Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

O macho bolsonarista

O vereador Gabriel Monteiro, do Rio de Janeiro, é o símbolo de tudo o que deu errado

O vereador Gabriel Monteiro (PL-RJ). Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Uma reportagem congelou meu coração. A notícia trazia o depoimento de um ex-assessor de Gabriel Monteiro. Segundo ele, o vereador carioca fazia sexo com menores na frente de sua equipe durante o expediente. O político bolsonarista, prosseguiu o ex-assessor, levava as adolescentes para salas onde os funcionários trabalhavam, pedia para que elas mostrassem os seios para os subordinados e mantinha relações sexuais na frente deles. “Já teve ocasiões que a gente estava editando vídeo durante o expediente, e o Gabriel chega lá com uma garota e começa a transar com a garota na nossa frente, mandar ela alisar ele e coisas do tipo.” Essas foram as palavras literais utilizadas no aterrorizador trecho que consta do relatório final do processo de cassação do parlamentar. Atroz.

Confesso que li duas vezes, pois minha mente não conseguia assimilar que o que lá estava escrito era plausível, que houvesse alguma chance de que essas situações não fossem sequer imagináveis. A mente não consegue assimilar que o nosso mundo seja capaz de produzir tais energúmenos imundos. É como se fosse um impossível cognitivo. O cérebro recusa-se a crer que convivemos no mesmo espaço físico com esses animais selvagens, respiramos o mesmo oxigênio, os mesmos prédios projetam sua sombra sobre nós, pisamos o mesmo chão, sentimos a mesma chuva. Há níveis de atrocidade que a gente demora um tempo para digerir. Não é possível, não é possível. O que resta de humanidade em nós recusa-se a aceitar que alguns indivíduos possam ser tão lixo, puro detrito do mais nojento. Mas o excremento humano existe. As feras humanas existem. Oh, se existem.

Invadiu-me uma raiva profunda. Eis aí o arquétipo do que há de pior no ser humano. Um homem público, utilizando seu poder, ostentando seu poder por meio da violência sexual e escondendo sua conduta por trás de um discurso evangelizador. Um sujeito pregador da ordem, da moral e dos bons costumes, da família tradicional, dos valores cristãos. O macho bolsonarista, Bíblia numa mão, arma na outra e falo agressor. O pior do ser humano. O resumo de todas as falhas que a sociedade cometeu e continua a cometer. O símbolo de tudo que deu errado.

O macho bolsonarista, coitado, perseguido pelo politicamente correto, vítima das milícias de feministas enlouquecidas, histéricas, frígidas, que, no fundo, desejam ser sexualmente submetidas a ele porque o poder do falo bolsonarista é inquestionável. Qualquer uma de nós sentir-se-ia abençoada pela graça de sermos escolhidas. O macho bolsonarista incapaz de entender e aceitar um “não” por ser incapaz de enxergar a humanidade numa mulher, aliás, por sentir prazer ao nos tirar a humanidade. O macho bolsonarista alardeando a violência na frente de seus colegas de turba, na frente de seus brothers, de seus parças. Olha como eu sou foda. Brochar? Eu? Jamais. O macho bolsonarista é fanfarrão, óbvio, não podia ser de outra forma. E nada mais glorificador do que a violência sexual, o empoderamento pelo pênis, o aniquilamento pelo pênis.

É tão triste, tão profundamente triste. É tão triste que a gente seja governada por esses monstros. E tão triste que muitos dos nossos jovens se sintam seduzidos pelo modelo de masculinidade que esses monstros exibem. É tão triste que muitos homens admirem o comportamento de um predador.

Estamos diante de duas tarefas titânicas: enfrentar Bolsonaro e enfrentar o bolsonarismo. Enfrentar o bolsonarismo significa enfrentar esses homens monstros, enfrentar um tipo de masculinidade que se constrói na violência, vangloria-se dessa violência e… mata, mata corpos, mata almas, mata, física e simbolicamente.

Temos de enfrentar esses machos. Temos de começar a falar muito mais com os nossos companheiros, maridos, colegas, amigos, filhos, estudantes, do tipo de homem socialmente construído. Temos de trazer o tema para o centro das rodas de conversa, dos temas de bares e cervejas às sextas à noite. Temos de expor a ferocidade. Temos de refletir conjuntamente sobre o masculino, sobre esse masculino que congela o coração. Companheiros, maridos, colegas, amigos, filhos, estudantes homens, falem, por favor, falem entre si, pensem, reflitam sobre que tipo de homem nossas omissões ajudam a construir. Não se calem, aqueles de vocês que não são monstros, levantem suas vozes. Para que nunca, nunca, nunca, nenhuma mulher, jamais, tenha seu corpo e sua alma desgarrados pelo despotismo falocêntrico do macho bolsonarista. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1221 DE CARTACAPITAL, EM 17 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O macho bolsonarista”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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