Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
Homem não usava camisa colorida, mulher não votava, criança não dava palpite. O único exame que fazíamos era de sangue
Todo idoso – velho, como chamávamos – vive dizendo que o mundo era muito melhor antigamente. Conheço umas duas dúzias deles, todos com a certeza absoluta de que andar de carrinho de rolimã era muito mais divertido do que ter um celular cheio de joguinhos na mão.
Eles assistem a esse, digamos, admirável mundo novo, sempre torcendo o nariz.
Torcem o nariz para o engarrafamento monstruoso das grandes metrópoles, para o excesso de senhas que precisam decorar, para o telefone que toca o dia inteiro querendo vender alguma coisa.
Torcem o nariz para as caixas eletrônicas, quando lembram do cafezinho de coador que tomavam em xícaras de porcelana com o Seu Libório, gerente por mais de vinte e cinco anos do Banco Nacional, o banco que estava a seu lado.
Torcem o nariz para essa liberdade de namorada dormir com namorado, namorada dormir com namorada, namorado dormir com namorado. Argumentam que, no tempo deles, no máximo era uma mão dada.
Argumentam que O Direito de Nascer era muito melhor do que Cara e Coragem e que o Chacrinha era melhor do que o Faustão.
O meu pai vivia dizendo que bom era o tempo em que não havia televisão, no dele não havia. Caía a noite, as pessoas iam para o alpendre e ficavam ali horas conversando fiado, jogando conversa fora, vendo o tempo passar.
Eu discordo disso tudo, acho que o mundo hoje é muito melhor. No meu tempo, o achocolatado, por exemplo não era instantâneo. A gente ficava horas mexendo com uma colher para não empelotar.
No meu tempo não tinha micro-ondas, éramos obrigados a sujar umas três, quatro panelas para esquentar o jantar.
Não tinha data de validade nos produtos, não tinha cinto de segurança, não tinha Spotify para ouvir Noel Rosa, não tinha Waze, éramos obrigados a ficar procurando ruas em guias volumosos e, só depois de um tempão, chegávamos à conclusão de que a Rua Rio Verde ficava no quadradinho E4.
Não tinha o iFood que me entrega na portaria um hambúrguer da Criminal, o melhor da cidade. Não tinha vidro elétrico nos automóveis, não tinha kiwi, não tinha Häagen Dazs com pedaços de morango, não tinha Airbnb, não tinha máquina de lavar louça e a televisão era em preto e branco.
Homem não usava camisa colorida, mulher não votava, criança não dava palpite. O único exame que fazíamos era de sangue e de fezes.
Enfim, o mundo dos idosos era bem pior.
Mas de uma coisa certo eu estou: o mundo sem Jair Bolsonaro era muito, muito melhor.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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