Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

Super-Moro precipita-se em direção ao solo. Não há heróis no Brasil

Mantém-se a lição: mortais, com suas efêmeras asas de cera, jamais devem tentar voar tão alto

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O vazamento das conversas entre Sergio Moro, juiz à época, e a força-tarefa da Lava Jato revela muita coisa.

A primeira: salta aos olhos a coragem e audácia dos jornalistas do portal The Intercept, capitaneados pelo mundialmente reconhecido e premiado Glenn Greenwald, que fez história por sua cobertura do caso Snowden, tornando pública a extensão da invasão de privacidade pela NSA (National Security Agency) nos EUA, que vasculhava detalhes e espionava a vida de milhões de pessoas pelo mundo, incluindo chefes-de-Estado, como a ex-presidente Dilma Rousseff e a primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel. Greenwald comprou nesse episódio uma guerra contra o governo e as instituições de seu próprio país e cumpriu o seu dever ético de repórter, o de informar mantendo-se fiel aos fatos, revelando a verdade factual. Ganhou o Pulitzer por esta investigação, e o documentário retratando a participação dele neste caso foi vencedor do Oscar.

Temos então mais um escândalo político, mas agora expondo o contumaz atirador, a Lava Jato, uma megaoperação para investigar e punir políticos e empresários corruptos e corruptores no Brasil e que, para muitos brasileiros, se tornou o símbolo de uma verdadeira limpeza na cúpula política e econômica brasileira. Glenn Greenwald, em vez de ser celebrado unanimemente por divulgar estas conversas entre Sergio Moro, o atual ministro da Justiça, e Deltan Dallagnol, o procurador da república, que apontam uma estreita relação que ultrapassa limites éticos e, pelo que tudo indica, também legais, tem sido vítima agora de mais uma leva de ataques à sua reputação. É a velha e conhecida tática de “dispare contra o mensageiro!”.

O núcleo duro do bolsonarismo não gostou do conteúdo vazado? E a culpa é do conteúdo? É evidente que não, a culpa só pode ser do repórter que revelou o conteúdo da conversa de homens públicos, no exercício supostamente temerário de suas funções.

Não que o ataque à imprensa seja novidade entre esses milicianos virtuais e até mesmo entre integrantes do governo. Para esta turma, a imprensa só serve quando atende aos seus interesses e confronta seus inimigos, mas, quando a lupa jornalística aponta seus erros, não hesita em pedir a supressão da liberdade de expressão e até mesmo a deportação de jornalistas, ainda mais quando a isto se soma homofobia e um bizarro e deslocado antiamericanismo que destoa da posição oficial do governo de subserviência aos ianques — americano bom é americano que não se intromete nas questões políticas brasileiras. Vivemos o império novelístico em que o herói de um é o vilão do outro, uma dicotomia tão insustentável, quanto imprópria e indesejável para o desenvolvimento saudável da sociedade.

E, falando em herói… Recentemente vimos um dos protagonistas deste escândalo alçado ao status de Super-homem. Nas manifestações pró-Bolsonaro do dia 26 de maio, nos deparamos em Brasília com o gigantesco boneco inflável do “Super-Moro”, o herói do Brasil. É fascinante como as pessoas se apegam tão facilmente a mitos, a paladinos. Todos já sabiam que o Super-Moro era um juiz ambicioso e que se dispunha, como no caso do vazamento do áudio da conversa entre Dilma e Lula, a driblar a legalidade para atingir seus fins. Talvez até seja um daqueles que bate no peito e afirma: “A justiça sou eu”.

Fiou-se no argumento de que as gravações eram de interesse público, se isso for verdadeiro, por forçoso, ora, são também de interesse público suas conversas com Dallagnol, em que se auxiliavam mutuamente para incriminar os réus do espectro político adversário, mormente o Lula. O fato é que Sergio Moro jamais foi herói. Foi juiz e, como tal, deveria atuar de maneira imparcial e, acima de tudo, justa. Ao invés disso procedeu como um agente político. Usou a Lava Jato como escada para inserir-se no jogo político. Deu certo até aqui, acabou ministro.

O herói Super-Moro, quando visto de perto e nos bastidores, revelou-se como todos os demais mortais: pleno de imperfeições e contradições, de interesses próprios, e vaidades que acabou colocando acima do interesse público. Bolsonaro havia dito que havia prometido a Moro uma vaga no Supremo. Moro desdisse e Bolsonaro também voltou atrás. Aparentemente, a toga de ministro do Supremo ora se desfaz nas mãos do herói do Brasil. Voltou à condição de mortal e precipita-se em direção ao solo porque ousou voar alto demais e suas asas eram de cera, derreteram ao se aproximar do Sol.

Ah, os gregos e seus semideuses a nos revelar as coisas humanas!

Os gregos tinham uma palavra-conceito para designar esta falha trágica dos heróis: ὕϐρις (hybris), ou desmedida, que é quando o herói desconhece os seus limites e, por causa de sua arrogância e excesso de confiança, confronta a ordem natural do mundo, desafiando até os deuses às vezes. O conjunto de tragédias gregas está repleto de exemplos de heróis que ultrapassam seus limites e por isso se dão mal no final.

Sergio Moro não é um herói, sequer existem heróis ou mitos na política brasileira.

E talvez esta seja a principal revelação desta semana para muita gente: não existem heróis, somos todos apenas humanos falhos, com equivocadas convicções e mesquinharia, e que invariavelmente pagamos quando erramos.

Mantém-se a lição: mortais, com suas efêmeras asas de cera, jamais devem tentar voar tão alto.

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