Política

500 dias de Lula na prisão: as dores e a resistência do ex-presidente

Em Curitiba, no cárcere da Policia Federal, apesar dos percalços e das fatalidades, Lula resiste

Foto: Wanezza Soares (Foto: Wanezza Soares)
Apoie Siga-nos no

Era final de tarde, quinta-feira, 5 de abril de 2018, quando o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, decretou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, o líder petista se deslocou rapidamente para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP), seu berço político. A batalha começava pelas ruas e avenidas. O carro que levava o ex-presidente foi seguido por repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Do alto, helicópteros acompanhavam ao vivo para a televisão. O Brasil parou e espetáculo midiático de uma prisão anunciada teve início.

Começava uma agonia que hoje completa 500 dias. Neste ínterim, passo a passo, a história do País começava a ser recontada. Uma espécie de antes e depois. O mandado de prisão estipulava que o réu deveria se apresentar à Policia Federal, em Curitiba, até as 17 horas do dia seguinte. Protegido por um pelotão de milhares de pessoas que cercavam a sede do Sindicato, Lula resistiu. A desobediência civil era apoiada pela multidão.

Foram horas de negociações. Antes de se entregar, Lula fez um discurso histórico. “Não sou mais um ser humano, sou uma ideia” afirmou. E concluiu dizendo que “os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera”. Em Curitiba, no cárcere da Policia Federal, apesar dos percalços e das fatalidades, das dores e poucas alegrias, Lula ainda resiste.

Chegada a Curitiba

Passava das 22 horas, quando o helicóptero que trazia Lula do aeroporto Afonso Pena pousou no heliponto da sede da Superintendência da Policia Federal, em Curitiba. Pouco mais de mil pessoas, entre militantes e simpatizantes, acenavam bandeiras e gritavam seu nome defronte o prédio. O ex-presidente desceu as escadas até o quarto andar, onde se encontra até hoje. Foi a senha para o batalhão da Policia Militar começar a atirar bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e balas de borracha contra a multidão. Por pouco não acontece uma carnificina. Até hoje não foi instaurado ou concluído nenhum inquérito para apurar os culpados. Naquela madrugada, a pouco mais de cinquenta metros, naquela que viria a se tornar a esquina Olga Benário, a então senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, conclamou que “não sairemos daqui enquanto o presidente Lula estiver preso”. Nascia, naquele instante, a resistência popular contra o arbítrio judiciário.

Acampamento

Nos dias subsequentes, as cercanias da sede da PF foram ocupadas por milhares de pessoas que improvisaram acampamentos nas calçadas e vias públicas. Cerca de 5.000 pessoas se revezavam. A Policia Militar cercou a área. Uma verdadeira batalha jurídica foi travada entre o município, o estado e os movimentos populares que apoiavam o ex-presidente. Ficou acordado um espaço delimitado para os militantes e um acampamento foi instalado há cerca de 1,5 quilometro para receber os manifestantes. Neste cenário, houve tentativas de mortes com tiros que atingiram três pessoas, sem vítimas fatais. Apesar das câmeras terem flagrado e identificado as pessoas e as placas dos carros, nenhum inquérito apontou os culpados. Os processos dormem nas gavetas da Policia Civil, em Curitiba. Atualmente, um espaço privado foi alugado, bem em frente à sede da PF, onde está instalada a Vigília Lula Livre.

TRF-4 manda soltar Lula

No domingo, 8 de julho de 2018, por decisão do desembargador Rogério Favreto, o Brasil é surpreendido com a notícia que Lula seria solto naquele dia. Favreto acolheu um habeas corpus impetrado na sexta-feira, 6, pela defesa de Lula. “Cumpra-se em regime de urgência nesta data mediante apresentação do Alvará de Soltura ou desta ordem a qualquer autoridade policial presente na sede da carceragem da Superintendência da Policia Federal em Curitiba, onde se encontra recluso o paciente”, escreveu o desembargador. O então juiz Sérgio Moro, de férias em Portugal, interferiu no processo alegando que o desembargador não tinha competência para tanto. Assim, o relator da Lava Jato no Tribunal Regional Federal, João Pedro Gebran Neto, reverteu a determinação de Favreto.

A morte do amigo Sigmaringa Seixas

No dia de natal, 25 de dezembro, morre o advogado e amigo Sigmaringa Seixas. Foi a primeira perda pessoal que Lula teve após sua prisão. A defesa do ex-presidente pediu à Justiça permissão para que pudesse comparecer ao velório, mas foi negado o direito. Em menos de uma hora, o juiz plantonista, Vicente de Paula Ataíde Junior, rejeitou o pedido sob a justificativa que prisioneiros só podem sair para velórios de “cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”. Em pouco mais de trinta dias, contrariando esta mesma decisão, Lula teria outro pedido negado.

Vavá, o irmão, morre de câncer

Aos 79 anos, Genival Inácio da Silva, o Vavá, faleceu vítima de um câncer. A defesa do ex-presidente solicitou permissão para que o réu comparecesse ao velório e sepultamento. A juíza Carolina Lebbos, substituta de Sérgio Moro, acatou as manifestações da Policia Federal e Ministério Público Federal que alegavam não haver tempo para hábil para elaboração de uma logística de transporte até São Bernardo do Campo, SP. Os advogados apelaram para o Supremo Tribunal Federal e argumentaram que, mesmo preso durante a ditadura militar, em 1980, Lula obteve autorização para comparecer ao velório da mãe, Dona Lindu. A decisão final, assinada pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que autorizava a viagem, saiu poucas horas antes do sepultamento. Mais uma vez a Justiça negava a Lula seus direitos.

Arthur, a tragédia de Lula

A morte do neto de 7 anos, no dia 1º de março, abalou profundamente o ex-presidente. A sequência de tragédias e mortes preocupou amigos, familiares e os militantes. Desta vez, a Justiça permitiu que Lula comparecesse aos funerais. Na petição, a defesa se comprometia a “não divulgar qualquer informação relativa ao trajeto que seria realizado”. Lula viajou sob um fortíssimo esquema de segurança. Não foi permitido qualquer contato com o público. Foi repreendido por um policial porque ousou acenar para a multidão. Em Curitiba, fontes da própria PF comentaram que o plano de voo do piloto do helicóptero previa a saída da aeronave, do heliponto, pelo lado direito, sobrevoando a vigília. Era a oportunidade de ele enxergar, pela primeira vez, os militantes de plantão.

Entrevistas

Após uma longa batalha judicial, finalmente o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu a decisão do ministro Luiz Fux que proibia Lula de conceder entrevistas enquanto estivesse detido. Na manhã de 26 de abril, os jornalistas Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo e Florestan Fernandes Junior, de El País, se encontram com o ex-presidente. Lula, pela primeira vez, falava com a imprensa.

Vaza Jato

No dia 9 de julho, o jornalista Glenn Greenwald, editor do site The Intercept Brasil, divulgava o primeiro áudio contendo denúncias contra a Operação Lava Jato. Nele, o procurador da República, Deltan Dallagnol, comemorava, em 28 de setembro de 2018, às vésperas das eleições, a decisão do ministro Luiz Fux em proibir que o ex-presidente Lula concedesse entrevistas. As conversas envolviam ainda o ex-juiz Sérgio Moro e o grupo de procuradores que compunham a Operação Lava Jato. Desde então, uma série de denúncias têm vindo à tona. O Brasil e o mundo conhecem a verdade.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar