Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Um abraço nas 200 mil famílias vitimadas pela Covid-19

Aos que permanecem indiferentes e banalizam o momento de sofrimento pelo qual atravessa o país, deixo o meu repúdio e desprezo

Foto: Manifestação em Copacabana em memória brasileiros mortos pela Covid-19 no Brasil. Foto: ONG Rio de Paz
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Trinta e um de dezembro de 2020. Cheguei ao final do ano viva e com saúde. Não acreditei. Não foi uma travessia fácil. De repente a vida parecia em suspenso. Os encontros, os abraços e os afetos deram lugar a horas a fio na frente do computador, em uma rotina de trabalho que parecia não ter fim. Medo, receio, incertezas, insônia e a sensação de que “roubaram” parte dos meus dias. Em agosto, a conta chegou. Procurei atendimento psicológico.

 

Confesso que não me sinto confortável ao relatar minhas dificuldades durante a pandemia. Olho a minha volta e vejo que, apesar de tudo, sou privilegiada. Com o home office, pude me proteger do coronavírus, enquanto milhões de trabalhadores foram expostos em ônibus e trens lotados, como também nas filas intermináveis da Caixa Econômica Federal. Tantos outros viveram as desventuras do trabalho informal. Quatorze milhões seguem desempregados. Em muitas casas, a fome bateu à porta.

Além disso, não experimentei o luto. Toda minha família, por parte de pai e de mãe, está bem e com saúde. Não perdi amigos próximos. No momento em que dedilho este texto, a imoralidade dos números salta aos olhos e aperta o coração. Em 24 horas, 1.841 mortes. Em dez meses, mais de 200 mil vidas perdidas, o que faz do Brasil o segundo País com o maior índice de vítimas da Covid-19. Dentre elas, pais e mães, filhos e filhas, avôs e avós, tios e tias, primos e primas, padrinhos e madrinhas, irmãos e irmãs, namorados e namoradas, noivos e noivas…

Luiz Rafael Rebouças perdeu o pai, a mãe e a irmã em um intervalo de 19 dias.

Em três dias, morreram os irmãos Paulo, Clóvis e Salete.

Em 24 horas, Valéria Alves recebeu o atestado de óbito das sobrinhas Danúbia e Vanessa.

Edilaine Novais enterrou o filho, que tinha apenas 9 anos.

Veridiana Duarte de Oliveira, noiva de Vinícius Telles, estava de casamento marcado, mas não resistiu às complicações da doença e faleceu no dia 17 de novembro.

Gésio Amadeu, Eduardo Galvão, Nicette Bruno, Paulinho do Roupa Nova e Genival Lacerda, entre tantos outros artistas, também tiveram a vida ceifada pelo coronavírus.

Muitas mortes poderiam ter sido evitadas, não fosse a irresponsabilidade de muitos, o desprezo pela vida e pela Ciência, a falta de uma coordenação nacional e de um Ministério da Saúde que mereça verdadeiramente esse nome.

É triste pensar que um país que se notabilizou pela eficiência dos programas de imunização e pela erradicação de doenças, como a poliomielite, não seja capaz sequer de comprar seringas e agulhas suficientes para dar início à vacinação contra a Covid-19.

É impossível imaginar a dor das famílias que sentiram na pele que a Covid não é apenas uma “gripezinha”. Só quem já está morto por dentro é capaz de dizer “e daí?!”, “a vida continua”.

Aos que permanecem indiferentes e banalizam o momento de sofrimento pelo qual atravessa o País, deixo o meu repúdio e desprezo.

Às mais de duzentas mil famílias enlutadas, que não puderam velar seus mortos, que não tiveram direito nem mesmo aos rituais de despedida, deixo o meu abraço.

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