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Opinião

Privatização da Eletrobras é a nova cloroquina do Bolsonaro

‘Chega de acobertar ineficiência e tarifas abusivas com promessas de melhorias que nunca se realizam’, escreve Antonio Neto

Foto: EBC Venda da Eletrobrás significará a ausência de controle e coordenação do Estado sobre a energia elétrica, insumo básico para a produção e a vida cotidiana. Créditos: EBC
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Por Antonio Neto

Causou espanto a declaração recente do presidente da República pedindo para os brasileiros tomarem banho mais rápido dois dias depois do aumento das tarifas de energia elétrica. Como Jair Messias Bolsonaro é pródigo em frases e atitudes estapafúrdias, foi mais um disparate para a sua coleção. Mais uma vez saltou aos olhos, além da insensibilidade social, a sua incapacidade de fazer um diagnóstico preciso sobre o problema e propor soluções adequadas. Um exemplo ainda mais eloquente da sua inépcia, porém, é o anúncio de que o seu governo pretende fazer diversas privatizações no ano que vem, entre elas a da Eletrobras.

Desde a década de 1990, propaga-se a falácia de que as privatizações seriam a panaceia para todos os males do serviço público no Brasil: de um lado, a iniciativa privada traria aumento de eficiência; de outro, provocaria a redução das tarifas pagas pelos cidadãos. Depois de um quarto de século de desestatização do setor elétrico, verifica-se que não aconteceu nem uma coisa, nem outra – muito pelo contrário.

No que tange à eficiência, o recente apagão no Amapá, que deixou 90% da população do Estado às escuras por mais de 20 dias, ilustra bem a verdadeira história. A falha ocorreu numa subestação operada por uma concessionária privada. Diante do caos e da incapacidade da empresa, quem teve que atuar para restabelecer o serviço foi a Eletronorte, subsidiária da Eletrobras. Outro episódio de triste lembrança, fruto da falta de investimento no setor após os primeiros anos das privatizações, é o racionamento de energia de 2001, que afetou todos os Estados do país, com exceção da região Sul.

Já em relação à propalada redução de tarifas de energia, após a venda da maior parte das estatais ocorreu justamente o inverso. De acordo com um estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), entre 1995 e 2015 a inflação medida pelo IPCA foi de 342%, enquanto o item energia elétrica subiu 751,7% – contribuindo, inclusive, para a elevação da inflação geral, já que a energia é parte importante da cesta de produtos e serviços monitorados.

Esses aumentos abusivos são resultado dos reajustes anuais previstos nos generosos contratos de concessão, que privilegiam a saúde financeira das empresas em detrimento do interesse público. Além disso, como há forte presença de companhias estrangeiras no Brasil, grande parte do lucro delas é remetido para fora – seja para negócios privados ou estatais de outros países, como China, Estados Unidos, França, Espanha e Colômbia.

A privatização do setor elétrico do Brasil vai na contramão do que acontece no mundo. Tratado como questão de segurança nacional, o setor mantém forte presença do Estado em países como Alemanha, França, Holanda, Finlândia, Noruega, Rússia, Índia, China, Coreia do Sul, África do Sul, Austrália, Canadá e muitos outros. Nos Estados Unidos, as hidrelétricas são consideradas instalações estratégicas e operadas majoritariamente pelo Exército.

No Brasil, com o leilão da CEB na semana passada, o setor privado passou a controlar 78% do setor de distribuição de energia elétrica do país. Na área de geração, o percentual de capital privado é de cerca de 60% e na de transmissão, quase 40%. Mas o país ainda preserva a Eletrobras, a joia da coroa, a maior holding do setor elétrico da América Latina e uma das cinco maiores geradoras hidrelétricas do mundo. A companhia é responsável por mais de 30% da geração no Brasil. São 233 usinas, incluindo Furnas e Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), além de seis distribuidoras e cerca de 70 mil km de linhas de transmissão – mais de uma volta e meia na circunferência da Terra.

Todo esse patrimônio brasileiro não pode ser simplesmente entregue para o capital privado. É a soberania nacional de um setor estratégico que está em jogo. Chega de submeter o país ao interesse de outras nações e grupos econômicos. Chega de acobertar ineficiência e tarifas abusivas com promessas de melhorias no serviço e nos preços que nunca se realizam. Chega de incompetência e de falta de visão de futuro para o país. Se acontecer outro apagão como o do Amapá e não houver mais uma estatal forte, quem vai restabelecer a luz?

A privatização da Eletrobras é a nova cloroquina do Bolsonaro: um remédio que não funciona para o que ele anuncia e que tem efeitos colaterais gravíssimos para o povo e para o Brasil.

*Antonio Neto é presidente municipal do PDT São Paulo e foi vice na chapa de Márcio França

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