Justiça

Pacote Moro: aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei

Se aprovadas, as medidas vão legitimar injustiças e inconstitucionalidades

Sergio Moro em Brasília (Foto: ABr)
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O pacote anticrime e anticorrupção anunciado pelo ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, propõe ao Congresso Nacional a alteração de 14 pontos do Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Código Eleitoral, que pretende “combater crimes violentos, organizações criminosas e a corrupção” no País.

Contudo, seu conteúdo aponta para o encarceramento em massa, ao endurecimento penal e à letalidade policial, e fere de morte a presunção da inocência e o amplo direito de defesa.

Desde já, é necessário distinguir claramente a diferença entre o “legal” e o “justo”. Sem desconsiderar os avanços dos direitos e conquistas sociais a partir dos marcos legais como a Constituição Brasileira de 1988, o arcabouço do sistema de justiça brasileiro é extremamente benevolente com a criminosa e bem relacionada elite deste País e cruel e desumana com os pobres e negros das periferias e morros e com os inimigos do rei.

Primeiro porque o acesso aos mecanismos da justiça é um privilégio daqueles que podem contratar bons advogados, possuem amigos influentes e porventura investem no suborno de corruptíveis agentes públicos.

O pacote anticrime e anticorrupção é mais do mesmo: endurecimento de penas e da abordagem policial e leniência com os poderosos.

Seu escopo apenas estimula o superencarceramento e não aborda pontos imprescindíveis para combate ao crime e à corrupção, tais como a qualificação das forças policiais, investimentos em inteligência e no processo investigativo, prevenção do envolvimento de jovens com o tráfico de drogas e com o crime organizado e outras ações sociais indispensáveis à promoção da segurança pública e de uma cultura de paz.

CNJ

Entre as propostas do agora ministro, figura a formalização das prisões em segunda instância, medida que fere o princípio da presunção da inocência e poderá encarcerar milhares de acusados cujas sentenças ainda estão inconclusas.

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Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, cerca de 40% da população carcerária é formada por presos provisórios, e essa proposição apenas agravará o quadro de superlotação das prisões.

Neste item, vale destacar que o Brasil é atualmente o terceiro país do mundo que mais encarcera, e os assustadores índices de violência nem por isso declinam, considerando que o sistema carcerário brasileiro alimenta todo ciclo vicioso da violência.

Outro ponto preocupante é a alteração do Artigo nº 25 do Código Penal, com a figura do “Excludente de Ilicitude” para policiais. O texto fala de “medo, surpresa e forte emoção”, elementos subjetivos, impossíveis de serem mensurados por um juiz.

Na prática, essa medida deverá diminuir significativamente as investigações de mortes cometidas por policiais, elevando a margem da letalidade policial no Brasil, uma das maiores do mundo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mais de 5 mil cidadãos foram mortos pela polícia brasileira em 2017, o que corresponde a 8% de todos os assassinatos do País nesse período.

Esses dados demonstram que para enfrentar a violência com seriedade é necessário revisar princípios e conceitos acerca do sistema prisional brasileiro a partir da perspectiva da injustiça e da desigualdade social, onde os mais vulneráveis são penalizados.

A maioria da população carcerária brasileira é composta de jovens, negros e pobres, que em sua maioria só conhecem a face repressora do Estado em sua máxima de vigiar e punir e nunca usufruíram de políticas públicas fundamentais, tais como educação, saúde e moradia.

O Brasil é o terceiro país que mais encarcera (Fotos Públicas)

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STF

As propostas do ministro também esbarram em decisões superadas pelo Supremo Tribunal Federal. Moro quer impedir a progressão de pena em determinados crimes, nessa lógica de encarceramento, mas o STF entende que isso fere o princípio da individualização da pena.

Outros pontos atacam direitos fundamentais como a presunção de inocência e o direito de não produzir provas contra si mesmo.

Se aprovado, esse pacote legitimará injustiças e inconstitucionalidades que já vêm sendo praticadas contra os “inimigos do sistema”. Atualmente, opositores do regime são condenados e encarcerados sem requerer-se a indispensável prova de seu crime, bastando para tanto uma delação para benefício próprio do delator e uma apresentação mal-amanhada de um Power Point projetado por um justiceiro da República.

Causa estranhamento que o ministro autor do pacote anticrime e anticorrupção que endurece o sistema de justiça, que determina que será crime arrecadar, manter, movimentar ou utilizar valores que não tenham sido declarados à Justiça Eleitoral, tenha sido tão benevolente quando juiz no que se refere ao caso do ministro Onyx Lorenzoni.

O chefe da Casa Civil de Bolsonaro admitiu ter recebido doações em Caixa 2 da empresa JBS, bastando para tanto apenas um pedido de desculpa.

O caso Queiroz é outro exemplo da benevolência dos operadores do sistema de Justiça com seus afetos. Mesmo convocado para prestar esclarecimentos ao Ministério Público, o motorista da família Bolsonaro se fez de rogado e tudo passa em brancas nuvens enquanto ele dança graciosamente.

O agora senador Flávio Bolsonaro elevou exponencialmente seu patrimônio de 25 mil reais no ano de 2002 para 1,7 milhão de reais em 2018 sem ser incomodado pelos juízes por demais ocupados com a Operação Lava Jato.

Enquanto o presidente Lula está preso sem provas, com base em duvidosas delações, ilações e convicções sem pé nem cabeça, curiosamente, a partir de um julgamento em segunda instância que só agora sua validação estará sob análise do Congresso no pacote em questão, revelando assim a total ilegalidade da prisão de Lula, configurando desse modo seu caráter de condenação política.

Considerando exposto acima, não podemos concordar com um plano que contradiz em sua raiz princípios tão caros ao Estado Democrático de Direito. A peça serve tão somente para proteger os poderosos, preservar o patrimônio da elite brasileira, segregar pobres e negros e perseguir adversários políticos.

Por fim, podemos resumir o pacote anticrime e anticorrupção apresentado por Moro em uma frase atribuída ao ex-presidente Getúlio Vargas: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, todos os rigores da lei”.

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