3ª Turma

O que você precisa saber sobre a “fundação” da Lava Jato

Conheça a ONG bilionária criada com “aval” dos Estados Unidos e dinheiro da Petrobras

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Você provavelmente deve ter ouvido falar da criação de uma fundação bilionária por procuradores da Lava Jato para “combater a corrupção”. Se ainda não ouviu, ouvirá em breve. Tudo anunciado em Curitiba parece ser um ótimo negócio para o Brasil, mas ao olhar com uma pequena lupa os podres começam a aparecer aos borbotões. Nesse pequeno texto tentaremos ser o mais didático possível para que você entenda a colonização do Brasil, o péssimo uso do dinheiro, a corrupção dos próprios criadores da fundação e a completa ilegalidade desse negócio.

O que seria a fundação

Em linhas básicas seria uma fundação gerida em parte pelo próprio Ministério Público Federal (MPF) para iniciativas, projetos e qualquer outra ideia mirabolante que tenha como objetivo o combate à corrupção. A fundação foi fruto de um acordo entre MPF e Petrobrás sob a supervisão (pasmem) das autoridades norte-americanas. Mas calma, teria que ser homologada pela justiça brasileira, tarefa que coube à juíza Gabriela Hardt, a mesma que copiou e colou a sentença de Moro para condenar Lula no caso do sítio de Atibaia.  

Juíza Gabriela Hardt, responsável pela homologação do acordo

Vamos apontar algumas excrescências e começar do básico:

O dinheiro da fundação

Nada menos que US$ 853 mi (oitocentos e cinquenta e três milhões de dólares) foram depositados para que o Ministério Público Federal entrasse de cabeça nessa empreitada. É muita grana, mais da metade do orçamento anual do MPF. Metade foi para a petroleira e metade para a criação da tal fundação. E o dinheiro, meus amigos e minhas amigas, é depositado pela Petrobrás em acordo com os Estados Unidos da América para que ela, empresa, não seja processada lá no Norte. Vale lembrar que a petroleira é uma sociedade de economia mista, isto é, tem dinheiro público e privado.

Mas o que a Petrobrás tem a ver com os Estados Unidos?

O buraco é mais embaixo. Segundo alguns levantamentos, já passaram dos R$ 15 bilhões (estimativa mínima) que a empresa petroleira brasileira entregou nas mãos de autoridades estadunidenses – isso é inacreditavelmente verdade, fora os gastos com escritórios de advocacia, processo, compliance e mil e uma despesas que não estão nesse Excel durante todos os anos. É dinheiro do Hemisfério Sul enviado ao Norte sob grande prejuízo da petroleira do país menos desenvolvido. Alega-se a restituição aos acionistas que compraram ações da empresa de 2010 a 2014, além de multa mais impostos e mais uma porrada de coisa. Foi nesse contexto que o valor de 853 milhões de dólares foi criado. Veja a matéria do Jornal Nacional de setembro do ano passado: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/09/27/petrobras-faz-acordo-bilionario-com-justica-dos-eua-para-encerrar-acoes.ghtml

Crítica: a primeira coisa é o argumento constante do MPF de que a Operação Lava Jato devolveu dinheiro as cofres públicos. Não há outra modo de definir isso: trata-se de uma grande e deslavada mentira. Não devolveu, como somente partindo do mercado norte-americano (vamos dar uma colher de chá aqui para todo o mercado da América Latina e mundial) o déficit da balança é da casa dos bilhões. É muito dinheiro no bolso dos Estados Unidos – que vamos aqui lembrar tinha todo o interesse no pré-sal, sendo que por conta disso comprovadamente espionou autoridades brasileiras, inclusive a então presidenta Dilma Rousseff. Suspeito né? Tudo bem, vamos prosseguir.

O pior é que tudo isso foi para a produção do processo do Triplex em que não foi provado a propriedade do imóvel e a condenação é algo que causa repulsa e revolta em todo o mundo, menos no zap da firma e no Facebook da Joice Hasselmann. Vida que segue.

Assim, somente em curtas linhas, com base em números, podemos afirmar que as consequências da Lava Jato no campo financeiro foram um desastre para a Petrobrás, além de um enriquecimento ilícito por parte dos Estados Unidos. Sobre a criação desse fundo para combater a corrupção, um primeiro meio de combatê-la seria não entregar bilhões nas mãos dos Hemisfério Norte, mas tranquilo, lá não tem corrupção, Trump é um surrealismo e o “Lobo de Wall Street” se passa na Islândia.

A segunda coisa que gostaríamos de destacar é a imensa falta de transparência no processo, na negociação, pagamento e sua justificação. Enquanto a mídia se preocupava com o pedalinho e o zap com a mamadeira de piroca, bilhões brasileiros foram negociados no Norte sem holofotes e com consequências ainda indefinidas para o país. Mas bem, se a Transparência Internacional e elogia a Lava Jato, quem somos nós para apontar as evidências em contrário, não é mesmo?

Sobre os agentes envolvidos na fundação

É bom sempre lembrarmos que os procuradores da Lava Jato não são o Clark Kent, ou o Eliott Ness como já sugeriu a Folha de S. Paulo. Lamentavelmente, no máximo, temos tuiteros reacionários e postadores de facebook na hora de trabalho. Um dos principais é Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador que foi chefe da operação. Pouca gente notou, mas após anos na operação, Lima teve seu nome veiculado na mídia por querer se aposentar e se dedicar ao compliance para ganhar dinheiro – para quem não sabe, compliance é uma espécie de “polícia e reguladora” das empresas, uma área privada onde se ganha muito dinheiro. Diante da repercussão, recuou e agora investe suas fichas nessa organização bilionária com caixa nababesco para investir com a liberdade inerente à Curitiba.

Deltan Dallagnol que no passado, no tempo das vacas magras, adquiriu um imóvel do Minha Casa, Minha Vida destinado a faixa de renda inferior ao que ganhava fez muito dinheiro com palestras em bancos sobre ética. Fez greve de fome por prisão do Lula (sem sinal de greve de fome por laranjas e milicianos), fez power point e é o garoto propaganda dessa operação. Inclusive ele foi o responsável por anunciar nas redes o que rolava por atrás das cortinas havia meses.

Deltan em sua apresentação “não tenho provas, mas tenho convicção”

Leia também: Lava Jato: ONG bilionária com dinheiro da Petrobras é vista como "Estado paralelo"

Rosângela Moro é a esposa do ex-magistrado e atual ministro da justiça de Jair Bolsonaro. Esse ex-juiz se anunciou como um superministro, mas já perdoou caixa dois por desculpas, voltou atrás no que havia dito sobre ser “mais grave do que corrupção” (era época do impeachment, podia-se dizer tudo nesse país para sair como herói) e afirmou que o presidente das fakenews e do golden shower era uma pessoa “moderada”. Rosângela Moro foi dona da página eu MORO com ele e é uma bolsonarista de primeira linha em sua conta do instagram.

Ora, sorte de quem é seu amigo, tem um projeto bacana para apresentar contra a corrupção e  precisa de um pequeno financiamento pelo MPF. As redes de conexão do ex-magistrado circulam por sua esposa e pelo muy amigo Carlos Zucolloto (que foi apontado com ligações com a JBS por CPI no Congresso Nacional). Para uma boa fundação funcionar, há de se ter quem da sociedade civil para compor quadros e escolher projetos.  

É bom explicar quem são parte das pessoas por trás dessa fundação, pois o MPF afirma que os bilhões serão geridos pela sociedade civil. Já podemos imaginar que sociedade civil é essa…

A vítima paga por ter sido vítima de um crime

Essa é a tautologia (beco sem saída argumentativo) da Lava Jato. Entenda isso: pela ótica da acusação – dando colher de chá – a Petrobrás foi vítima “do maior esquema de corrupção do mundo”. Isso foi dito várias vezes em especial porque ficava legal dizer isso na mídia para ser super heroi, uma vez que não tem dado algum que justifique essa afirmação e que, vamos combinar, se tivessem roubado a Petrobrás inteira com as plataformas inclusas não daria o valor de muita corrupção ocorrida em economias mais potentes, ou mesmo no Brasil – ou o pagamento eterno de juros da dívida não é uma corrupção? Mas ok, vamos voltar para não nos perdemos no raciocínio.

Maior vítima de corrupção, a Petrobrás pagou assistente de acusação contra o Lula no caso do Triplex (que vamos relembrar não teve nada a ver com Petrobrás, ainda pela ótica da acusação, lembrando dos três promotores Marx-Hegel que associaram o caso à Bancoop e à OAS). Essa mesma Petrobrás é a que paga 15 bilhões para os Estados Unidos e, destes 2,5 bilhões para o MPF, por ter sido a vítima de corrupção. Ora essa, não faz o menor sentido, gente. A empresa é vítima e a empresa desembolsa grana para a galera. Volte cinco casas, fecha a conta que foi só um festival de distribuição de dinheiro mesmo.

A ideia já havia sido proibida pelo Supremo

Pelas mil problemáticas ética, jurídica e financeiras que essa aventura do MPF tem algumas vezes autoridades já se posicionaram contra isso. Uma delas foi, vejam só, Teori Zavascki, que negou o pedido do então PGR Janot para que fosse feito algo semelhante com o dinheiro da delação de Paulo Roberto Costa, um dos operadores da Petrobrás que foi pego com muito dinheiro. Janot queria que uma cota na delação para o Ministério Público Federal. Pouca gente lembra – mas nós lembramos porque somos chatos -, mas no meio jurídico o MPF apanhou muito por conta dessa ideia. Bom, quem disse que não seriam teimosos, não é mesmo, o avião de Teori caiu e o resto é história. Só fica bonito citá-lo no funeral, já que decisões incovenientes como essa não precisam ser lembradas…

O interessante disso tudo é que a fundação desta vez não passou pela Suprema Corte, apenas levou o carimbo de chancela da Gabriela Hardt, uma juíza tão adepta de Sergio Moro que até o copia nas decisões em casos diferentes.

Não tem previsão legal e nem estava previsto no acordo

É óbvio que a lei não prevê que um time de procuradores crie paralelamente uma fundação bilionária sem fiscalização para que apoie suas próprias ideias e redes de conhecidos. E como mostra o site jurídico Migalhas, sequer no acordo nos States havia a previsão da criação dessa fundação. Trata-se de uma ideia dos procuradores que foi homologada pela juíza e é isso aí, a lei que se dane.

E como não há previsão legal, aí o céu é o limite. Estabeleceram o que quiseram, como, por exemplo, assento no conselho da fundação cativo do Ministério Público Estado e o MPF do Paraná (?), o que faz sentido algum pois o Ministério Público Federal é uma órgão nacional, mas nessa altura do campeonato quem é que se preocupa com isso. E o MP Estadual nessa história? Pois é. E a sede tem que ficar em Curitiba. Fora o que ainda não sabemos e as intenções dos procuradores que não foram publicizadas.

Tem gente que pode achar isso normal, mas é um absurdo e dizemos pois acompanhamos há anos essa operação. É o auto-enriquecimento dos seus próximos e deles mesmos após a aposentadoria, de modo egoísta e que beneficia os EUA em uma negociação escusa e em cima de enorme prejuízo ao Brasil e de sua empresa petroleira. Isso sem contar no péssimo trabalho feito no processo do Triplex que só resultou em condenação pelo comprometimento do sistema de justiça com a condenação de Lula e consequente afastamento dele do processo eleitoral. Até eles sabem que a condenação não goza de nenhum prestígio entre ninguém que defenda sua biografia e nem no exterior.

Mas esses meninos de Curitiba seguem suas estripulias, sem limites, sem noção do arbítrio. Perguntamo-nos até quando isso vai ocorrer.

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