Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
O que uma simples letra S pode provocar
O meu nome completo é Alberto Villas Bouçada Junior. Passei a ser Alberto Villas desde 1972, quando assinei a minha primeira matéria no jornal Estado de Minas, uma reportagem sobre 24 horas no Edifício JK, uma espécie de Copan de Belo Horizonte. Jornalista tinha de ter nome curto e eu segui a norma.
Mesmo assim, de tempos em tempos, o meu pai, que era Alberto Villas Bouçada, passou a receber elogios pelas matérias publicadas no Estado de Minas. Muitos se perguntavam como poderia um meteorologista estar escrevendo matéria sobre a Rua Guaicurus, zona do baixo meretrício de BH.
Passei a adolescência ouvindo a pergunta “o pai ou o filho?” quando alguém da minha casa atendia o telefone, numa época em que adolescente era viciado em telefone fixo. Foi assim que virei Alberto Villas e o meu pai, o Doutor Bouçada.
Nome, cada um carrega o seu, mas alguns exigem explicação. Desde pequenininho, sempre que alguém vai escrever o meu nome, preciso acrescentar o tal do “Villas com dois éles”.
Com o nome começando com a letra A, sempre fui o primeiro da chamada, a não ser naquele segundo ginasial no Caseb, em Brasília, que o Abel ocupou o meu posto. A vantagem era nos dias de arguição oral, quando o professor ia chamando aleatoriamente. Nunca pensava no número 1. Mas quando o exame era por ordem alfabética, estava ferrado.
Quando vou fazer exame de sangue, a mocinha de branco sempre chega na ponta do corredor e, com aquela ficha nas mãos, me chama:
– Alberto Villas-Boas!
E lá vou eu, Villas Boas, mesmo sabendo que não sou Villas-Boas. No corredor, a caminho da sala de coleta de sangue, elas brincam… “Ah, é Bouçada, pensei que era Villas-Boas!”. Já me acostumei com a cena.
Nesses tempos em que rico chama Joaquim, Pedro, João, José e pobre leva o nome de Daiane, Merilyn, Edivaine e Uélinton, a coisa ficou mais complicada. Com essa quantidade de émes, éles, ípsilones, dáblius, é sempre bom soletrar o nome, letra por letra. Outro dia presenciei uma mulher perguntando como se escrevia José, para um simples José. Sei lá, vai ver que a grafia era Josepph.
Todo ano, quando sai a lista dos aprovados no vestibular da Fuvest, eu me divirto com os nomes. Primeiro, vou ver se tem algum Alberto, nome raro hoje em dia. Quando tem dois, é muito. O que mais me chama a atenção são os nomes da moda. Esse ano, eram duas páginas inteiras só de Bernardo.
Não faz muito tempo, passei por um grande susto. Postei uma crítica a TV Globo no Facebook, por ela não ter noticiado que o Ministério Público Federal autorizou o verdadeiro dono do sítio de Atibaia, o empresário Fernando Bittar, a vender aquele polêmico pedaço de terra.
Dois minutos depois, veio o primeiro comentário, me chamando de traidor, canalha, filho da puta, bandido, além de afirmar que eu era um dos responsáveis pelo golpe de 2016. “Você é pior do que a Veja e a Globo, juntas”, esbravejou minha amiga oculta do Face. Fiquei assustado, decepcionado, branco feito uma cera. O desaforo vinha ainda com um complemento: “Você que espalhava fake news sobre o PT, agora vem defender o Lula? Safado!”
Foram dois minutos de perplexidade, tempo necessário para chegar um inbox: “Desculpe, Alberto Villas, eu confundi o senhor com o comentarista Marco Antônio Villa, que foi demitido recentemente da Jovem Pan.”
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
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