José Marcelino de Rezende Pinto

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É professor titular da Universidade de São Paulo, fundador e ex-presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Opinião

‘Todos pela Educação’? Ou ‘pelo Mercado’?

‘É preciso tornar o Fundeb um fundo permanente, capaz de viabilizar uma educação básica pública de qualidade a todos os brasileiros’

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Não deixa de surpreender a reação da Sra. Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação (TPE) no artigo: ‘Não podemos constitucionalizar a ineficiência na educação’, publicado na Folha de S. Paulo no dia 24 de setembro. Embora fale em ‘evidências’, a articulista afirma que o país não precisa gastar mais que ‘R$ 5.500 por aluno por ano’ para assegurar a qualidade do nosso ensino. Curiosamente, até um mês atrás, em debate na Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), o representante do TPE, o Sr. Caio Callegari, afirmava que R$ 4.300 eram plenamente suficientes. Esse patamar inclusive foi assumido pelo MEC de Abraham Weintraub e citado em editoriais de O Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo.

Como as memórias de cálculo desses valores nunca são apresentadas, fica difícil entender a ampliação de 28% neste “número mágico”. Fica ainda a dúvida: R$ 5.500 para que etapa? Ensino Fundamental-Anos Iniciais, Anos Finais, Ensino Médio, Creche, Pré-escola? EJA? Educação do Campo?

Por responsabilidade, cabe aqui lembrar que R$ 5.500 por aluno ao ano é o valor mensal de uma escola privada de elite. Como se não bastasse, nenhuma escola privada com qualidade mediana sai por menos de R$ 19.500/aluno-ano (12 mensalidades + matrícula de R$ 1.500, em média). Este valor, portanto, é mais de três vezes aquele sugerido pela articulista para os estudantes das escolas públicas. Os “não-privilegiados” sempre vão ficar com menos? Fica a pergunta: quem é mais ineficiente? Escolas públicas que precisam administrar enorme escassez e lidar com adversidades de todo tipo ou as escolas privadas que cobram muito mais do que R$ 5.500/ano  e não enfrentam os mesmos desafios?

Os próprios relatórios e estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sempre citados e reivindicados por organizações como o TPE, indicam – edição após edição, ano após ano – que um país como a Coréia do Sul, considerado como um dos mais “eficientes” do mundo em educação, gasta três vezes mais que o Brasil.

A Minuta de Substitutivo da Profa. Dorinha (DEM-TO) é boa tecnicamente e constitucionaliza o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), mecanismo que busca articular a relação entre os insumos necessários para uma escola de qualidade com seus custos, ou seja, é um instrumento tanto de eficácia quanto de eficiência. Em outras palavras, o objetivo do CAQ é, essencialmente, garantir o bom uso dos recursos aplicados em educação, dando condições aos professores de ensinarem e dos alunos aprenderem.

O CAQ e o CAQi (Custo Aluno Qualidade inicial) decorrem do esforço de vários educadores e pesquisadores, tendo sido operacionalizados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e incorporados pelo Conselho Nacional de Educação, por meio do Parecer 8/2010 – revogado nesses tempos recentes de obscurantismo ultraliberal. O texto do CAQi no CNE teve como relator o Prof. Mozart Neves Ramos, que, vale lembrar, chegou a ser presidente executivo do TPE. É inegável que o sistema CAQi-CAQ é o melhor caminho para a justa busca por eficácia e eficiência no financiamento da educação básica, tanto é assim que os mecanismos constam do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. Além disso, todas as planilhas do CAQ estão disponíveis e justificadas em detalhada publicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, disponível on-line.

A articulista afirma, ainda, que se ‘constitucionaliza’ uma ineficiência de R$ 5 bilhões por ano – mais uma vez, faz discurso, mas não justifica seus números. Objetivamente, essa ineficiência é atribuída ao consistente texto que embasará o substitutivo à PEC 15/2015. Essa proposta, vale explicar, é um esforço de consenso entre os relatores da Câmara dos Deputados (Profa. Dorinha Seabra) e do Senado Federal (Flavio Arns, também professor) – ambos com profunda experiência e conhecimento do campo educacional.

Debater o Fundeb exige responsabilidade. Em nome de suposta “eficiência”, Priscila Cruz defende retirar, por exemplo, R$ 1,3 bilhão das redes estaduais da Bahia, Ceará e Pernambuco, ou R$ 413 milhões das redes municipais de Salvador, Fortaleza e Belém. Esse é o resultado da proposta de distribuição de recursos defendida por ela, pela sua entidade e pelo Ministério da Educação de Abraham Weintraub. O que sobraria para as crianças e jovens dessas redes após esse confisco de recursos? E para os estudantes quilombolas, do campo e matriculados na Educação de Jovens e Adultos de grandes municípios, também prejudicados? Curiosamente, demonstrando suposta sensibilidade, a articulista defende uma retirada de recursos dessas redes públicas em doses homeopáticas. Ou seja, propõe uma agonia lenta e gradual. Esse não pode ser o caminho.

Hoje, o Fundeb mobiliza recursos da ordem de 2,2% do PIB. Desses, a União participa com a apenas 0,2% do PIB, isto é, concretamente, com menos de 10% do total. Por outro lado, a mesma União fica com cerca de 56% da carga tributária líquida. A proposta de Minuta de Substitutivo da Profa. Dorinha amplia a participação federal para cerca de 0,8% do PIB. Para ficar bem claro, o governo federal ainda entraria com uma parcela inferior à metade do aporte de estados e municípios. Portanto, é um avanço, embora ainda distante da justiça federativa que almejamos. De qualquer forma, entendo como fundamental o apoio ao texto pelo que ele representa em equalização federativa, possibilidade de valorização dos profissionais da educação e avanço rumo ao Custo Aluno Qualidade.

Ademais, segundo a maioria absoluta dos estudos sobre qualidade da educação, bons professores é que fazem a diferença. Ora, a mesma OCDE mostra que o Brasil é o país que pior paga seus docentes. Como melhorar a qualidade da educação básica com professores mal remunerados? Como atrair os alunos mais preparados do Ensino Médio para os cursos de formação de professores (licenciaturas) das universidades? Como fazer com que os licenciados mais bem preparados optem pela carreira docente e não, por exemplo, por um concurso de técnico do judiciário, que paga de duas a três vezes mais, com menos dor de cabeça – pois são muito melhores as condições de trabalho?

No projeto de orçamento enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional a previsão de gastos com “juros e encargos da dívida pública” é de R$ 850 bilhões. Em outras palavras, a atual complementação da União ao Fundeb corresponde a apenas uma semana (7 dias) do valor pago pelo governo federal aos rentistas. A Minuta de Substitutivo propõe aumentar essa complementação para menos de um mês (28 dias) do gasto com juros e encargos que beneficiam as 100 mil famílias mais ricas do Brasil. O Fundeb beneficia 40 milhões de estudantes e o novo Fundeb pode beneficiar mais, incluindo aqueles que deveriam estar dentro das escolas, e não estão.

Priscila Cruz talvez chame isso de populismo; prefiro chamar de justiça social que é a forma mais eficiente de se utilizar os recursos públicos.

Todos aqueles que, de fato, defendem um Fundeb que equacione os grandes desafios da educação básica pública brasileira e atenda às metas quantitativas e qualitativas do Plano Nacional de Educação apoiam a Minuta da Profa. Dorinha. Todos aqueles que não se sujeitam aos interesses imediatistas do mercado e do capital financeiro apoiam a Minuta da Profa. Dorinha. Dão apoio consciente ao texto todos aqueles que, na melhor tradição de Anísio Teixeira, Paulo Freire, Florestan Fernandes e do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, acreditam que é preciso tornar o Fundeb um fundo permanente, capaz de viabilizar uma educação básica pública de qualidade a todos os brasileiros. Porque educação é um direito e não um privilégio.

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