Madalena Guasco Peixoto

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Coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP

Contee

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Entidade sindical do setor privado de ensino, da educação infantil à superior, que congrega 88 sindicatos e 10 federações de professores(as) e técnicos(as) e administrativos(as).

Opinião

Postura anticiência não é coincidência, é projeto

‘É o próprio governo que se escancara incompatível com a ciência, com a tecnologia, com o desenvolvimento sustentável’

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Esteve em todos os noticiários desta semana o depoimento do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, confirmando, com todas as palavras, o que o Brasil e o mundo já sabiam: que o presidente Jair Bolsonaro contrariou orientações baseadas na ciência para o combate à pandemia do coronavírus.

Uma das declarações de Mandetta foi, por exemplo, de ter mostrado a Bolsonaro projeções sobre a evolução da pandemia no Brasil, indicando que o Brasil poderia atingir 180 mil mortes até o fim de 2020. O presidente, contudo, duvidou — dos infectologistas, dos microbiologistas, das autoridades sanitárias, das estatísticas, dos prognósticos científicos, da própria ciência —, do mesmo modo como o fez quando cogitou modificar a bula da cloroquina por meio de decreto presidencial para indicar o uso do medicamento contra a Covid-19 só porque quis assim.

Podem parecer assuntos desconexos, mas as revelações da CPI da Covid nos últimos dias têm muito a ver com o constrangimento representado pela nomeação, há algumas semanas, da advogada Cláudia Mansani Queda de Toledo, para a presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E não é pelo fato de a nova presidente ter tido um curso de pós-graduação que coordenava com recomendação de descredenciamento pela própria Capes em 2017 em razão de não ter atingido a nota mínima para continuar em funcionamento. É, na verdade, pelo que esse fato evidencia: o desprezo do atual governo pela pós-graduação e pela pesquisa.

Levantamento feito pelo professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Nelson Cardoso Amaral, mestre em física e doutor em educação, e publicado no site “A terra é redonda”, mostra que os recursos financeiros da Capes sofreram uma queda de 65,3% de 2015 a 2021 — consequência direta, portanto, do golpe de 2016 e da posterior eleição de Bolsonaro — o que significou menos R$ 7,2 bilhões em investimentos. De forma semelhante, os recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sofreram uma redução de 69,4% de 2014 a 2021, passando de 3 bilhões de reais para um valor de 918,1 milhões. Por sua vez, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) também teve uma forte redução em seus recursos, passando de quase 4 bilhões de reais em 2014 para um valor menor do que 500 milhões em 2021, uma redução de 90,6%. Isso sem falar o corte em investimentos nas universidades federais como um todo, bem como em toda a educação e a saúde. Embora já pareça um clichê exaustivo, é importante repeti-lo: não é coincidência, é projeto.

Nas palavras da Carta Aberta em Defesa da Capes, assinada por mais de uma dezena de entidades educacionais e científicas, a nomeação representou “um exemplo contraditório para a juventude brasileira”, uma vez que essa juventude enxerga na Capes “uma instituição que lhes possa acenar com um futuro compatível com o projeto de nação e em sintonia com o trabalho indispensável da ciência e tecnologia para alavancar os rumos do país e combater os abismos de desigualdade que marcam nossa sociedade”. Como reforçado pelas entidades, a nomeação de alguém desqualificado para o cargo rompe com a tradição de pesquisa e ameaça a sustentabilidade da produção científica brasileira.

É justamente esse, no entanto, o projeto de poder de Bolsonaro. Não é apenas o currículo de Cláudia Toledo que se mostra incompatível para o comando da Capes. Ou, para manter o paralelo, não são somente as ações contra a Covid-19 que se evidenciam incompatíveis com as recomendações sanitárias defendidas até mesmo pelos primeiros ministros da Saúde que, por isso mesmo, deixaram o cargo (embora eles próprios não tenham conseguido, por conveniência ou por covardia, conduzir o enfrentamento à pandemia da melhor forma). É o próprio governo que se escancara incompatível com a ciência, com a tecnologia, com o desenvolvimento sustentável e com qualquer combate à desigualdade. O que a Covid-19 veio desnudar é que não são apenas as ciências humanas as atingidas pelo desse governo. O desprezo em questão é generalizado e as áreas de exatas e da saúde também o estão sentindo na pele.

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