Opinião

Projeto do MEC é um futuro que nos levará ao passado colonial

Será o fim das políticas que consagraram as possibilidades para fazer da ‘filha da trabalhadora doméstica uma doutora’

Ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante apresentação do Future-se.
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Não há fórmula capaz de ocultar o que está escancarado ao Brasil, muito menos pela pífia atuação de Abraham Weintraub e de seus ajudantes no MEC. O programa de “modernização” da rede federal de ensino anunciado nesta quarta-feira aumenta as desigualdades sociais, entrega a universidade aos interesses de mercado e acaba com a democracia universitária.

O cenário futurista – painel digital, tecnologia e sonorização comuns aos eventos de negócios empregada no anúncio em Brasília – só reafirmou o objetivo do que eles chamam de Future-se. Um programa que se for implementado nos levará de volta ao passado colonial em que elite brasileira foi estudar no exterior enquanto as classes populares só tinham acesso a instituições precarizadas, sem estrutura, sem financiamento e sem condições de oferecer oportunidades de transformação social. Bem diferente do projeto que mudou o perfil educacional do país e abriu as portas para milhões de brasileiros.

Um balcão de negócios, é nisso que esse novo programa pretende transformar universidades e institutos federais. Nele, a inteligência brasileira será utilizada como moeda de comercialização e financeirização do patrimônio público nacional.

Qual a diferença do projeto implementado nos governos Lula e Dilma? As matrículas na educação superior (pública e privada) aumentaram de 3 milhões em 2002 para aproximadamente 8 milhões em 2015. Por meio de Prouni, 2,5 milhões de estudantes foram beneficiados com bolsas de estudo integrais e parciais entre os anos de 2005 e 2015. A reformulação do Fies permitiu que mais de 2 milhões de estudantes fossem beneficiados com financiamento estudantil entre os anos de 2010 e 2015.

Nas universidades federais, o número de matriculas aumentou de 512 mil em 2002 para mais de 1 milhão em 2015. Foram construídas 18 novas universidades e 173 novos campus universitários.

Também foram criados 38 institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia, sendo construídos mais de 500 campus, de 140 escolas técnicas em 2002, passamos para 640 unidades em 2016. O número de municípios abrangidos cresceu quase 5 vezes, passando de 119 em 2002 para mais de 500 em 2015.

Não bastasse o evidente golpe no acesso à universidade, o programa anunciado pelo MEC de Bolsonaro quer acabar com o processo de democratização e da gestão universitária porque segue um modelo internacional fracassado. Foi pensado para universidades pequenas, bem diferente das comunidades e estruturas universitárias brasileiras. O modelo proposto pelo atual ministro visa acabar com a autonomia das instituições públicas de ensino e sua capacidade de universalização do conhecimento e transformação social. Pois financeirização e a democratização da educação não são faces de uma mesma moeda.

A captação própria de recursos, pela proposta, seria a principal fonte de financiamento das instituições de ensino, ou seja, a “engenharia financeira” como foi chamada pelo MEC, é perversa por varias razões. Primeiro porque privatiza o patrimônio das universidades e retira o financiamento público da pesquisa e da produção do conhecimento e depois estabelece uma disputa absurda entre as instituições, e obviamente aquelas de maior prestígio estarão sempre em vantagem flagrante em relação às outras nascentes. Com a privatização do financiamento, ademais, nenhuma empresa do setor privado vai investir em pesquisas que universalizem o conhecimento, pois para elas conhecimento é meio de produzir lucros e poder.

A defesa do financiamento público das universidades garantiu a realização de pesquisas interessadas por exemplo na produção de medicamentos mais baratos distribuídos pelo SUS, no desenvolvimento de tecnologia para a construção civil utilizada no Minha Casa Minha Vida, e na geração sustentável de energia limpa.

Ao alijar as universidades à lógica financeira de mercado e dos interesses dos setores produtivos, a nova política do MEC vai investir mais em quem produzir mais, vai estimular a concorrência e tornar os professores “microempresários de sucesso” obstinados pela produção de patentes para melhoria dos salários, já que planos de carreira não serão mais possíveis com a EC 95/2016 e com a Reforma da Previdência. As universidades serão fábricas e não terão como prioridade as políticas de ensino, a graduação, o desenvolvimento artístico e cultural e nem mesmo a formação humana.

A diversificação dos modelos de desenvolvimento regional e das matrizes econômicas é um dos compromissos das universidades e institutos federais, pois o conjunto de cursos de distintas áreas, o ensino na graduação, na pós-graduação, as ações de extensão e os projetos de pesquisa permitem a criação de dinâmicas que impulsionam as regiões onde são instalados os campus tanto de universidades quanto de institutos federais. Se uma região ficar restrita apenas as características locais ela perde todo o seu potencial de mudança e desenvolvimento.

Atacar as instituições de ensino é atacar a soberania nacional, portanto o Future-se cumpre com o projeto atualmente em curso no Brasil iniciado com aquela “ponte para o futuro” que nos condenou ao atraso com o congelamento por vinte anos dos gastos públicos, com uma recessão econômica, com o aumentou do desemprego, com a destruição da economia e do patrimônio público brasileiro.

Se o modelo apresentado para as universidades e institutos federais for implementado, será o fim das políticas que consagraram as possibilidades para fazer da “filha da trabalhadora doméstica uma doutora”, e a volta ao passado de um Brasil culturalmente dependente.

Este texto não reflete necessariamente a opinião de CartaCapital.

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