Opinião

Vá com medo e por causa do medo, mas vá!

Nestes dias tão tenebrosos para o Brasil, vemos mais de uma iniciativa no sentido do enfrentamento do medo

Onde há dominação, há também resistência
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“E não há ativismo que não desperte o Medo (Phobos) e o Terror (Deimos).
Gustavo Barcellos

O relatório da “Anistia Internacional”, divulgado na quinta-feira 27, informa que a região das Américas continua sendo a mais perigosa para defensores de direitos humanos e jornalistas. O Brasil, em particular, registrou notável retrocesso nesses e em outros temas ligados aos direitos humanos, no ano de 2019.

Em “Mitologias Arquetípicas”, de Gustavo Barcellos (Editora Vozes), lemos:

“Na guerra, Phobos, seu filho, ia antes de Marte, ia na frente. Marte ia depois dele. Isso é uma lição também. Vá com medo e tudo! Vá por causa do medo, levado por ele. A lição talvez seja: não há como amar, ou estar na vida e suas lutas, sem medo. Então é um delírio não querer sentir medo, vencer o medo. Não é o medo que você deve vencer. Você tem de enfrentar o desafio que está ali, não vencer o medo…Precisamos da coragem para ter medo – uma contradição em termos – e ter medo para reconhecer a coragem. As pessoas não querem ter medo, porque não têm coragem para senti-lo. O medo faz parte da batalha… o que a mítica está nos dizendo é…: você precisa do medo para amar, para lutar na vida, para estar nos “labirintos perigosos”

Veremos essa lição no ápice do drama cristão: o momento em que o Cristo, crucificado, pede ao Pai que afaste dele o cálice de dor, humilhação e ódio. Entretanto, irá, de livre vontade, até a consumação do martírio redentor.

Nestes dias tão tenebrosos para o Brasil, vemos mais de uma iniciativa no sentido do enfrentamento do medo: em Alvorada, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, a qual registra altos índices de violência urbana, está sendo lançada a iniciativa “Escutar, Acolher e Agir”.

A proposta mantém similaridade com a Encíclica “Mater et Magistra” de São João XXIII, que instava os católicos a ver, julgar e agir. Neste momento de transformações tecnológicas tão rápidas na sociedade e de estratificação ainda mais violenta das classes sociais no Brasil – com a resultante criação de novos símbolos, linguagens e prioridades políticas – escutar tem de ser a prioridade maior, lembrando que a política é justamente a arte do estabelecimento delas.

Com efeito, uma das perguntas que não se tem feito sobre a ascensão do neo-pentecostalismo é sua afinidade com a descentralização, em contraposição com uma igreja católica extremamente hierarquizada, cuja verticalidade foi ainda mais acentuada sob João Paulo II e Bento XVI.

A forma sinodal de regência da Igreja, conduzida por Francisco, visa a reverter essa tendência, mas, evidentemente, encontra marcada oposição por parte dos setores conservadores, dentro e fora da Instituição. No Brasil, o desgoverno segue em sentido contrário, suicida, promovendo continuamente a concentração de renda e riquezas, até o colapso.

Em episódio simbólico, o sinistro do Turismo pediu a desclassificação de território indígena tupinambá, no sul da Bahia, para a instalação de resort turístico. Vale notar que os tupinambá – com a chegada dos portugueses a Porto Seguro – foram os primeiros indígenas a serem espoliados de terra e território.

Simbolicamente, a atual recolonização do Brasil mais uma vez investe sobre o parco território tupinambá renascente, para ser acaparrado por certa empresa “Vila Gale” (que, para os indígenas, não será nem vila nem vida, mas morte).

Surpreende como esse desgoverno possa ser tão incivilizado, grotesco e brutalmente predador.

Cabe perguntar se entenderam que o darwinismo culmina com a constatação de que as formas cooperativas são superiores às competitivas, como Leonardo Boff magistralmente demonstrou em mais de uma obra de sua extensa e brilhante produção intelectual.

Essa é a verdadeira razão da superioridade dos humanos sobre os demais seres: a capacidade de organização, em configurações tão complexas quanto as sociedades civis e os estados nacionais. Nesse sentido, as sociedades mais evoluídas são aquelas em que os direitos são mais amplos, sendo protegidos, promovidos e providos pelos estados.

Ao contrário, as mais atrasadas são as que permaneceram mais próximas da “lei da selva”, em que a “meritocracia” é máscara para a “competição” desigual, covarde, pois ricos e pobres são falsamente equiparados como detentores de iguais oportunidades, sendo o nascimento, porém, o determinante para o sucesso ou o fracasso individual.

De fato, o fascismo conhece apenas o engano, a mentira, a morte. Exemplar o fato da sinistra da Agricultura baixar portaria (pode-se ler porcaria), pela qual agrotóxicos serão automaticamente liberados caso não se conclua a avaliação toxicológica em 60 dias. Como toda a estrutura pública está sendo desmontada e aviltada, pode-se prever o que acontecerá, sem necessidade de exercício imaginativo…

Só resta a resistência: que todos aqueles atingidos pelo câncer acionem na Justiça a sinistra e o sinistro mor, o chefe dela, demandando-lhes indenizações milionárias que lhes comprometam, para sempre, o patrimônio amealhado graças a esse tipo de concessão criminosa às empresas produtoras de veneno. A boa notícia é que, em vários outros países, há precedentes.

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