“Participo anonimamente do grupo 300 do Brasil. Se apresentam como ‘o maior acampamento pelo fim da corrupção e esquerda no Brasil’. Prometem fazer uma ‘contrarrevolução’ e provocam os participantes: ‘Você não é mais um militante. Você é agora um militar’”, escreve Jessica em um post.

Segundo ela, há “treinamentos, recomendações para ‘roupas adequadas pra treinamentos físicos de combate’”. E prossegue: “Esteve marcado para ontem [2 de maio] um treinamento ‘com os melhores em estratégia e inteligência’. São proibidos vídeos e fotos, exigem roupa adequada para um treinamento físico de combate e recolhimento de celulares”.

Ao convocarem os interessados para acamparem em Brasília, os líderes do grupo pediram, segundo Jessica, que as pessoas levassem “coisas comuns em acampamentos, além de ‘itens que você levaria para uma guerra na selva! Te esperamos para a guerra!’”.

Para “inflamar” o grupo, os líderes usam, afirma a jornalista, “termos que vão do amedrontamento e extermínio da esquerda à tomada de poder”. Mais: “Em um dos poucos vídeos dos participantes, já em Brasília, alguns aparecem enfileirados e gritando palavras de ordem, numa forte demonstração de aspiração militar”.

Um desses “poucos vídeos” revela um ar de clandestinidade. Nele, uma moça branca de camiseta preta e cabelo claro diz: “Nós temos um QG, um centro administrativo, como você quiser falar. Onde fica? Não vou falar porque eu não quero gente indo lá, a esquerda indo lá e estragando tudo”. E conta que há mais de 200 alojamentos, refeição e banheiro separado para homem e mulher.

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