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Opinião

Política de preços da Petrobras não tem relação com Lei do Petróleo

O problema não é jurídico e legal, como defendem alguns. A questão é econômica

Foto: iStock
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Muitos defensores da política conhecida como preço de paridade de importação (PPI) alegaram, desde sua implementação, que ela é vital para a companhia atrair investimentos e alcançar êxito na política de desinvestimentos do refino. Na visão do governo e da gestão da empresa, desde 2016, a venda de parte do refino da Petrobras seria essencial para ampliar a concorrência no mercado interno.

Com o insucesso dessa política ao longo dos últimos 5 anos, tendo em vista o pífio desempenho para atrair investimentos e aumentar a concorrência no refino, novos argumentos surgiram para justificar o uso do PPI. O último deles seria que a Petrobras é forçada pela legislação – no caso da Lei do Petróleo (9.478/97) – a utilizar o PPI como forma de praticar de preços de mercado internamente.

O primeiro fato que causa estranheza nessa justificativa é o fato do PPI ter sido implementado somente em 2016, quase 20 anos depois da promulgação da Lei do Petróleo, e ter sofrido consideráveis modificações durante esses últimos 5 anos.

Sob essa lógica, cabem dois questionamentos: entre 1997 e 2016, os governos FHC, Lula e Dilma descumpriram explicitamente a legislação? As modificações realizadas na estrutura do PPI nas gestões de Pedro Parente, Ivan Monteiro e Castello Branco são autorizadas pela Lei do Petróleo? Antes de continuar, é importante entender o modo de funcionamento e a evolução do PPI desde sua criação.

Em outubro de 2016, a Petrobras adotou o PPI, no qual os reajustes dos derivados seguiriam as cotações internacionais – a empresa não chegou a especificar quais seriam os produtos –, ponderadas pela taxa de câmbio e os custos de transporte. Tais reajustes seriam realizados de forma frequente, inclusive diariamente, como forma de evitar uma possível defasagem com os preços do barril do petróleo. Associadas a essas mudanças, a empresa ainda reduziu o fator de utilização das suas refinarias e abriu espaço para atuação de importadores.

Com efeito, nos dois anos seguintes, os importadores elevaram sua participação no abastecimento do mercado de derivados brasileiro e os preços dos derivados de petróleo passaram a ter uma grande volatilidade com uma tendência de alta em função do aumento do valor do petróleo e de seus subprodutos.

Em maio de 2018, após a greve dos caminhoneiros, o governo federal adotou uma série de medidas visando mitigar os efeitos na nova política da Petrobras para o óleo diesel. Todavia, essas ações não alcançaram outros derivados, como o gás de cozinha e a gasolina, que continuaram apresentando uma trajetória de muitas oscilações.

Por conta da elevação dos preços do petróleo naquele ano e a alta volatilidade do mercado spot, o Brasil experimentou uma espiral positiva nos preços dos derivados que gerou grande desorganização econômica para alguns setores. Nesse cenário, a Petrobras iniciou uma revisão parcial da política implementada em 2016.

Em dezembro de 2018, a estatal aprovou o uso “de um mecanismo financeiro adicional (derivativo) à sua política de preços (…) que lhe daria a opção de, em épocas de forte oscilação nas cotações internacionais do derivado e do câmbio, adotar períodos de estabilidade no preço (…) por curtos prazos. (…) o instrumento derivativo, a ser aplicado por não mais do que sete dias consecutivos, permitiria à empresa obter um resultado financeiro equivalente ao que alcança com a prática de reajustes diários”. Ou seja, a Petrobras buscava preservar os efeitos financeiros das correções frequentes do valor dos seus derivados, mas tentando reduzir o repasse direto para o consumidor.

Em junho de 2019, a petrolífera fez uma nova alteração na política alongando os prazos de definição dos preços, ou seja, eles “seriam realizados sem periodicidade definida”. Além disso, a companhia também incorporaria na análise dos reajustes as mudanças nas “condições de mercado e do ambiente externo”, diferentemente da política implementada originalmente, quando essas variáveis só eram consideradas em períodos pontuais e excepcionais. Apesar disso, a referência central continuaria sendo o PPI.

Essas modulações da política de preços foram importantes para impedir grandes oscilações num prazo muito curto, mas a manutenção do PPI restringiu a ação da Petrobras em períodos um pouco mais longos de aumento. Ou seja, a Petrobras se tornou capaz de resistir à defasagem em momentos muitos curtos, mas logo na sequência se via obrigada a impor os reajustes segundo as regras do PPI.

Durante a gestão Castello Branco, entre janeiro de 2019 a abril de 2021, embora o PPI continuasse sem periodicidade definida, os mecanismos de proteção de volatilidade foram abandonados e a Petrobras voltou a acelerar a execução de reajustes de preços, a partir de mudanças das cotações internacionais. Nesse período, foram realizadas 92 alterações nos preços do diesel comercializado nas refinarias, o que ocasionou no período uma variação acumulada de 39,45%. Situação ainda mais drástica foi a da gasolina, que teve seus preços alterados 103 vezes no período, acumulando impressionante alta de 73,10%.

O preço não apenas cresceu como, no final de sua gestão, houve uma aceleração desses reajustes. No caso do diesel, de maio até agosto de 2020, a Petrobras corrigiu, em média, o preço uma vez a cada 18 dias. Até o começo de março de 2021, contudo, esse número caiu para cada 12 dias. Dessa forma, ao final do seu mandato, o ex-presidente da Petrobras conduziu uma política que os reajustes de preços seguiram a tendência internacional e se tornaram cada vez mais frequentes.

Fica evidente, portanto, que nas diferentes gestões que passaram pela Petrobras, a forma de implementação do PPI passou por consideráveis ajustes, o que poderia infringir os princípios da legislação brasileira. Mas, na verdade, ao se analisar minuciosamente a 9.478/97, não há nenhuma referência explícita à utilização do PPI.

O que há na lei, nos incisos IX e XI, é que a política energética nacional deve “promover a livre concorrência” e “ampliar a competitividade no país no mercado internacional”. Todavia, a inferência de que o PPI é o instrumento adequado para a implementação desses princípios é uma interpretação sui generis de alguns especialistas. Vários outros instrumentos podem ser utilizados para fomentar a concorrência, como redução de cartéis, melhora na infraestrutura de distribuição dos combustíveis, novos investimentos em ampliação do parque de refino entre outros. Atrelar o PPI como um instrumento obrigatório para executar a lei é criar uma vinculação “criativa” que não está em nenhuma legislação brasileira da indústria de óleo e gás.

Se é bem verdade que os incisos IX e XI da Lei 9.478/97 indicam como critério promover a livre concorrência e fomento à competitividade externa, ele é um dos critérios junto com: interesse nacional, desenvolvimento, interesse do consumidor, proteção ao meio-ambiente, investimentos, garantia de abastecimento interno etc. Essa lei nunca estabeleceu a PPI da Petrobras como regra e, antes de 2016, nunca impediu que outras políticas de preços fossem praticadas. Outras formas de fomentar esses princípios foram realizadas durante 1997 e 2016, principalmente entre 2008 e 2014, com a queda dos custos de produção do petróleo, modernização das refinarias, construção de novas unidades de processamento etc.

O problema do preço dos combustíveis não é jurídico e legal. As leis e resoluções dão margem para ampla interpretação, e a interpretação hegemônica vai ser a interpretação feita pelos interesses hegemônicos. Mais uma vez o problema não é a lei, é a política. A questão não é jurídica, é econômica.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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