Justiça

Para o cemitério e em silêncio

Na estreia da coluna ObservaDoria, Isa Penna escreve sobre a promessa de João Doria em mandar “bandidos” para o cemitério

Apoie Siga-nos no

Logo no início da sua gestão, o governador João Doria ultrapassou qualquer limite de respeito às leis, aos direitos humanos e à atividade policial de muitas trabalhadoras e trabalhadores, ao afirmar que em sua gestão os “bandidos” não vão para a delegacia, nem para as penitenciárias, mas, sim, “para o cemitério”. Dória já assumiu o Bandeirantes, mas não desceu do palanque, e pior: desrespeitou toda a população de São Paulo com discursos baixos, que não condizem com a dignidade de um gestor público.

De fato, a segurança pública é de angústia popular e deve ser algo objeto de reflexão e políticas por governos. Para se ter uma ideia, em 2018, pesquisa realizada pelo instituto Real Time Big Data apontou que 85% dos brasileiros dizem sentir muito medo de sofrer alguma violência policial, tratando-se então de uma questão muito importante para a sociedade”.

Ocorre que há muito tempo a política proposta pelo governador tem sido aplicada, mas não tem tido resultado positivo algum. Pelo contrário, expõe a vida de pessoas e de policiais militares, trabalhadores e trabalhadoras, que lutam e sustentam suas famílias, apesar do descaso do poder público. Nesse sentido, somente no Estado de São Paulo em 2017, 876 pessoas foram mortas pela polícia militar, tratando-se de uma crise fundamental para ser desenvolvida por políticas pública, se lida com a grave situação de letalidade policial, 88 no mesmo período avaliado. Já no ano seguinte, 2018, 48% da população paulistana foi assaltada ou furtada. Diante de tantas mortes, o aumento da truculência policial não é e nem pode ser a resposta para diminui-las.

A questão que Doria não percebe ou não quer perceber é que o aumento da violência que produz mortes cerca a realidade de grande parte da população do Estado, sobretudo a população negra e pobre, que não anda de helicóptero, nem carro importado blindado, a exemplo do governador. A violência urbana cerca, inclusive, a classe média urbana, mas não entra no Jardim Europa. É essa grande realidade que o governador João Dória e seu secretariado de elite desconhecem completamente, embora o novo gestor do estado faça do tema da segurança pública espinha dorsal de seu governo de direita midiática.

Leia também: Cinco medidas que antecipam a 'doutrina Doria' para a segurança pública

Como vemos, embora falem muito grosso do tema, a política de Dória para a área, assim como a de Bolsonaro, não promete grande efetividade. Na verdade, a política em curso há décadas só “enxuga o gelo”, discrimina e mata, mas serve a eles para ganhar votos, é claro. E muito dinheiro agora, com a terceirização privatizada da construção e gestão de novas penitenciárias.

Não é intenção do governador enfrentar o crime organizado. Se isso fosse prioridade, o investimento seria em tecnologia de inteligência policial, para quebrar com as redes das facções, que hoje se organizam inclusive por grupos de WhatsApp. Não é intenção de nossos governantes por fim ao absurdo modelo militarizado de polícia, que divide a categoria entre os policiais de alta e de baixa patente – “os praças”, em sua maioria negros e moradores de periferia. Principalmente porque esse modelo serve muito bem ao propósito de jogar povo contra povo, numa guerra em que os mortos nunca são aqueles que realmente lucram com o crime e a violência.

É a respeito desse quadro complexo que Dória tira do terno alinhado a frase feita sobre mandar “bandidos para o cemitério”. Enquanto isso, nas periferias de São Paulo e do país, se repete a cena das flores brancas na salinha da funerária, da mãe que chora, do pai em luto, da comunidade que se revolta. O caixão vai, mas a memória fica: “Como eles não viram o uniforme escolar?”, “por que o senhor atirou em mim?”, “para onde vai, meu filho?”

Leia também: João Doria orienta PM a aplicar pena de morte em São Paulo

“Para o cemitério”, diz Dória ao povo e também à democracia.

***

Em tempo: O novo mandatário do estado não se importa com a vida de inocentes mas se preocupa muito com manifestações populares. Por meio de decreto, regulamentou a Lei 15.556/14, sancionada pelo ex-governador, impondo a proibição do uso de máscara e o aviso prévio, do trajeto e do tema, de no mínimo 5 dias para a realização de manifestações. Na primeira manifestação realizada contra o aumento da tarifa do transporte público a PM prendeu sete jovens, dois dos quais levados a audiência de custódia.

Foto: Governo do Estado de São Paulo

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar